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    António Panguila: Poeta com o «Corpo Molhado de Prazer»

    Lopito Feijóo - Angola




    Passaram-se quase três dezenas de anos desde que em Luanda um grupo razoável de jovens escritores -dentre os quais ANTÓNIO PANGUILA- arquitectou o projecto estético OHANDANJI que viria à público através da divulgação de um manifesto teórico-prático no “Jornal de Angola”. Foi num domingo, 22 de Abril do relativamente distante ano de 1984. Resultou do projecto, a formação de um dinâmico Colectivo de Trabalhos Literários que, discretamente, propunha-se, por via da investigação estética, passar em revista tudo quanto havia sido produzido e publicado localmente pelos integrantes das gerações literárias precedentes bem como por tudo quanto havia sido publicado pelos amantes da literatura, enquadrados na brigada jovem de literatura de então.
              O objectivo era, em princípio, encontrar circuitos operatórios que lhes permitisse dar à volta as produções literárias da emergente geração dos anos 80, até ai despidas de qualquer proposta estética. Sentia-se a necessidade de algo  novo que sacudisse, por via da agitação, a realidade literária então vivida pois, enveredava-se (facilmente claro!) pela via da produção literária dirigida e politicamente engajada, caindo-se –não raras vezes no domínio do  cantalutismo desnecessário … porque desprovido dos pressupostos da verdadeira arte literária.
      Tal viragem havia de acontecer por meio do surgimento de uma escola, de um novo movimento, de uma tendência ou uma qualquer corrente estético-literária inspirada na realidade local. Entretanto, os cultores do projecto estético OHANDANJI, integrando o Colectivo de Trabalhos Literários com o mesmo nome, já se haviam consciencializado da necessidade de um investimento capital que possibilitasse a produção e publicação de obras artístico-literárias independentemente da precisão e existência de um pensamento literário próprio e, várias vezes mesmo, defenderam o pensamento de B. Eikhenbaum segundo o qual, o que fica são as obras e todo o movimento literário ou mesmo cientifico deve ser avaliado, fundamentalmente, tendo em conta a obra produzida e não segundo a retórica dos seus manifestos.
      Curiosamente, haviam constatado (no âmbito das intensas leituras levadas a cabo) o lúcido pensamento de Castro Maldonado, personagem do romance Os Avisos Do Destino, segundo o qual: “Isso de escolas, novidades, correntes, e tudo mais dessa laia não é importante senão num dado momento! Ou, mais tarde, aos especialistas da história literária. O que realmente interessa são as obras! as obras e as personalidades. É o valor absoluto das criações”, chegando a concluir que: “Tudo o que pertence às circunstâncias envelhece depressa”.
      Certos de que o que realmente interessa são as obras, e depois de termos tido a honra e o prazer de assistir o lançamento de O VENTO DO PARTO que foi o seu livro de estreia poética em 1993, passam duas décadas e estamos diante do seu mais recente livro de poesia.
              Depois da publicação do AMOR MENDIGO em  1997 e um ensaio em 2003 sobre Agostinho Neto, o libertador e homem de  cultura que todos conhecemos –ou pelo menos devíamos conhecer!-, eis que o poeta «da vaca que arrasta o tempo» fazendo  jus à sua (re)conhecida pena  reaparece, passada que foi  uma década e meia de reflexão e labor oficinal, com o CORPO MOLHADO DE PRAZER livro editado pela União dos Escritores Angolanos na colecção «Guaches da Vida».
              Sempre OHANDANJIANO o Autor cresceu literariamente escrevendo. Agora apresenta-se com um refinado lirismo e sempre apaixonado pelos caminhos, vias e vielas dos corpos hirtos e tensos.
              Por via da palavra poética mostra-se um autêntico conhecedor/admirador dos cantos mais recônditos da felicidade feminina e da fertilidade consciente dos humanos que raciocinam.                                        Com o corpo suando, escreve com prazer e sobre prazeres. Sonha o «sonho do novo sexo» e metafórica mas corajosamente  pede aos (sobre)viventes leitores que não se esqueçam «de ressuscitar o orgasmo das flores /enlutadas para  alegria dos nossos mortos!». Parabenizá-mo-lo, por isso, mas não podemos deixar de considerar que o autor passado esta década e meia tinha como obrigação apresentar-se em melhor forma poética. O Panguila podia apresentar-se mais atento no que toca a construção do verso eliminado partículas desnecessárias  que em nosso entender não se coadunam com a gramaticalidade poética . Para quê tantos «teus, seus, meus,minhas»? – O autor podia ter sido maior. Atenção! 
      Com o seu primeiro “parto” A. Panguila, enquanto escultor da palavra poética, expôs-se ao “vento” que diariamente passa pelas paginas da imprensa, pelas carteiras das escolas, pelos escaparates das livrarias e até mesmo pelas ruas e ruelas nas cidades do País. O então promissor jovem poeta e amante da literatura expós-se andarilho pelos becos e esconderijos nos musseques e, quiçá, pelas inúmeras picadas por que pica qualquer anónimo cidadão, rumo a sua lavra cuja distância desconhecia!
