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    Palavras nos faltam

    Com palavras e por palavras nos entendemos, é óbvio!, Mas, antes que as mesmas palavras fujam-nos, queremos de forma artística e poética  agradecer a todos aqueles que, directa ou indirecta, poética ou não, contribuíram para o sonho da antologia (A Arqueologia da palavra e Anatomia da Língua),   tornar-se uma realidade. 
    E confessar-vos que este foi o dia pelo qual nós lutamos, e continuamos a lutar. Juramos a nós mesmo que o dia P, por tão poético que foi o dia, nos faltaram as mesmas palavras para agradecer tanta gente que se fez presente no Centro Cultural Brasil-Moçambique (CCBM), para testemunhar o nascimento da mais pura e nova saga de palavras poeticamente ricas que reúne e unem uma toda comunidade (CPLP) e não só, visto que há textos na antologia de outros quadrantes, mas tecidos pela essa mesma língua de Camões. 
    Nesta edição, bastante esperada e por nós sofrida, sofrida por problemas de várias ordens, desde a organizacional, motivacional e com mais ênfase a tecnológicos; queremos, compartilhar alguns momentos do lançamento e como também compartilhar com o nosso público, leitor exigente, o desabafo de uma geração que se faz a custa do nada. O nada que é a cultura, a literatura particularmente, neste quadrante sul onde nos localizamos. Nada!
    Meus confrades, nesta edição número 60, marca a fase de uma luta, luta contra o tempo e a tecnologia. Pois que não podemos é negar que houve um atraso influenciado por estes dois motivos, e que além de agradecer, queremos nos desculpar pelo mesmo tempo e a tecnologia que nos foge. Nesta edição, como já o disse, nos encontramos em momento de reforma, e como sabem todos momentos de reforma podem muito bem ser momento de crise. Crise esta que nos abalou e continua nos atormentando de forma exterior, pois interiormente continuamos os mesmos, os mesmos activistas literários.
    Para não ficar aqui a falar o que muitos podem não entender, convido-vos a ler e a partilhar a novíssima saga, nutrida de dois grandes ensaios, um sobre a antologia, esse filho que cuja procriação nos responsabilizamos, na visão do Professor Aurélio Ginja e outro da Professora Doutora Maria João Cantinho intitulada “A Neve das palavras”, sobre o Paul Celan. E a sua poesia, como é óbvio.  


    Boa Leitura! 

    O editor: 
    Japone Arijuane



    A REVOLUÇÃO COMO OPORTUNIDADE


    É
    verdade verdadeira que todo o estágio da civilização humana é fruto de uma revolução. A revolução é o esplendor que reforma, forma e transforma qualquer que seja o paradigma. A revolução é, sobre maneiras, o ápice da objectividade, cujo efeito é mudança.  
    As revoluções que actualmente inundam o mundo, o repúdio popular, este gesto nobre que acontece um pouco por toda a parte, são, na nossa maneira de ver, um acto digno de louvores. Assistimos isso com mais afectividade no Brasil pelo português que nos une. O repúdio, seja individual ou colectiva, de qualquer manifestação, artística, politica, seja qual for, torna-nos dignos de nós mesmos. A revolução deve ser vista como oportunidade de criatividade, momento de reflexão, de reencontro com as nossas próprias bases, portanto não há nada de perjúrio numa revolução, pese embora os estragos, a violência, que a sua negatividade é óbvia, porém, nada mau. O sangue que as revoluções exigem serve de purificação, assim como acontece numa cerimónia mágico-religiosa, o sacrifício faz parte do culto.
    Indo para aquilo que me é permitido falar com uma certa substância de autoridade, a arte, esta busca sempre retratar aspectos como esses, analisando em vários prismas, aliás é o artista produto de socialização, este por mais que tente, difícil é separar-se embora haja um certo distanciamento, como bem (re) diz a critica. Neste campo as mudanças sempre criam um certa estranheza, a arte de vanguarda é, e sempre será mal compreendida logo a prior, e tal entendimento leva seu tempo, como é óbvio, quando deixa de ser de vanguarda, aliás, como já bem disse José Ortega y Gasset “(...)O estilo que inova demora certo tempo para conquistar a popularidade; não é popular, mas tampouco é impopular (...)”.
    E é com este olhar revolucionário que percebo a entrevista a Professora Inocência Mata, precisamente quando fala dos sistemas literários de países falantes da língua portuguesa, com mais enfoque aos de São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau, como sendo sistemas já consagrados; é óbvio!, na nossa opinião um só bom e bem-feito livro literário pode muito bem consagrar um sistema, não variedades de futilidades, ainda mais nesta entrevista a professora vai longe ao repudiar o actual cenário que se vive nas literaturas dos países africanos de línguas portuguesa, que somente são consagrados os autores publicados no Brasil e Portugal, ridículo!
    Bom, antes que me saqueiem as palavras, quero chamar atenção para as próximas novas edições dessa revista que, irão sofrer uma reestruturação na forma e no conteúdo.

    Bom Leitura.

