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    Conceição Lima e a linguagem-morada

    Bruno Gaudêncio - Brasil

    Escritora são-tomense, Conceição Lima


    O

    Útero da Casa (Lexonics, 2º edição, 2012) é um livro de poemas de Conceição Lima, um dos nomes mais importantes da poesia africana contemporânea. Poeta e jornalista conceituada, natural de Santana, na Ilha de São Tomé e Príncipe, Conceição estudou jornalismo em Portugal e Estudos Africanos, Portugueses e Brasileiros em Londres, Inglaterra, onde também conquistou o grau de mestre. Foi durante anos produtora dos serviços de língua portuguesa na BBC de Londres. Exerceu cargos de direção de rádio, televisão e em periódicos do seu país, aonde chegou a ser produtora e coordenadora do principal sistema de Televisão, a TVS – Televisão São-Tomense.
    Porém, apesar de sua dedicação ao jornalismo, tanto em São Tomé e Príncipe como na Inglaterra, é na poesia que seu nome se firma como uma das melhores vozes de sua nação. Sua trajetória poética iniciou-se em livro justamente com O Útero da Casa (Editorial Caminho, 2004) e logo depois vieram mais dois outros títulos: A Dolorosa Raiz de Mincondó (Editorial Caminho, 2006) e O País de Akendenguê (Editorial Caminho, 2011). Em 2012, com o patrocínio do Banco Equador, de São Tomé e Príncipe, os seus três livros ganharam segundas edições.
    Constituído por 28 poemas, O Útero da Casa demonstra desde o início a força poética de uma autora comprometida com si mesmo e seu país de origem. Através de “lugares metonímicos”, no dizer da crítica literária portuguesa Inocência Mata (prefaciadora da obra), Conceição Lima deslumbra o seu leitor ao construir e reconstruir os seus lugares de afetividade; o seu país, rico em simbolismos e lutas, a partir de um “eu feminino”, em que a casa ganha uma dimensão de amargura e rememoração.
    Amargura causada por um arquivo de memórias e sensações. Rememoração de lugares íntimos, de pessoas próximas, causando um “imaginário territorial”, numa cartografia sentimental, onde o traço político se efetiva. Um passado que busca combater um período sombrio e perturbador de seu país, num momento pós- independência ou pós-colonial.
    A história recente da Ilha de São Tomé e Príncipe é marcada por diversas lutas, pois o pequeno país africano passou pelo processo de descolonização com o surgimento de grupos nacionalistas, nos anos 1960, até a conquista da independência em 1975. Porém a liberdade partidária esteve ceifada durante muitos anos, visto que apenas em 1990 iniciou-se a transição para a democracia, com a institucionalização do pluripartidarismo e a adoção de uma nova constituição.
    Portanto, na poesia de Conceição Lima um traço marcante é a tentativa de uma “reconstrução identitária”- coletiva e ao mesmo tempo individual - no qual o lugar matriarcal ganha um primeiro plano, numa voz feminina que se forma num universo de memórias, em meio a barcos, canaviais, praças de lutas, datas comemorativas, amores e amizades, dentre outros.

    Um exemplo do universo político na poesia de Conceição Lima esta presente no poema Os Heróis, onde uma atmosfera mórbida é desvendada numa lógica de memórias conflituosa perceptivelmente relacionada às lutas de um país por independência e democracia:

    Na raiz da praça
    sob o mastro
    ossos visíveis, severos, palpitam.
    Pássaros em pânico derrubam trombetas
    recuam em silêncio as estatuas
    para paisagens longínquas.
    Os mortos que morreram sem perguntas
    regressam devagar de olhos abertos
    indagando por suas asas crucificadas.

    É percebível a ruptura com “o colonizador”, com uma “imagética do passado”, algo presente também em poemas como “1975”, “Mostra-me o Sangue Agora” e “Manifesto Imaginário de um Serviçal”. Há ainda outro valor identitário presente em O Útero da Casa, numa assimilação de uma identidade maior, a africanidade, algo continental, pois a partir do meio do livro a autora amplia-se poeticamente numa busca mais coletiva que íntima, mais africana que são tomense, - algo que se cristalizará nos dois livros subseqüentes da autora: A Dolorosa Raiz de Mincondó e O País de Akendenguê.
    Concluo assim a minha breve incursão sobre um livro que considero paradigmático no universo da produção poética africana contemporânea, - por ser um maravilhoso tratado de amor a um país, num discurso que prende por sua historicidade, por seus valores memorialísticos, afetivos e políticos. O Brasil e o mundo precisam conhecer mais a poesia de Conceição Lima, aquela que afirma que através de uma linguagem morada “Não basta o delírio das lágrimas libertas”.





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