      Tratava-se do seu primeiro livro. Imaginamos por isso quais não foram as íntimas interrogações quanto ao futuro. Qual terá sido a sensação do autor na hora do dito “parto” depois de algumas publicações em suplementos e jornais daqui  e mesmo doutras latitudes que o tornaram Homem plural.  Imaginamos  e ocorre-nos citar o magistral poeta Neruda por meio das suas memórias:
              “Sempre afirmei que o trabalho do escritor não é misterioso nem mágico, mas sim que, pelo menos, o do poeta é um trabalho pessoal, de utilidade pública. O mais parecido com a poesia é um pião ou um prato de cerâmica, ou uma tábua ternamente lavrada, ainda que seja por rudes mãos. No entanto, creio que nenhum artesão pode ter, como tem o poeta, uma única vez na vida, esta embriagadora sensação do primeiro objecto criado pelas suas mãos, com a desorientação ainda palpitante dos seus sonhos. É um momento que nunca mais se repetirá. Virão muitas edições mais cuidadas e belas. As suas palavras chegarão vazadas na taça de outros idiomas como um vinho que cante e perfume noutros lugares da terra. Mas aquele minuto em si fresco de tinta e macio no papel do primeiro livro, aquele minuto arrebatador e embriagante, com som de asas que revoluteiam e de primeira flor que se abre no topo conquistado, aquele minuto só está presente uma única vez na vida do poeta”.
      Aqui o poeta em causa atende oficialmente pelo nome de António Francisco Panguila. Humilde filho de origem camponesa. Há já vários anos, residiu no mais misterioso subúrbio luandense, lá bem perto da 5.ª avenida do Cazenga. É casado e pai de filhos. Nasceu em Luanda passados os primeiros 15 dias do mês de Julho no ano de 1963. Formado no Instituto Médio de Educação  e  no Instituto Superior de Ciências de Educação em luanda. Desde há muito abraçou a carreira do professorado mesmo enquanto alto funcionáro bancário transparecendo ser um dos que conscientemente aprende para ensinar.
      António Panguila foi membro da brigada jovem de literatura de Angola tendo ai exercido cargos directivos. É membro da União dos Escritores Angolanos e alguns dos seus textos poéticos podem ser encontrados em distintas publicações periódicas para além de ter sido por nós incluído na antologia de jovens poetas angolanos  “No Caminho Doloroso Das Coisas.”
      Escrito isto, perguntarão alguns deveras intrigados sobre a razão do pormenor biográfico do autor, diante da obra. No entanto, aqui fica uma referência esclarecedora advinda da pena de Luís Cardim (com quem concordamos!)no n.º 1020 da «Seara Nova»:
      “Cada vez me convenço mais de que a melhor maneira de apreciar qualquer autor, se não a única aceitável, é, muito simplesmente, a de lermos as suas obras, e deixarmos em paz a vida, e até as idiossincrasias do autor que nas suas produções não estejam reflectidas… A obra de arte, ou a obra de pensamento, tem necessariamente um valor em si, isto é, fosse qual fosse a personalidade humana de quem a estruturou e lhe deu realidade sensível; o nome do pensador ou do artista, a nosso ver, reduz-se deste modo quase a uma etiqueta e a um fio a amassar trabalhos mais ou menos aparentados…”, e acrescentava ainda: “Não quer isto dizer, é evidente, que as particularidades psicológicas, bem como os episódios, alegrias e agruras da carreira e da vida humana de qualquer artista ou homem de letras, de qualquer criador de pensamento ou de beleza, não possam oferecer o mais vivo interesse”. Em definitivo, julgamo-nos entendidos pois a trajectória da vida pessoal do nosso autor é deverás surpreendente para nós que a conhecemos.
    Cabe-nos aqui –pensamos - a pura e simples apresentação deste autor angolano aos leitores. Quanto ao conteúdo das obras poéticas, absté-mo-nos. Não emitiremos aqui nenhum subterrâneo juízo de valor. Quanto ao grau de amadurecimento da palavra poética, cabe aos reais leitores opinar depois das leituras e quanto ao nível de conseguimento estético e do equilíbrio e unidade estrutural dos livros de Panguila caberá certamente a um qualquer desarvorado patife borrado de tinta, descrever.
      Nós, diremos  in terminus: -Querendo considerar no conjunto uma obra original, fare-mo-lo somente na medida em que acreditamos na sinceridade e honestidade intelectual de qualquer autor para com os seus leitores. É provável que nem todos versos lhe vêm do fundo do coração, principalmente os que sugerem retórica inútil. Notámos excessivas influências. Estar profundamente influenciado é próprio e inevitável quando se procura o caminho certo. Reconhecemos, naturalmente, algumas arestas por limar principalmente no domínio da gramaticalidade poética. Trata-se de algo muito importante para o escorreito apuramento estético e conteudistico dos textos artístico-literários.
      António Panguila, dá-nos motivos de  satisfatória fruição porque não raras vezes notamos a procura da palavra certa que, sob uma perspectiva experimentalista, nalguns momentos se apresenta no lugar certo. Vejamos como exemplo o texto SE…(Vento Do Parto) no qual diz que:
       