    Os poetas levarão pelo Índico a poesia moçambicana - Entrevista ao Francisco Noa

    Eduardo Quive - Moçambique
    Texto e fotografia



    Francisco Noa, um dos maiores críticos e investigadores de literatura moçambicana na actualidade, director do Centro de Estudos Sociais Aquino de Bragança, faz uma radiografia do que se passa na Literatura Moçambicana dos primórdios aos tempos actuais. O crítico, (sem querer ser injusto) citou as mais simbólicas obras e nomes da Literatura nacional a destacar pelo tema da “invasão”, essa necessidade que os poetas e contistas moçambicanos têm de fazer uma “viagem” pelo mundo através do “Índico”. Nessa vertente, Noa, encontra ainda uma matéria de ocupação e estudo principalmente no texto de Eduardo White “A Janela do Oriente”, Adelino Timóteo “Viagem para Grécia através da Ilha de Moçambique” e Sangare Okapi com “Pelos mesmos barcos”. Estará assim feito um triângulo geracional que dita os novos caminhos desta literatura que segundo Francisco Noa já existia a partir dos anos 40. Contudo há um mal que enferma a escrita moçambicana e o que acaba manchado a instituição literária que Noa reitera que existe – o livro. O crítico defende que há toda uma tradição de qualidade na nossa literatura e seja por isso, inevitável a tarefa do escritor mantê-la, independentemente das pressões sociais. Ainda nesta entrevista, Francisco Noa, fala do drama da leitura e não escusa-se a dar sugestões de superação. Uma entrevista que a pesar de marcar o fecho do ano, põe em aberto um debate que ainda se vai realizar. 


    Literatas: A quando da entrada de uma vaga de jovens na AEMO e com a criação da revista Charrua, o crítico Gilberto Matusse chegou a referir-se sobre um assalto à Instituição Literária. Existe em Moçambique uma instituição literária?
    Francisco Noa: Claro que existe uma instituição literária em Moçambique. Instituição literária é o triângulo: autor-obra-leitor. Quando esse triângulo está instalado, e se existe uma certa regularidade do funcionamento desse triângulo, estamos perante já a uma ideia de instituição. O autor para publicar precisa de um editor, precisa de todo um aparato que permite que o seu livro apareça. Depois temos um universo de outros sectores que é largo, desde o leitor que só lê por ler, ao leitor que lê para fazer uma reflexão sobre o livro que pode ser um jornalista, um especialista, ou podem ser os leitores especializados ao nível das universidades. Depois, paralelamente, surgem mecanismos de legitimação da obra literária, não só através da leitura, mas, por exemplo, através dos prémios. E nós temos tudo isso. Temos inclusivamente uma Associação dos Escritores Moçambicanos que vale o que vale e que teve o seu papel talvez mais marcante na altura em que a geração “Charrua” aparece. Então, sim, a instituição literária existe e temos professores de literatura que fazem parte dessa instituição.

    L: Quando se fala de instituição olhamos para uma coisa rígida. Onde é que temos o centro dessa coisa rígida?
    F.N: Claramente o centro de uma instituição literária é a obra. Tudo gravita a volta da obra literária. Nós lemos, discutimos, fazemos interpretações, a história da literatura, fazemos a sociologia da literatura, mas partimos sempre da obra literária. Portanto, o núcleo, o centro de gravidade é a obra literária. O autor apaga-se perante a própria obra, a partir do momento que a publica. O José Craveirinha dizia que quando um autor publica uma obra, ela deixa de pertencer ao umbigo do autor, quando ela cai no meio dos leitores eles é que a vão dar vida, porque, como diz Humberto Erco, uma obra é sempre um mecanismo adormecido, vai ser acordado pela leitura. A obra de facto está no centro, mas é a relação que depois o leitor estabelece com ela que vai dar toda a vida que faz com que uma obra seja imortal.
    Nós temos, por exemplo, uma obra que foi escrita a mais de 2500 anos que é a “Odisseia de Úmero” mas que até hoje continuamos a ler, isto porque o processo de leitura é que vai dando vida a esse mecanismo adormecido, a obra, mas que é o ponto nevrálgico, dessa instituição literária. Tudo o resto, vem por arrasto deste fundamento que é a obra literária.