        se o sapato do pato pata
        a pedra do Pedro apetrecha
        a ilha da selha asseia
        a era do erro sara.
        se o fumo do sumo consome
        o consumado fumo foge
        a fama da dama
        dada ao consolo da sola.

        se a roda da magia bate
        bate que bate a cobra
        cobra que cobra a cobra
        cobre que cobre o cobre.

      Certamente, para quem domina as características da poética da geração de 80 e conhece por exemplo o poema RITOS, de Conceição Cristóvão, saberá que a funcionalidade estética reside, fundamentalmente, no jogo embriagador dos lexemas em razão de um meticuloso labor laboratorial.
      Assim é que para Conceição Cristóvão: A cobra descobre/se/ao deslocar/se/deixa o rasto// a cabra/se/no óbito/há choro de mutudi.// rasga a noite negra/se/e só se no pó/se lê//…
      Confirmamos que a afirmação de uma geração faz-se também pela questão do estilo, corroborando com Paulo Castilho, premiado romancista luso que em entrevista ao Jornal de Letras (10/8/93) dizia: “As pessoas são seres complexos e as suas motivações acabam por ter provavelmente mais pontos de coincidência com o passado do que diferenças. Digamos que a geração, por vezes, é uma questão de estilo.” Ponto & final!

    REFLEXÃO: Poesia: Uma morada constante

    Mauro Brito - Moçambique


    Todo ser vivente tem a sua dor, seja ela de que grau for, ela representa nesse ser que a transporta a presença de sensibilidade física ou espiritual onde estão incluídas pessoas, objectos, animais, seres não vivos, etc. Assumo que o poeta (escritor) não se desvia desta norma natural, o poeta a sente como o professor quando o aluno não assimila a matéria, o pai quando o filho se desvia ou não acata as ordens, o médico quando os seus doentes se lhe escapa, e tantos outros; o poeta não é um deus fantasmagórico, de soluções e pós mágicos, mas é um arquitecto da palavra, o marceneiro que talha e molda a madeira consoante o seu agrado e o seu dispor e as ferramentas que tiver a disposição. O poeta (gente) sente-a quando fica de boca selada (calado) e consente, se não for transmitir, mesmo que seja para os seus botões, é uma dor enorme, que carrega nos restantes dos seus dias; criar poesia é criar interrogações nas próprias crenças, descolorir o colorido, fazer barulho aos silenciosos, é uma visita ao uns e outros que não sou, uma visita a si mesmo, à um aquele EU que sempre ajeitamos directa ou indirectamente, infiltrar-se sem de nada saber. Sábio não é o poeta, eu como poeta aprendiz, procuro não a verdade tampouco o real, procuro o irreal, apenas memórias que podem ou não me invadir e preencher, pois antes de percebermos
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    o real, devemos compreender o irreal e o incompreensível. Eu escrevo quando não posso mais comigo mesmo, quando a água na boca já não se vai pela goela abaixo, atravessando as 24 horas de um dia, acordando até aos silêncios dentro de mim e dentro dos outros desde os mais medonhos e profundos que podem existir, dentro de um cidadão tão comum e tão maluco e tolo como os políticos o são.
    Um poeta o defino, um amigo, um esfarrapudo, um amigo inimigo, uma voz que nunca fala em público ou as televisões, em capas de revista ou ainda forbes e magazines, um poeta não é um deus fantasmagórico, é uma luz, que inventa a sua própria sombra, uma figura desconhecida mesmo no corpo em que habita, estranho a tudo e todos, desde a sua própria poesia, por favor, não pode ser a poesia mais ou menos importante que o poeta, corre-se o risco de pôr em o perigo os dois, o objecto e o sujeito criador; estes completam-se, a poesia não existe sem o poeta, nem o poeta existe sem a poesia, tal como a escrita não existiria sem o escritor, ambos são a mesma coisa, provém da mesma árvore. Poesia, luz, silêncio, estrada deserta, parede nua e crua, uma vida todas vidas. Se rompemos com esse cordão umbilical, rompemos também com os que estão ligados. Por vezes me meto na cama e depois de escassos minutos me vejo invadido e perturbado por vozes e escritas, sem saber a proveniência nem o destino, como se já estivesse prescrita uma missão de realizar a escrita, como se o ser poeta fosse uma missão assumida a partir do momento que se começa nas fainas literárias, rompo com a hora, a praxe e rabisco se esvai, seja onde for, agora me habituei a dormir com pedaços de papel por baixo da cama, das almofadas (travesseiro). Sendo poeta, não sou somente na escrita, mas na maneira de falar, de ouvir, escutar, estar com amigos e pessoas, não sou poeta maduro, nem imaturo, tampouco se pode amadurecer nas lides literárias; disse-me o amigo Willian Delarte, “és uma semente de uma árvore frondosa”, o Poeta Patraquim disse uma vez na sua entrevista que não existem poetas bons nem mãos, apenas existem poetas. E eu como cidadão de Moçambique, sou mais um de poucos que cá existem, sou apenas um adolescente que a cada dia aprende a construir seus mundos interiores, porque o de cá fora anda muito conturbado, sou jovem escritor, aprendiz, e amador da escrita, mais um poeta, só poeta.

    Variações e Tendências dos Discursos Críticos Africanos

    LUIS KANDJIMBO - Angola

    INTRODUÇÃO

    Em 1989 realizou-se em Dakar e pela primeira vez em África, o Congresso anual de uma das mais prestigiadas associações americanas de investigadores, críticos e professores universitários especialistas de literaturas africanas.Participei desse evento e acompanhei com particular interesse os grandes debates sobre as literaturas do continente, que ali tinham sido concentrados por um período curto de três dias. No último dia ouvi uma sintética retrospectiva na alocução proferida pelo decano dos criticos africanos, o professor Eldred Jones da Serra Leoa, que num tom alegórico fazia a apologia da inserção de África no espectro semântico da crítica sobre as respectivas literaturas. Durante as sessões de trabalho várias intervenções faziam apelo a critérios que fossem os mais pertinentes para a análise dos textos literários africanos.
    Por outro lado, na década passada participei com alguma frequência em actividades organizadas por uma associação sediada em Paris, igualmente de investigadores e criticos das literaturas africanas. E a conclusão a que fui chegando resume-se nisto: o exercício efectivo do discurso crítico sobre as literaturas africanas vai gerando abordagens e problemáticas novas.
    Os debates sobre essa matéria vão-se multiplicando. E do mesmo modo as publicações, algumas das quais resultantes de trabalhos académicos. Com efeito, o ponto de referência e, ao mesmo tempo, o limiar desse processo de reflexão remonta aos fins dos anos 40, com a criação da revista Présence Africaine animada pelo senegalês Alioune Diop e publicada em Paris. Seguir-se-iam outras revistas que, por serem de âmbito geral, desempenharam um papel menor na história da crítica africana . Publicaram-se também um bom número de antologias. Igual destaque deve ser dado aos dois congressos de escritores negros realizados em Paris e em Roma, respectivamente em 1956 e 1959, que ajudaram de certo modo a sacudir a mornez ocidental na sua relação com a África.
    As décadas de 60 e 70 são marcadas por importantes factos políticos e culturais, nomeadamente as independências das antigas colonias britânicas, francesas e belgas; e a institucionalização dos estudos universitários. O ensino e a pesquisa das literaturas africanas são introduzidas nas Universidades de alguns países africanos, designadamente na Faculdade de Letras da Lovanium de Kinshasa; Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Dakar; Universidade de Yaoundé; Universidade de Nsukka e Ibadan na Nigéria; Universidade do Ghana que cria o primeiro instituto de estudos africanos; Universidade de Makerere, no Uganda.
    Neste período surgiram revistas especializadas que veiculavam alguns resultados de pesquisa e sustentavam a actividade daquelas instituições do ensino superior. Por exemplo: Transition, Okike, African Literature Today, Drum. Realizam-se vários colóquios no quadro das actividades de algumas universidades. Assim, o colóquio de Dakar(1963), Freetown(1963), Abidjan(1969, 1970), Makerere(1962), Yaoundé(1973), Lumbumbashi (1975) , Lagos(1977)no âmbito do FESTAC, que no dizer de L.Mateso foi a consagração das teses de Yaoundé; Brazzaville(1981).
    A década que se segue aponta alguns sinais de ruptura, quer sob o ângulo historiografico, quer sob o ângulo teorico e crítico.
    A tirania das metodologias ocidentais começam a ser objecto de dúvida epistemológica. Já em 1968, Thomas Melone, num seminal artigo lançava o repto. No seu entender, "a tarefa do critico, por se pretender técnica e criativa situa-se a um outro nível. Tal é imposto ou sugerido pela problemática da linguagem, quer dizer da estrutura profunda da obra" . Em termos metodológicos considera que "o objectivo(...) é apresentar ao público mundial as obras mais significativas da nossa literatura assente na nossa própria sensibilidade estética, da nossa própria avaliação das civilizações negro-africanas, da nossa própria visão do devir africano" .

    Foi no Colóquio de Lumbumbashi que se constituiu a Associação de Críticos Literários Africanos, realizado de 24 a 27 de Março. Mas esta Associação teve vida efémera.
    Thomas Melone, "La critique littéraire et les problémes du langage: point de vue d'un Africain", Présence Africaine nº73, 1º trimeste 1970,pp.3-19.
    No entanto, quando se aborda hoje o discurso crítico sobre as literaturas africanas, o problema releva da demarcação dos seus limites e finalidades perante o fascínio subjacente à adesão aos métodos ocidentais. Por conseguinte, engendram-se imediatamente questões de ordem epistemológica.
    De acordo com P. Ngandu Nkashama, "o que é urgente neste momento tanto em crítica literária como em todos os discursos africanos, é a necessidade essencial de determinar os fundamentos e os postulados teóricos que satisfaçam qualquer exigência crítica. Sem estes aspectos preliminares, a crítica não pode operar senão como um mimetismo da palavra, sem influência real, quer sobre o texto, quer sobre o contexto que lhe subjaz" .
    Com este texto pretendo apontar algumas linhas que evidenciam a vitalidade das reflexões africanas e referir as formas típicas que caracterizam os diferentes pontos de vista dos críticos perante as literaturas dos seus países. Procuro igualmente detectar, algumas tendências que pela sua originalidade são susceptíveis de representar alguma ruptura. Além disso, pretendo despertar o público leitor angolano para a existência de um interessante debate envolvendo problemas associados aos critérios de apreciação estética e crítica de um modo geral. Eis os desenvolvimento que está exposta na parte introdutória:



    O CAMPO DA CRÍTICA LITERÁRIA AFRICANA
    E SUAS LINHAS DE FORÇA

    A crítica literária africana pode ser entendida como um sub-sistema dentro dos sistemas literários nacionais. O seu campo apresenta uma estrutura em que avultam problemáticas de natureza epistemológica. Abordar a crítica das literaturas africanas é levantar questões acerca do sujeito e do objecto do discurso, dos métodos, princípios operatórios e das condições da sua eficácia. Não pretendo introduzir a ideia de crítica a partir do nada. Pelo contrário, parto do pressuposto da precedência dos fundamentos da crítica relativamente ao surgimento das literaturas escritas. Segundo Locha Mateso, "a crítica literária na África tradicional é uma actividade de multiplas facetas(...) concentra os critérios de apreciação que correspondem à finalidade conferida à obra por um determinado grupo social" .

    Pius Ngandu Nkashama, Ecritures et Discours Littéraires,Paris, L'Harmattan, 1989, p.241.
    O seu objecto é constituído por um conjunto de textos resultantes de dois sistemas de comunicação: a comunicação oral e a comunicação escrita. Do primeiro temos a literatura oral e do segundo temos a literatura escrita. Alguns autores põem em causa os canones da literatura escrita, tal como têm sido apresentados. É o caso do professor nigeriano Emmanuel Obiechina que, no estudo dedicado à literatura panfletária de Onistsha, leva a concluir que essa categoria de textos não pode ser negligenciada, apesar de os seus destinatários serem aqueles segmentos sociais com baixo rendimento e gostos diferentes dos da classe média.
    Perante este quadro heterogéneo de textos, a posição e a atitude dos sujeitos dos discursos críticos têm-se revelado polémicas. É que o elenco de tais sujeitos também não tem sido homogéneo. Não são apenas africanos entre eles. Contam-se também criticos não africanos. Contudo, a variedade de textos assim como os problemas que se colocam na sua recepção têm suscitado suspeitas quanto a relativa ineficácia da utensilagem teórica e crítica ocidental. Donde se compreendem as posições de certos críticos africanos a este propósito.
    Eldred Jones observa que "as literaturas africanas apresentam uma importância capital para os africanos e deve-se, naturalmente sobre esta matéria esperar dos críticos africanos opiniões substanciais" . Estas considerações impõem-se com algum vigor ao serem transpostas para o plano institucional do ensino. No dizer de P.Ngandu Nkashama" as literaturas africanas transformaram-se em verdadeiras paradas económicas, dando direito a vantagens e lucros em moeda sonante ". Aludindo o comportamento dos "colegas" das universidades ocidentais, acrescenta: "evidenciando sem escrupulos uma incompetência notória(...) os homólogos africanos não são considerados senão nas relações de beligerância, enquanto obstáculos a eliminar(...)com um pouco de condescendência eles reduzem-no ao triste papel de mendigo, pedinchão de esmolas facilmente manipulável" .
    Mais adiante poder-se-à ver uma manifestação dos debates entre criticos africanos e não- africanos e as modalidades dessa conflitualidade que não parece ser apenas uma "deslocada hostilidade", como diz Solomon Ogbede Iyasere.