    L: Se referimos que é a obra o centro dessa instituição literária qual é o estado dela em Moçambique? Por outro lado, parece que quem está na maior produção dessa obra ainda são, na maioria, os da geração “Charrua” e, por conta disso, fala-se de uma paralisação. Concorda?
    F.N: De certo modo sim, se tivermos em conta a qualidade do texto. Repara, a condição cine quanón, para se ser escritor é ser-se leitor e ser-se um leitor voraz, ser-se leitor sistemático, porque só através da leitura é que se vai adquirir as competências como leitor e assim me vou familiarizar com a obra literária. Essa é a primeira condição. E tem que ser um leitor sistemático, doentio/patológico, primeira coisa. Depois para passar para uma outra dimensão que é a de escrita tem que ler mais a língua, no sentido de adquirir todas as competências, que são elas as cognitivas, estilísticas, criatividade literária, conhecimento do mundo, porque escrever é uma forma de nós representarmos o nosso conhecimento em relação ao mundo.
    Obviamente quando nós vermos as actuais direcções e mesmo desses escritores que imigraram da “Charrua” para cá, nós notamos algum enfraquecimento. Enfraqueceu essa relação com o próprio livro e isso é tangível quando pegamos no próprio texto escrito, percebemo-nos das fragilidades. E nós quando falamos isso as pessoas pensam sempre que estamos a querer destruir. É o contrário, a tradição da literatura é uma tradição de qualidade, quer do ponto de vista universal quer do ponto de vista eminentemente nacional. Se formos a ver aquela geração que deu origem a o que chamamos hoje de literatura moçambicana, começando dos isolados como João Albazine e Rui de Noronha, mas se pegarmos aquela geração das décadas de 40 e 50, onde pontificavam o Fonseca Amaral, o José Craveirinha, Noémia de Sousa, Rui Knofli e Rui Nogar, Orlando Mendes, que na altura eram muito jovens com 16 a 18 anos de idade, eles escreviam coisas com uma grande qualidade e com uma grande profundidade. Quando falo de qualidade estou a falar de qualidade temática, estética, ideológica, no sentido que eles tinham uma interpretação do mundo e liam de forma voraz. Então a literatura moçambicana nasce sob o cimo da qualidade e todas as literaturas nas quais ela se inspira, são literaturas que já estão cristalizadas pela sua qualidade, tem uma grande universalidade, estou a falar da literatura anglo-saxónica, literatura brasileira, portuguesa e por aí a fora, que são alguma referência, das nossas literaturas aqui.
    Nesse sentido, é natural que esta exigência de qualidade seja tida de forma maniete, intrínseca, porque fazer literatura é um acto de elevação: eu afastar-me de uma dimensão mais corriqueira e quotidiana para uma outra elevação de ponto de vista espiritual e isso exige investimento. Da mesma forma que nós, de ponto de vista financeiro, dizemos que para um negócio prosperar precisa-se que se injecte capital é necessário que também sob ponto de vista cultural haja investimento desse capital que é de conhecimento cultural, e nós vivemos hoje numa era da pressa. Eu recebo muitos textos de jovens que querem escrever e a primeira observação que faço é que precisam de ler mais, precisam de mais tempo e eles reagem, às vezes, muito mal.
    Um grande escritor peruano que é do nosso tempo que é o Mario Vargas Llosa ele diz que vivemos o tempo da pressa e inclusivamente, diz que deixou de ler escritores vivos e está a ler os mortos, os clássicos, porque esses não têm pressa. Então nós mesmos, alguns desses autores que são consagrados, nós vemos que devido a essa pressão de que devem publicar, muitas vezes a qualidade que inicialmente as suas obras apresentavam, ela está a ficar comprometida.
    Há jovens que estão a aparecer e que mostram alguma qualidade acima da média, estou a falar do Lucílio Manjate, Sangari Okapi, Chagas Levene que depois não escreveu mais. Portanto há alguns que se destacam e que mostram que é possível com algum empenho, trabalho, mantermos viva toda uma tradição literária que vindo da década de 40, passando pela década de 60, onde pontifica por exemplo o Luís Bernardo Honwane, e passando também pela “Charrua” com todo aquele conjunto de bons escritores que nós conhecemos. É possível, se tivermos esse compromisso quase como uma causa. Tudo bem que as pessoas querem ter reconhecimento, mas tem que ter reconhecimento não porque puseram um livro no mercado, mas porque puseram um livro de qualidade. Esse é um compromisso estrutural, fundamental, com a escrita e com a literatura.

    A HISTÓRIA DA LITERATURA MOÇAMBICANA

    L: Ao falar da literatura moçambicana na década de 40, dirige-nos à sua obra que fala da literatura colonial, uma época em que o moçambicano no entanto que tal, podia não ser o protagonista. Que motivações teve para esse tema?
    F.N: Isso faz parte daquilo que podemos dizer História de Literatura Moçambicana. Nas explicações que damos sobre como e quando surge a literatura moçambicana, inevitavelmente nós temos que chocar com aquilo que é a literatura colonial, porque a representação literária através da escrita, da África, dos africanos, de Moçambique neste caso e dos moçambicanos, é inaugurada pela literatura colonial, portanto, são os colonos os brancos que aqui se instalavam e ficavam fascinados com essa realidade e que foram começando a construir as primeiras representações sobre África e os africanos e, obviamente, sempre numa perspectiva eurocêntrica, de tal modo que as leituras que eram feitas dessa realidade eram sempre dominadas pelo preconceito. Portanto havia problemas do estigma, inferioridade do homem negro, e do homem africano. Mas apesar de o objecto de escrita ser a África e os africanos, a visão do mundo prevalecente era sempre de alguém que vinha de fora e a literatura moçambicana vai nascendo exactamente em ruptura dessa visão. Os primeiros textos, sobre tudo os que se começam a destacar com o Rui de Noronha, com essa geração que me referi que podemos chamar de geração do “Itinerário” (uma revista literária desse tempo), eles escreviam, obviamente seguindo uma tradição que vinha do ocidente, mas renegando aquela visão que prevalecia na literatura colonial, porque era uma visão que diminuía o homem moçambicano, diminuía o africano, animalizava, bestializava, o africano e que punha em causa a existência desses seres. A literatura moçambicana é, então, importante nesse sentido, porque ela impunha uma função cívica, não apenas cultural, até uma função política, por exactamente dar existência àquilo que não tinha existência, por dar voz àqueles que não tinham voz. É, portanto, preciso perceber o que fazia essa literatura para termos o conhecimento de que a literatura moçambicana surge por essa ruptura, daí eu ter tido a preocupação de ver se quais eram as pontes, se é que existiam, entre essa literatura colonial que correm paralelamente durante o século XX, com aquilo que nós chamamos de literatura moçambicana. É verdade que isto também traz-nos uma outra questão porque existiam outras formas de literatura como a oral, textos escritos por outros povos como os árabes, alguém um dia vai ter que fazer esse trabalho.

    L: A Profª Drª Fátima Mendonça no seu texto sobre os 35 anos da poesia moçambicana refere-se à centralização dessa mesma poesia assuntos periféricos. E encontro uma relação com aquilo que acaba de dizer ao referir-se ao estigma que sofria o moçambicano e que acabou levando à criação dessa literatura moçambicana. Acha que esse centrar-se ao grito dos nossos valores é reflexo dessa opressão sofrida?
    F.N: Isso pode ser um dos motivos, mas para mim, a arte africana no geral, tem uma relação profundíssima ao meio onde ela imerge. Se formos a ver as esculturas, pinturas, danças, cantos tradicionais, veremos que estão em permanente diálogo com o mundo que as envolve. Se formos a seguir as letras das músicas populares por exemplo, notaremos que é um diálogo permanente com aquilo que é o dia-a-dia das pessoas. Isso é uma característica da arte africana. Obviamente que tendo em conta a realidade colonial, essa realidade acaba por estar plasmada, porque era aquela que estava ali e que dominava a vida das pessoas, determinava os destinos individuais e colectivos. Era preciso denunciar aquela realidade; era preciso denunciar as injustiças sociais, era preciso denunciar a violência física e cultural que era exercida para os africanos. E nesse sentido a literatura acabou sendo um compromisso que mantem até hoje e nós sempre vemos que há essa irreverência.
    Uma obra como “Ualalapi” é emblemática desta relação com aquilo que existe e o que está instituído no sentido de pôr em causa um determinado tipo de discurso que se quis impor em determinado momento. Por tanto, ao mesmo tempo que a literatura se mantém com uma relação com a realidade, não é uma relação linear, é uma relação de reinventar a realidade, questionar a realidade, amplificar a realidade no sentido de mostrar aquilo que nos engrandece e o que nos diminui. Essa relação permanente com a realidade é por uma vocação da arte africana e obviamente está permanente na literatura moçambicana. 

    A PRESSA
    L: Hoje com a dinâmica social e cultural do mundo, com a invenção de novas formas de fazer a arte, não teremos uma pressa forçada ao escritor?
    F.N: Para mim, a relação com a arte é sempre um compromisso individual. Se eu decido que vou ser um artista plástico, escultor, escritor, músico, o compromisso que tenho é com toda a tradição de qualidade dessas artes. E tentar manter viva essa relação de qualidade mesmo quando ponho em causa determinadas estéticas, mas significa que há um trabalho de profundidade que tenho que ter com essas artes, há um trabalho de compromisso que vai para além das questões imediatas que possam acontecer.
    No século XIX, muitos escritores, estou a pensar no caso de Portugal e Brasil, um dos grandes escritores brasileiros, Machado de Assis, escreveu muitos textos em que ele apesar de ser funcionário público, também recebia pelos textos que escrevia; o Camilo Castelo Branco viveu muito dos escritos dele, isto significa que eles viviam no meio de uma grande pressão social e até muitos romances que conhecemos desses autores, vinham em forma de folhetim, como são as telenovelas hoje. Mas eles nunca perderam a qualidade, o sentido de compromisso com aquela arte. Portanto, para mim, nada justifica, e sobretudo a pressa, que um escritor que se assume verdadeiramente como artista, não invista na qualidade simplesmente para responder à esses mediatismos e pressões. Obviamente vivemos num tempo muito diferente de Camilo Castelo Branco ou de Machado de Assis, completamente diferente; vivemos um tempo que temos dispositivos para fazer literatura que são os dispositivos electrónicos e é aí onde aqueles que são homens da arte, que são normalmente seres de eleição, que tem que fazer a diferença e fazer a diferença é fazer um percurso de qualidade. E não há que justificar que está tudo mal como alguns tentam fazer. Estava tudo mal para o Beethoven quando fez a sinfonia, ele estava surdo; estava tudo mal para o Picasso quando pintou Alua nique porque vivia uma guerra civil; estava tudo mal para o Craveirinha quando escreveu muitos dos seus poemas porque além da repressão ele estava preso e muitos dos seus poemas escritos escreveu em papel higiénico. Então digamos que as condições contextuais que nos rodeiam têm a sua força, mas não podem ser elas a determinarem a qualidade dos textos.
    Eu não aceito a justificação de que está tudo mal, somos pressionados, se eu assumir o compromisso de ser escritor, pintor ou ser músico tenho que investir na qualidade, porque a arte é sempre um exercício de superação. Eu tenho que superar a mim como sujeito empírico e tenho que estar sobretudo em sintonia com as grandes tradições dessas artes. Nada me pode desculpar que não invista na qualidade.

    UMA NOVA FÓRMULA PARA A ESCRITA

    L: Qual é a sua interpretação da actual temática abordada na Literatura Moçambicana, comparando como passado?
    F.N: Por causa do diálogo permanente que a literatura tem com o meio com o qual emerge, as temáticas também não fogem muito a isso. Há alguns textos que tenho tido acesso, um pendor para a irreverência e rebeldia que faz parte das pessoas que se querem afirmar. Normalmente há sempre um primeiro momento que é aquele de seguir um determinado estilo, depois há um momento em que a pessoa faz o seu próprio estilo. Há sempre essa pretensão.
    Por exemplo noto que é recorrente em alguns poetas e alguns contistas, uma certa obsessão pelo sexo. Eu acharia mais interessante se fosse pela sexualidade que é outro nível, mas pelo sexo, o que muitas vezes até retira a qualidade, pela forma demasiado ostensiva, até porque o sexo faz parte das responsabilidades humanas. Grandes obras de arte têm lá sempre o sexo representado, mas é representado não perdendo de vista que se trata de arte. E o que noto é que se perde esse sentido de elevação, de tal modo que se cai no verbo fácil em relação à referência ao sexo, acaba se caindo ainda na obscenidade. Nesse tipo de criação de que haver alguma ou muita subtileza, por que quando se perde isso caímos no lugar-comum e o que vejo é que alguns textos que podiam ter alguma qualidade acabam a perdendo.
    Mas existem também outras tendências como a que tem a ver com um certo sentido de invasão, preocupação com a viagem. Isto tem muito a ver com uma espécie de abertura para o mundo e o que sinto é que cada vez mais, muitos jovens escritores e poetas, se calhar por vivermos o tempo da globalização, tem uma grande preocupação pelo cosmopolitismo. Então o tema da viagem acaba por ser recorrente, estou a pensar por exemplo no Adelino Timóteo, na obra “Viagem para Grécia através da Ilha de Moçambique”, ou do Nelson Saúte que faz parte de uma geração um pouco anterior, mas que fala da “Viagem Profana” e o que notamos essa viagem também se liga ao oceano Índico que é um tema que me tem estado a ocupar muito. Para ai temos uma das mais emblemáticas obras dos últimos tempos, quanto a mim, que é “ A Janela para o Oriente” de Eduardo White e há uma obra também que foi Prémio TDM de um jovem chamado Bento Martins (que depois não continuou a escrever) que se chama “Gritos do Índico” em que há esta recorrência ao mar, ao Índico, exactamente representando essa necessidade de invasão. Digamos que isto pode ter a ver com o tempo em que vivemos, que é o tempo de uma maior ambição de ponto de vista de liberdade, subjectividade, expressão, afirmação que faz com que os poetas e escritores busquem outros horizontes e referências. Tem outro texto interessante em forma de romance que é de uma jovem que depois não continuou a escrever também, a Oage Malunga, a obra chama-se “Romeu é Xingondo Julieta é Machangana” espero que seja isso. Essa é claramente uma apropriação de Shakespeare, portanto, plasmada em função da experiência dessa jovem escritora quanto moçambicana.
    O que quero dizer é que de facto as temáticas são diversificadas, algumas se vão diversificando, algumas por diversas razões, outras nem por isso. Mas sinto que continua a haver uma preocupação em retratar o dia-a-dia das pessoas, por exemplo o universo político, no sentido de que há uma contestação da direcção que o país está a tomar que provavelmente não é do agrado dos jovens.