    Locha Mateso, La Littérature Africaine et sa Critique, Paris, ACCT/Karthala, 1986,p.55.
    Eldred Jones, African Literature Today (Editorial), nº7,1982
    Por outro lado, os próprios críticos não-africanos revelam-se insatisfeitos com os instrumentos que utilizam. Edgar Wright refere que o crítico ocidental que se dedica ao estudo das modernas literaturas africanas enfrenta duas grandes obstruções:"a primeira reside em saber se qualquer teoria geral pode funcionar, quando aplicada a uma cultura que é completamente diferente nas suas origens daquela que constitui o suporte material da teoria(...); a segunda relaciona-se com o público leitor e a intencionalidade do autor" .
    Em 1973, a Sociedade Africana de Cultura promoveu a realização do colóquio de Yaoundé sob o tema: O crítico africano e o seu povo como produtor de civilização. A presidir a sua realização estava o seguinte argumento:
    "Cada sociedade tem as suas normas de apreciação. Estas são parte integrante da sua ética da vida.
    As correntes externas, por mais generosas que sejam, não saberia substituir o esforço pessoal de pesquisa e de confrontação que apenas permite esclarecer os juízos através do contexto especifico de uma civilização"(...)
    "Quem poderá melhor que os criadores africanos apreciar a necessidade de sentir a condição do seu povo, ou indicar aos escritores a via a seguir, os obstáculos a evitar? Trata-se de integrar o criador africano na vida da sua civilização e de libertá-lo da dominação excessiva do Ocidente".
    Estes são os postulados básicos do colóquio que durante quatro dias reuniu cerca de 50 especialistas das literaturas africanas, entre os quais alguns europeus e americanos. Os debates subdividiam-se em três eixos, nomeadamente: Teoria - o povo e a actividade crítica; Doutrina a crítica em África; Pedagogia- Crítica e comunicação.

    Pius Ngandu Nkashama, Ob.Cit.
    Edgar Wright, "Critical Procedures and the Evaluation of African Literature", in The Critical Evaluation of African Literature, ed.
    Edgar Wright (London, Heinemann,1978)p.8
    Apesar da leitura das comunicações que, reputei de importância imediata cujos resultados merecerão desenvolvimentos ulteriores, limito-me, em primeiro lugar, a fornecer referências das conclusões a que chegaram os participantes.
    No primeiro atelier destacam-se as definições de crítica e povo. A crítica é entendida como "uma actividade de reflexão cujo objecto é a criação artistica; uma ciência cujo objecto é explicar o produto cultural criado e sua difusão". Por povo entende-se "o conjunto de uma comunidade partilhando uma mesma cultura e tendo línguas comuns que realizam as funções de referências".
    Lançou-se alguma precisão sobre o conceito de crítica africana sendo entendida como o reflexo da visão do mundo própria do povo e em particular da sua estética. Relativamente às condições necessárias para a emergência e difusão da actividade crítica são indicadas duas que subentendem a necessidade de políticas culturais nacionais: condições políticas, no âmbito das quais se considera a liberdade de expressão e a democratização da informação; condições técnicas do discurso em que destacam os níveis da crítica, as modalidades e técnicas de crítica, as tendências da crítica tradicional e actual; e o aspecto ideológico de toda a crítica.
    Estas condições convalidam a necessidade de autonomização efectiva da crítica e a constituição do seu objecto. De resto, o exercício do discurso integra igualmente esse objecto.
    No segundo atelier debatia-se a indissociabilidade da crítica de outros domínios como a educação e a comunicação, havendo entre eles uma apertada conexão com a problemática linguística. Ficou consagrada uma recomendação às altas instâncias dos Estados Africanos, dentre elas a OUA.
    Recomendava-se a adopção de "uma política sistemática de formação de linguistas africanos(...)" bem como "a multiplicação e desenvolvimento de editoras africanas que se encarreguem de publicar obras inter-universitárias por serem indispensaveis para o renascimento cultural do continente.
    No terceiro atelier, as conclusões visavam completar algumas definições fornecidas no primeiro. A obra literária - no contexto das literaturas africanas - foi definida como "um discurso oral ou escrito organizado exprimindo uma visão do mundo numa perspectiva estética". Em sentido amplo, a crítica é analisada enquanto "reacção de um individuo ou de um público manifestada diante de uma obra literária, sendo por isso compatível com a ideia de um certo pluralismo. Atribuem-se determinadas funções ao crítico africano. A tarefa que lhe é conferida como primordial reside na formação de formadores nos vários níveis de ensino e no quadro de programas de animação cultural. E na qualidade de criador, considera-se que o crítico" deve contribuir, de modo permanente, para a promoção do espírito criador, entendendo-se que qualquer acto de promover a leitura visa uma multiplicação das actividades criadoras.
    Foi ainda proposta a criação de uma Associação de Críticos Africanos.
    O colóquio de Yaoundé constitui um dos importantes pontos de referência, na história das reflexões africanas.
    Do conjunto das comunicações apresentadas, prenderam a minha atenção, pela lucidez e vertente de focagem, nomeadamente os textos de M.aM.Ngal:"O artísta africano: tradição, crítica e liberdade criadora; de Pierre Ngijol "A crítica literária africana na literatura tradicional oral"; de Nguessan Kotchy e H.Memel-Foté": A crítica na África tradicional"; de Noureini Tidjani - Serpos "A crítica africana: os critérios de recepção"; e de Mohamadou Kane "Sobre a crítica da literatura africana moderna ". Retomarei a leitura de alguns destes textos posteriormente.
    Haverá alguma razão para sustentar que a diferença entre a crítica dos africanos e a crítica dos não africanos representa uma polarização irremediável?
    Num artigo publicado em 1969, na revista Présence Africaine, o nigeriano Joseph Okpaku demarcava o alcance e os limites da intervenção das duas críticas. Observa que "o primado da crítica das artes africanas deve ser conferido aos africanos fazendo uso de padrões africanos". Por outro lado, "o papel do critico ocidental é diferente",. "A única actividade válida deste último consiste em interpretar as literaturas africanas e outras artes para audiências ocidentais". Com efeito, as posições que fazem a apologia dessa primazia são bem mais antigas. Remontam aos anos dos congressos de escritores negros. Nessa época a investigadora belga Lylian Kesteloot, escreveu:" Estou convencida de que só os críticos africanos serão capazes de destilar toda a essência, sabor, significado e poesia, toda a " suculência" dos frutos" de sua herança ancestral para maior glória da literatura mundial".
    O debate foi tomando outras feições, tendo chegado a opor, mesmo entre críticos africanos, negadores e defensores do monopólio do discurso crítico legítimo. Encontramos algumas destas manifestações na revista African Literature Today, especialmente no seu número dedicado à crítica (Focus on Criticism). No editorial desse exemplar Eldred Jones, que é editor da revista, advoga já a tese do primado da crítica endógena. No mesmo encalço alinha Thomas Melone, quando em 1970, escrevia: "A situação hoje nos impõe uma revisão total do processo. Trata-se de restituir ao povo o privilégio de que foi detentor durante os tempos imemoriais(...) O problema essencial consiste em não perder de vista o que na tradição constituia a base da crítica artistica e literária tal como o povo a exercitava .

    Joseph Okpaku, "Tradition, Culture and Criticism", Présence Aricaine, 70, 2º trimestre, 1969,pp.137-146
    Solomon Ogbede Iyasere, no texto inserido na revista mencionada, sustenta que "não é por sermos africanos que as nossas explicações serão melhores que as do crítico não-africano". Ele reage ao requisitorio produzido por Ernest Emenyonu contra o crítico americano Bernth Lindfors. Este ataque suscitou outros comentários da parte de Solomon O.Iyasere. Condena Emenyonu por agir "como se fosse um cego perante uma qualidade relevante como é a distinção das situações e factos, ele fecha os olhos à distinção entre a arte e a realidade, representação artistica e reprodução fotografica" .
    Entre os negadores da primazia da crítica endógena encontram-se aqueles que sem o declararem explicitamente atestam o chamado "mimetismo da palavra". Quer dizer exercem a crítica em dois níveis: recuperando as variáveis de postulados teóricos ocidentais (únicos susceptíveis de ser considerados como tais e de funcionar como metodologia coerente); e no outro nível o discurso da crítica literária parece, limitado não marcado por quaisquer limites metodológicos .
    Os argumentos aduzidos pelos defensores da primazia da crítica endógena são de peso para serem apontados como tendencialmente prevalecentes. A lista de testemunhos é de certo modo abundante. Mas o que importa é identificar os recortes do paradigma novo.

    Thomas Melone, Op.Cit. 
    Solomon Ogbede Iyasere," African Critics on African Literature: A study in misplaced hostility", in African Literature Today (Focus on Crticism) de. Eldred Jones(London,Heinemann,1982), nº7.pp.20-27
    Pius Ngandu Nkashama, Op.Cit.
    Apesar dessa oposição assente na consideração do primado dos critérios de apreciação, várias têm sido as tentativas para a elaboração de respostas. Grande parte destes esforços são empreendidos no contexto do e pesquisa das universidades. Actualmente ensaiam-se, um pouco por todo o continente, novas vias para os estudos das literaturas africanas.
    Segundo Elo Dacy, no quadro da universidade congolesa o discurso crítico apresenta-se em quatro correntes, nomeadamente a linguística, a anti-representação, a antropologica e a ecológica . As duas primeiras caracterizam-se por serem negadoras. Negam, respectivamente, o reconhecimento de uma identidade congolesa da literatura escrita em francês; a segunda, a existência do romance africano em geral e do romance congolês em particular. A corrente antropológica representada pela professora francesa, Arlette Chemain, é uma crítica formalista que arranca de pressupostos ocidentais. Transfere os métodos da crítica ocidental para os textos africanos. Finalmente, a corrente ecológica representada por nomes de pesquisadores congoleses, "propõe-se a reintroduzir a obra no contexto da sua produção e contextualizar os instrumentos de análise" .
    Nas universidades dos países anglófonos, as posições estendem-se desde as correntes sociologicas às neo-marxistas e neo-científicas. Tal é o caso da Nigéria onde, segundo Grace A.Adebayo, a crítica neo-marxista, representada por Femi Osofian, Biodun Jeyifo, Odia Ofeinum, é praticada de modo determinista e normativo como prova de que "a crítica literária africana seguiu tenazmente na peugada da crítica europeia, em nós que tanta desconfiança nos suscita" .
    O princípio da década de 70 marca a emergência de uma corrente pragmática na África Oriental, liderada pelo escritor e professor universitário queniano, Ngugi wa Thiong'o. Desenvolvendo a tese da endogeneidade da crítica com Henry Owuor-Anyumba e Taban Lo Liyong (ugandês), lança o projecto de abolição do Departamento de Inglês na Universidade. Defendem a constituição do Departamento de Literatura e Línguas Africanas. Os fundamentos de tal tese assentam na necessidade urgente de afastar o aspectro de uma África que fosse vista como simples extensão do Ocidente, procurando instituir, portanto, uma visão afrocêntrica dos estudos literários .