    L: No que confere a essa irreverência, quais os nomes que em alusão?
    F.N: Há um jovem que tem um grande potencial que é Andes Chivangue. Ele tem um grande potencial, lembro-me que li os contos dele e confesso que na obra dele que se chama “A Febre dos Deuses” ele mostra claramente a sua irreverência. Possivelmente ele tinha alguma mensagem a querer passar, tendo em conta a qualidade de escrita que ele tem penso que é um jovem que reúne uma qualidade de escritas substanciais. Eu acredito que ele tem muito potencial para fazer o melhor que essa obra.

    L: Tem-se notado haver poucos contistas ultimamente…
    F.N: Se há poucos contistas o que é que há mais?

    L: Talvez haja mais poetas ou pelo menos eles têm publicado em maior número. Se terá descoberto as facilidades e as dificuldades que cada um desses géneros leva consigo para que se esteja mais de um lado do que do outro?
    F.N: Em literatura não existe nenhum género fácil. Cada género tem a sua complexidade. É verdade que a tendência das pessoas que se iniciam na literatura é começar pela poesia porque a poesia, pelo que dizem, está mais próximo do coração, e quando a pessoa se inicia quer expressar aquilo que sente. Por isso os primeiros poemas são normalmente poemas de amor. Por isso é o género mais apetecível, o que imediatamente nos dedicamos.
    Mas olhando para a realidade africana, tratando-se de uma cultura que tem ainda muitas marcas da cultura tradicional, oral, curiosamente foi o conto que formatou a maior parte dos nossos escritores e é interessante que a nossa literatura tem bons contistas. Penso que alguns desses contistas quando se aventuram para outros géneros, sentimos que há alguma diferença na forma como se assinalavam, manipulam a própria construção da narrativa. Pessoalmente acho que o Mia Couto é um grande contista, considero que Ungulani é um grande contista, a maior obra de nossa referência de ponto de vista da nossa narrativa são os contos de Luís Bernardo Honwana em “Nós Matamos o Cão Tinhoso”. Temos uma tradição na nossa literatura de grandes contistas e o Suleiman Cassamo é um excelente contista, o Aldino Muianga, também é. Mas também acontece que a partir de uma certa altura as pessoas sentiram que o conto era um género menor só ia se afirmando por aquilo que eles julgavam que é um género maior ou por pressões editoriais, muitos começaram a cair no romance. Eu confesso que em muitos casos não foram muito bem-sucedidos, pela minha leitura. Obviamente que as pessoas são livres de fazer as opções que quiserem, de ponto de vista se fazem poesia, conto ou romance, mas confesso que alguns dos textos mais emblemáticos da nossa literatura, estão no conto.
    Portanto, é uma ilusão quando as pessoas pensam que só se vão realizar se forem para o romance. O romance tem regras próprias, exige um folgo que muitas vezes porque eu sou naturalmente contista, tenho alguma dificuldade. São muito raros os casos mesmo a nível universal de indivíduos que são grandes contistas e também conseguem ser grandes romancistas. Falamos do Machado de Assis, por exemplo, é um contista exímio como Eça de Queirós era também. Mas ao mesmo tempo eram grandes romancistas, mas esses são, para mim casos excepcionais. No nosso caso penso que além da poesia lírica temos sobretudo grandes contistas e penso que ao fazer o conto ninguém fica diminuído, pelo contrário, o facto de fragmentarmos a realidade como acontece com o conto, dá-nos uma leitura mais profunda da realidade, além de que o conto obriga a uma disciplina de escrita que o romance não obriga no sentido de que com o conto eu tenho que dizer muita coisa em poucas palavras.

    As obras simbólicas da actual Literatura Moçambicana

    L: Se temos em conta que na poesia de combate temos obras de referência a essa fase e temos o “Nós Matamos o Cão Tinhoso” também como marca de um tempo literário, quais podem ser as obras que simbolizam os temos actuais?
    F.N: Referiu-se ao Luís Bernardo Honwana e a poesia de combate, duas situações diferentes. Porque a Luta Armada começou na década de 60, não significa que os autores desse tempo sejam da literatura de combate. De certo modo há uma combatividade intrínseca perante a uma situação colonial e a poesia de combate é dominantemente feita pelos guerrilheiros da FRELIMO que tinha a ver com o contexto específico em que encontraram uma forma de manifestar aquilo que dizia no íntimo e a sua observação do mundo dado à situação que se encontravam. Mas há toda uma escrita, o Pires Laranjeira chama-lhe “Escrita do Ghetto” na década de 60 em que as pessoas que não estavam na guerra, mas acabam por ser de certo modo influenciadas pelos eventos que tinam a ver com os processos de libertação em África, tanto que nós sabemos que em determinado momento, o Luís Bernardo esteve preso com Craveirinha, Nogar, mas há uma série de obras da década de 60. Por exemplo, podemos encontrar “Portagem” de Orlando Mendes, temos os contos e lendas de Carneiro Gonçalves, os primeiros textos de Heliodoro Baptista, e temos uma série de autores que vão despontando nesse tempo que depois vão ser importante para a nossa literatura.
    Agora quando faz referência as obras que acha que são importantes nos últimos anos não é fácil dizer assim… mas há obras marcantes e já me referi a “Janelas para o Oriente” de Eduardo White, que penso ser uma das obras que além de uma grande qualidade estética, um grande investimento de ponto de vista de poesia, há também uma forte dimensão filosófica, se quisermos, no sentido de que há ali uma problematização da própria existência, através do olhar que o poeta tem em relação ao mundo que o rodeia. Penso que “O Domador de Burros e Outros Contos” de Aldino Muianga é uma obra a reter também porque este autor perante aquilo que é a perplexidade da nossa contemporaneidade ele costuma investir a dois níveis, ou investe em relação àquilo que podemos chamar realidade tradicional, a realidade dos mitos, ou investe em relação ao subúrbio que é, digamos, uma espécie de espaço formador das identidades modernas dos africanos. E ele consegue fazer muito bem a conciliação entre esses dois mundos, o mundo rural e o mundo mítico com aquilo que é o mundo urbano através do subúrbio que é um espaço de cruzamento.
    Uma outra obra que me parece marcante é “O Olho de Hertzong” de João Paulo Borges Coelho que é uma obra de uma grande profundidade histórica e traduz um grande domínio da história narrada. Talvez sem querer ser injusto, posso ainda citar o “Manifesto” de Lucílio Manjate é um bom exercício e o “Retratos do Instante” de Clemente Bata, penso que para esta geração são marcantes, sobretudo no caso de Clemente Bata é um claro investimento no conto, um bom sinal de que a literatura moçambicana ainda tem alguma vitalidade, no sentido de que tem uma grande capacidade de renovação. A pouco referia sobre os autores da “Charrua” que prevalecem, é verdade e vão continuar a prevalecer por alguns anos o que não é mão, mas eu penso que o que dá vitalidade a uma literatura é a capacidade de ela se renovar permanentemente.
    “Viagem à Grécia a partir da Ilha de Moçambique” de Adelino Timóteo é também uma obra a reter, é uma obra de grande qualidade estética, no sentido desta abertura ao mundo, sobretudo de romper com o paradigma da nação e passar para a ideia da translação que é este aspecto que também é fundamental reter desta geração é essa ideia da translação, romper com as fronteiras físicas que estão consagradas e partir (invasão) para o mundo inteiro. Essas são algumas obras, espero não ter sido injusto. Mas acho que “O Colo da Lua” de Sónia Sultuane é também um texto interessante e “Poemas sem Véu” da Lica Sebastião, penso que para quem está se iniciar, é verdade que a Lica tem um certo percurso como artista, mas penso que a sua obra é uma obra importante a reter e aconselho as pessoas a ler.