    Elo Dacy, "La Critique à l'Université", Notre Librairie (Littérature Congolaise), nº92-93 Mars-Mai 1988,pp.198-202
    Grace Aduke Adebayo," A crítica do romance da África Ocidental de língua francesa e inglesa:- evolução e estado actual" África - Literatura, Arte e Cultura, Vol.III, nº11, Lisboa, Jan-Jun.,1981,pp.10-18

    Ora, este grupo parte de pressupostos de inspiração marxista na análise do fenómeno literário. Donde animados por um certo desejo de síntese, três críticos nigerianos, considerados também de inspiração marxista (Chinweizu, O.Jemie,IMadubuike) aprofundam essa focagem no livro Toward the Decolonination of African Literature, Abiola Irele, um dos eminentes críticos nigerianos, classifica as teses iconoclastas destes três como sendo resultado de um "naive romanticism". O que os aproxima aos marxistas, diz A.Irele, é o facto de partirem da ideia prescritiva e ortodoxa da crítica.
    Depois de muitas hesitações e resistências, a Universidade de Ifé, na Nigéria, procederia a uma reorganização do Departamento de Inglês. Em 1977, dava lugar a três novos Departamentos . Tudo isto ocorria perante a rejeição da mudança que se verificava na Universidade de Ibadan, a primeira a ser criada e onde se formam a primeira geração de professores de literatura, escritores e criticos nigerianos.
    No plano de estudos da Universidade de Ifé identificam-se os seguintes Departamentos: Departamento de Língua Inglesa; Departamento de Literaturas em Língua Inglesa; Departamento das Línguas Europeias Modernas. As literaturas africanas são leccionadas no âmbito dos dois últimos.
    O processo de autonomização das literaturas africanas foi provocando, embora com alguma lentidão, o abandono das denominações generalistas elaboradas na base de critérios raciais. A historiografia regista influências profundas que o movimento panafricanista e posteriormente a Negritude exerceram sobre a ideologia dos escritores africanos. Estas literaturas foram durante muito tempo designadas como sendo negro-africanas.
    O tipo de argumentos utilizados para justificar tais desingnações é-nos dada por Lylian Kesteloot, na sua Anthologie Négro-Africaine:" Consideramos a literatura negro-africana como manifestação e parte integrante da civilização africana. E mesmo quando é produzida num meio culturalmente diferente, anglo-saxónico nos Estados Unidos, Ibérico em Cuba e no Brasil(...) O espaço da literatura negro-africana cobre não apenas a África ao sul do Sahara, mas todos os cantos do mundo onde se estabeleceram comunidades Negras, sob os auspícios de uma história turbulenta que arrancou ao Continente centenas de milhões de homens como escravos(...)" .

    Biodun Jeyifo, "The debate on literary pedagogy in África: the Ife experience", in AAVV, Littératures Africaines et Enseignement, Actos do Colloque International de Bordeaux, 15-17 Mars 1994, organizado por Centre d'Etudes Littéraires Maghrehines, Africaines et Antillaise e R.C.P.-C.N.R.S nº732 Littératures Africaines Imprímées, Bordeaux, Presses Universitaires de Bordeaux, pp.735-391.
    A partir da década de 70 e 80, a tendência dominante da crítica designa as literaturas africanas no plural, confinando-as aos espaços nacionais. Passam a aser publicados estudos e antologias que obedecem ao critério da nacionalidade literária. Para M. a M. Ngal, este critério tem a sua validade na medida em que o conjunto de actos criadores que a literatura representa "estabelece com as línguas nacionais, uma relação de pertença linguística (...) É neste sentido que às produções intelectuais abstractas tais como as literaturas filosóficas se autorizam qualificativos como a filosofia francesa, filosofia alemã".
    Chinweizu,O.Jemie e I.Madubuike, no livro já mencionado, produzem interrogações interessantes sobre os critérios para uma definição do objecto do discurso crítico: as literaturas africanas. Enquanto tal, elas "não podem ser definidas com uma simples, concisa, anotação de dicionário, através da enumeração das condições necessárias e suficientes". Por isso, recorrem a uma definição extensional em que as semelhanças de família são empregues de modo pragmático para se determinar os casos duvidosos e de fronteira que poderiam ser incluidos no indiscutível canone das literaturas africanas.

    OS CASOS PARADIGMÁTICO
    DO PRIMADO DA CRÍTICA ENDÓGENA

    Dentre aqueles autores africanos que rejeitam vigorosamente a tradição crítica ocidental e lançam pilares para um novo paradigma, de um corte epistemológico, figuram os nomes de J.P.Makouta Mboukou, Mahamadou Kane e M. a M.Ngal. Esta é a apreciação de Locha Mateso.
    A introdução de um novo paradigma emerge de um princípio importante para as literaturas. É o princípio do relativismo histórico. Por outras palavras, o primado da crítica literária endógena resulta do reconhecimento de uma situação de natureza ontologica cujas potencialidades motivam a adopção de critérios que sustentam a caracterização das literaturas africanas. Ora, a crítica literária legitima-se a partir da recepção da obra literária. E o que se sugere com a ideia do primado da crítica endógena é a adequação do exercício da leitura às experiências das sociedades africanas.

    Lilyan Kesteloot, Anthologie Negro-Africaine (Littérature de 1918 à 1981), Verviers, Les Nouvelles Editions Marabout, 1978, p.5-6
    Na verdade, Mohamadou Kane e J.P. Makouta Mboukou são dois dos referidos autores que no espaço da língua francesa realizam abordagens inovadoras. É evidente que a originalidade das suas metodologias não esgotam o que de um modo geral fazem igualmente os seus confrades do espaço de língua inglesa. Lamentavelmente o objecto de análise de Locha Mateso reduz-se às literaturas de língua francesa. Tal é a consequência da balcanização linguística do continente.
    No entanto, os tipos de análise realizados por Mohamadou Kane e Makouta Mboukou têm várias semelhanças com as que são produzidos por alguns críticos de língua inglesa.
    O nigeriano Ernest Emenyonu autor de "The Rise of the Igbo Novel", aproxima-se, quer de Mohamadou Kane, quer de Makouta Mboukou ao inventariar os elementos dos contextos e universos culturais subjacentes às obras literárias de escritores de origem igbo, nomeadamente Pita Nwana, que escreveu"Omenuko", um romance em língua vernácula, Ciprian Ekwensi e Chinua Achebe. E.Emenyonu chega à seguinte conclusão: o facto de a literatura igbo ser na sua grande parte escrita em inglês não lhe retira qualquer valor enquanto arte concebida pelo génio igbo, de acordo com uma visão do mundo igbo, uma ética igbo e padrões igbo" .
    J.P.Mboukou tece as mesmas considerações quando se refere ao contexto sócio-linguístico do romance africano. Assevera que "não é exagero dizer que haverá tantos contextos linguísticos quanto a diversidade de escritores negro-africanos" . Por isso forjou a noção do duplo contexto linguístico que se analisa na presença indelével da língua materna dos escritores coexistindo com a língua de origem europeia. Não se limitando ao contexto linguístico, o crítico congolês entende que a leitura de um romance africano pressupõe ainda outros contextos: o geográfico, o sócio-etnológico, o sócio-histórico. Eles representam signos cuja decifração permite atingir a mensagem romanesca. Além disso, a abordagem de Makouta Mboukou dá particular destaque aos "não-ditos". Ou seja, os elementos não verbais que entram na constituição das situações pressupositivas complexas.