    LEITURA

    L: No esquema da Instituição literária que se referiu já falamos do autor e da obra, agora falemos do leitor. Como é que a “pressa” que se vive no mundo actual se faz sentir nos leitores? Será que não se lê por causa do tempo?
    F.N: Agora a questão não é se as pessoas lêem muito ou lêem pouco é, o que é que as pessoas lêem? Há uma imagem que me ficou e que costumo falar dela, uma vez na zona do museu estava um cobrador pendurado no chapa e estava a ler um jornal, acho que era o jornal “Fim-de-semana”. E admirei-me, como é que um cobrador de chapa que não é propriamente aquilo que consideramos de intelectual, está a ler numa situação precária, pendurado no chapa e a cuidar dos passageiros, mas estava a ler. E depois, quantas vezes andamos na rua e vemos pessoas a ler mensagens no telemóveis mesmo a conduzirem? Obviamente podemos dizer que não é essa a leitura que nos estamos a referir, estamos a falar de uma obra literária, obras de conhecimento, de cultura, isso é outra coisa. Em relação a isso há claramente um défice de leitura. O que acontece é que mesmo nos meios académicos, meios universitários, os nossos estudantes quando vão às bibliotecas é para ler os livros que lhes são recomendados para resolver o problema de uma cadeira. Não há aquele gesto espontâneo de dizer “eu vou ler um livro” ou vai a uma feira do livro para comprar um, não há essa cultura e nós podemos ver. É por isso ainda que chamei a tenção uma vez sobre os lançamentos dos livros, tudo bem que aqueles momentos têm um significado muito grande que é princípio é a consagração daquilo que é o centro desta instituição literária, mas o que podemos verificar é que efectivamente as pessoas que vão ler este livro que está a ser lançado são uma ínfima parte das pessoas que estão presentes lá. Isto porque algumas pessoas foram e não tem capacidade de comprar o livro e outras foram e compraram, mas não vão ler, outras apareceram por solidariedade com o autor, simplesmente dá um certo estatuto estar num lançamento de um livro e vão pensar que também leio e que sou intelectual.
    Então a questão que temos que colocar é exactamente o que é que as pessoas lêem? As pessoas lêem muita coisa na internet, ficam as vezes horas e horas a ler na internet, mas o que temos que nos perguntar é o que é que elas estão a ler? Veremos que grande parte não está a ler o que nós achamos que deviam ler que são os livros que mantém viva a literatura e a humanidade de certo modo.
    Eu penso que isso tem que ser corrigido por colocar hábitos e gostos de leitura o que já não se faz nas famílias. As nossas famílias estão muito desestruturadas e não tem capacidade de comprar livros, isso devia acontecer, então, na escola. Nós sabemos que nas nossas escolas há uma grande crise. Colocam-se pessoas que nunca deviam ser professores, crianças em condição de estudo que nunca deviam ser permitidas. Há alguns anos, as pessoas quando terminavam a quarta classe sabiam ler e escrever irrepreensivelmente, mas hoje apanhamos uma pessoa que tem sétima, oitava, nona classe, até entrar à universidade com sérias dificuldades de ler e escrever, dificuldades gravíssimas de leitura e dificuldades gravíssimas de escrita. Então, penso que esse problema podia ser resolvido, há muitas acções que deviam envolver o Governo no sentido de disseminação, maior acesso ao livro para as pessoas, hoje há outros programas que podem ser desenvolvidos nesse nível. Mas penso que a nível de educação escolar, nos níveis de ensino básico e secundário, é preciso mudar completamente a forma como nós pomos as crianças a lidar com a leitura; temos que mudar radicalmente. É preciso que o professor seja um exemplo primeiro para o estudante; é preciso que a relação das crianças com a leitura não comece e termine no manual escolar como acontece. O manual tem que ser feito sob ponto de vista de desenvolver hábitos e gostos pela leitura. Penso que porque de facto hoje as famílias não têm essa possibilidade, as famílias estão desestruturadas, os pais trabalham e não têm tempo, o investimento tinha que ser a esse nível e as competências seriam muitas, as vantagens seriam muitas, porque não seria nós só estarmos a criar bons leitores, mas estaríamos a criar bons cidadãos, pessoas com capacidade de intervir, de interpretar os fenómenos, de falar sobre eles e de concorrer para o desenvolvimento de um país como nosso.

    L: Portanto defende que tem que se descartar as famílias no processo de formação de leitores particularmente pela sua desestruturação, mas não será também o custo do livro a pesar nesse cenário como muitos alegam?
    F.N: Eu não estou a dizer para descartar as famílias, mas estou a fazer uma constatação em relação as capacidades que as famílias têm, capacidades económicas e etc. Não é descartar, mas o que temos que perceber é que o mundo mudou, nós já não estamos a viver os tempos em que temos a nossa mãe em casa e que ajudava em muitos aspectos ligados à escola, orientava o nosso estudo etc, isso mudou completamente. E não mudou só para o nosso lado, se reparar em países que hoje são um bom exemplo de desenvolvimento sustentável, decorre do investimento que fizeram na educação. A Finlândia era um país que a 30 anos estava com uma cifra de desenvolvimento das mais baixas da Europa, mas hoje é um dos países mais desenvolvidos porque um dos investimentos que eles fizeram foi exactamente na educação. Os professores que dão aulas no ensino primário tem excelentes qualificações, a criança fica na escola pelo menos 10 horas por dia com múltiplas ocupações porque as famílias não estão lá para fazer aquele trabalho. O que acontece é que as famílias foram obrigadas a transferir essa responsabilidade para a escola e, nós não estamos a fazer isso ainda. Daí haver esses problemas todos.
    Mas em relação a esses problemas todos, obviamente que eles vão continuar a existir, mesmo esses países desenvolvidos o que fazem é produzir livros de baixo custo, a pegarem clássicos e transformar em livros de bolso em que as pessoas com um, dois ou três dólares, podem adquirir, num país em que o salário mínimo é de 300 a 500 dólares, ele pode comprar o livro. A pessoa está a passar por exemplo por uma estação de comboio e tem lá uma banca a vender livros a custo bonificados neste caso. Mas nós não temos isso, muitas vezes um livro de Ungulani, Mia ou João Paulo, é um terço se não a metade do salário mínimo ou as vezes do salário médio, obviamente que nessa condição o livro nunca vai ser a primeira, a segunda, nem a terceira opção naquelas pessoas. Temos estudantes universitários que acabam a licenciatura sem comprar um livro se quer porque não tem a condição para o fazer. Portanto há uma responsabilidade do Governo, na condição de Ministério da Cultura, da Educação, juntamente com o Ministério das Finanças, no sentido de garantir que o livro chegue às pessoas na sua diversidade, na sua condição mais baixa e, se possível, na sexta básica que se falava logo depois das greves de 1 e 2 de Setembro podia se incluir um livro grátis, para as famílias e para as pessoas mais carenciadas. Há uma coisa que temos que perceber, sobretudo numa sociedade como nossa, ‘e que se nós não investirmos no conhecimento, no saber, na cultura, nunca seremos uma sociedade desenvolvida porque o grande combate que as nações africanas no geral devem estabelecer é o combate das mentalidades, é o combate das ideias e isso faz-se com o acesso ao livro, acesso ao conhecimento.

    L: Quando fala do combate das mentalidades e das ideias leva-nos à questão de que o que ganhariam os políticos pondo o povo a pensar? Existe realmente alguma vontade dos nossos sistemas políticos de pôr o povo com mentalidades abertas?
    F.N: Essa é uma pergunta difícil de se responder, tendo em conta o cenário das sociedades africanas. As estatísticas dão taxas muito altas de quadros formados e que estão fora dos países africanos por incompatibilidade com os governos. Infelizmente as lideranças africanas por inconsciência, não se apercebem que quanto mais bem preparar a sociedade que eles governam melhor será a governação. Penso que este é um problema que também deve ser resolvido pelas lideranças. O problema não está nas sociedades, está nas lideranças, as lideranças é que tem que perceber que tem uma razão histórica e, essa razão histórica, significa tirar as pessoas da condição em que elas se encontram, da condição em que de certo modo foi herdada da situação colonial e que prevalece de certa forma, para uma situação de cidadania e de desenvolvimento, e de bem-estar que coloque os nossos países a embraiar com os outros países desenvolvidos do mundo e, nós temos essas condições, temos essas aprendizagens por fazer e as coisas estão a acontecer aqui e nós temos a possibilidade de muito rapidamente ter acesso daquilo que está a acontecer a volta. Eu julgo que a grande responsabilidade continuar, é verdade que há responsabilidades individuais, eu tenho que ter responsabilidade de ser melhor do que o que eu sou, mas há uma responsabilidade do Estado, há uma responsabilidade das lideranças no sentido de criarem condições para que o investimento nas pessoas seja real e efectivo.

    L: E há um problema de leitura a outro nível que é o de existência de críticos literários. Parece que pouco a pouco vamos ficando sem críticos activos na nossa literatura, a não ser os que já conhecemos, como Francisco Noa, Gilberto Matusse, Nataniel Ngomane e agora a evidenciar-se Lucílio Manjate. Tendo em conta este cenário o que será dos autores em surgimento? Teremos os mesmos críticos de ontem para falar dos escritores de hoje?
    F.N: Primeiro temos que entender o que se está a dizer quando se fala de crítica literária: crítica literária é sempre um comentário que fazemos um comentário em torno de uma determinada obra e há três níveis que podem ser feitos.
    1. Há um comentário que podemos chamar de “comentário popular” para uma pessoa que não tem grandes preparações ou formação académica, que lê um livro, desfruta e dá-lhe prazer e comenta com outros recomendando-os, por exemplo que leiam também o mesmo livro, a dizer que é bom ou mão. Fica-se digamos pelo juízo de valor. Este é o nível mais chão da crítica, mas é porque é um comentário sobre um livro.
    2. Há um outro nível mais académico, onde nós nos situamos, nós temos obras inclusivamente publicadas que são a tradução dos livros que lemos. Aí já é um nível de uma certa sofisticação e de uma certa exigência inclusivamente para o leitor comum, quantas vezes encontramos pessoas que se queixam porque fizemos um prefácio, apresentamos um livro, uma recessão e as pessoas dizem que não entenderam nada? Isso é até pior, embora seja a função do homem da academia, da ciência, tornar acessível aquilo que não era acessível. Uma abordagem mais técnica exige sempre todo um cabedal de informação teórica que obviamente fica muito difícil para um cidadão comum e este nível, da crítica universitária, especializada, só um universo muito restrito de pessoas tem acesso, exactamente porque ele recorre a muitas teorias, fundamentações para explicar aquela obra, havendo por isso a dificuldade de compreensão pelo cidadão comum.
    3. O outro nível e muito mais importante, onde a crítica é ausente, é a nível do jornalismo cultural. São jornalistas culturais que devem estar nos jornais, como outros estiveram no passado, a receber textos daqueles que se iniciam, além de livros, para produzirem comentários que poderão atingir um grande público e que estão despidos de sofisticações teóricas que nós apresentamos. Portanto, quando se fala de crítica literária, é aí onde temos um grande défice no país. As editoras têm que investir nisso, criar profissionais e elas não podem fazer isto como um favor, é algo profissionalizado. As grandes revistas e jornais por esse mundo a fora, tem profissionais que cuidam de crítica artística divididos por cada área, desde a Literatura, Música, Teatro e etc. A crítica gera outras escritas e formações.
    Os jornalistas da área cultural tinham que se preocuparem em especializarem-se nessas áreas, tal como os órgãos de informação onde eles estão, devem tomar a iniciativa de formar os seus profissionais. O jornalista tem que também saber documentar-se, ler o trabalho doutros de modo que adquiram alguma experiência. Há muitos críticos aqui em Moçambique que se tornaram se ter feito nenhum curso da área. O Rui Knofli era um crítico literário excelente, mas nunca fez a universidade, e muitos outros.

    L: Depois de toda esta conversa, cabe agora a questão, qual é o estágio da Literatura Moçambicana?
    F.N: A Literatura Moçambicana está numa fase de transição. Há toda uma geração que ainda está aí, refiro-me à geração “Charrua” que ainda é importante e que penso que ainda vai ser por muito tempo e é um dos poucos testemunhos para as gerações mais novas.
    Houve aí um conflito e esses conflitos são recorrentes. Se nos recordarmos, em 2003 surgiu aí um grupo que proclamou a morte da literatura moçambicana, coisas que são o processo comum do crescimento. Agora é assim, quem questiona tem que depois apresentar propostas. Por outro lado há o problema da humildade, consistência e persistência. E volto a afirmar que o com a arte o compromisso é individual e não tem a ver com mais nada.
    Estamos numa fase de transição, claramente e o que a literatura moçambicana será no futuro, só o futuro poderá responder, embora os indícios sejam visíveis como notamos agora, no sentido de que há já os dispositivos electrónicos, as pessoas vão lendo pela internet, há os que escrevem no telefone e computador. Nós estamos numa fase de transição como o mundo todo está na fase de transição e nós podemos dizer até que estamos no momento de grandes incertezas. E essas incertezas estão a se agudizar cada vez mais.  Falei da invasão, essa acontece se calhar por culpa do próprio tempo e ela vem a trazer a mudança do sentido nacional e local da nossa escrita.


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