    Ernest Emenyonu, The Rise of the Igbo Novel, Ibadan, University Press Limited, 1987,p.189
    J.P.Makouta Mboukou, Introduction a l'étude du Roman Négro-Africaine de Langue Française, Nouvelles Editions Africaines, 1980,p.268
    Na sua monumental obra crítica"Roman Africain et Tradition", Mohamadou Kane começa por reconhecer expressamente a existência de pontos de convergência entre a sua perspectiva metodológica e a de outros investigadores do espaço anglófono. Menciona, por exemplo, os nomes dos nigerianos Emmanuel Obiechina e Joseph Okpaku que também defendem a "especificidade da literatura africana, a continuidade do discurso narrativo de uma literatura [tradicional] a outra [moderna] e a importância da sobrevivência das 'formas tradicionais' no romance africano" .
    Mas, a originalidade desse estudo de Mohamadou Kane reside na extensa perquirição do tema da identidade alicerçada nas isotopias da tradição.
    Outros investigadores como Isidore Okpewho estendem a captação destas sobrevivências aos domínios da poesia. Na sua antologia "The Heritage of African Poetry", que compreende as literaturas escritas em inglês, português e francês, e as tradições da poesia oral, I.Okpewho procura encontrar os pontos de ancoragem para a ideia segundo a qual as literaturas orais africanas influenciam profundamente as literaturas africanas actuais.
    Apesar do radicalismo de que são acusados os autores de "Toward the Decolonization of African Literature" dão uma importante contribuição para a refutação das teses da crítica eurocêntrica. Corroboram a ideia da precedência da oralidade sobre o romance e a poesia. Expendem uma abundante réplica, passando em revista, por exemplo os ataques desferidos contra a estética do romance. Nesse excurso,incidem sobre aspectos estrurais como espaço e tempo; trama e diálogo; personagens e descrição .
    Já em 1973, na comunicação ao colóquio de Yaoundé, preocupado com os fundamentos das novas tendências do discurso sobre as literaturas africanas, Mohamadou Kane recusava a dependência insidiosa dos críticos perante os instrumentos de inspiração europeia. Lamentava a hegemonia da crítica de Paris de que dependia a consagração e a glória dos escritores africanos. O mérito das obras era determinado na base de critérios da literatura francesa, passando ao lado do essencial.

    Mohamadou Kane, Roman Africain et Tradition, Dakar, Nouvelles Editions Africaines, 1982,p.19-20
    Chinweizu, et al., Toward the Decolonization of African Literature (African Fiction and Poetry and their critics), Enugu Fourth Dimension Publishing, 1980
    A situação não deixa de ser paradoxal se se privilegiarem os públicos africanos. M. a M.Ngal, na sua intervenção no referido Colóquio, considera que as literaturas africanas modernas não atingem senão alguns milhares de pessoas. Por conseguinte, "a grande maioria a que os críticos se devem dirigir são analfabetos"."E mesmo quando sabem ler a maior parte não possui um nível de instrução que lhes permite ler as línguas ocidentais nas quais o Africano é forçado a escrever se pretender uma larga audiência".
    Ainda segundo M.a M.Ngal, "o problema essencial da crítica é (...) revelar ao público não apenas as profundezas dos significantes mas encontrar as técnicas mais apropriadas para decantar os significados".
    Para aquele crítico zairense, a criação literária é uma forma de proceder à releitura da tradição. Ela efectua-se a partir de um "vasto texto virtual e objectivo da tradição". Enquanto leitura, a crítica, no entender de Ngal, há-de fazer apelo a conexões e pontos de apoio disponíveis na tradição.
    A historiografia literária é também um domínio importante. O investigador e crítico beninense Guy Ossito Midiohouan procurou contribuir para uma redifinição das condições do desenvolvimento das literaturas em língua francesa, com o seu livro "L' idéologie dans la Littérature Négro-Africaine d' Expression Fraçaise". Ele chega a conclusão de que "o aparecimento e a evolução histórica dos géneros(romance, teatro e poesia) tem a sua explicação fundamentada, não em argumentos filosóficos, mas na convergência de factores identificáveis: ensino, vida intelectual e cultural, meios de edição, público destinatário" .


    CONCLUSÃO

    As tendências em que se analisam os discursos sobre as literaturas africanas representam o aprofundamento de uma reflexão epistemológica. através da qual se eleva o desempenho, a tomada de consciência do próprio sujeito de reflexão, contribuindo ainda para a definição dos contornos e da especificidade das literaturas enquanto objecto. Está aí subjacente a ideia de um novo paradigma e de uma ruptura epistemológica, entendida como negação da subordinação à hegemonia dos conhecimentos e das práticas ocidentais.

    Guy Ossito Midiohouan, L'ideologie dans la Littérature Négro-Africaine d'expression Française
    O ensino das literaturas africanas no nosso continente tem a idade das independências. As filosofias pedagógicas e a estrutura dos programas nem sempre encontraram respaldo nas políticas culturais dos Estados. É neste sentido que apontavam as conclusões da Conferência da Associação das Universidades Africanas, realizada em 1972 sob o tema "Criando a Universidade Africana: Os aspectos relevantes da década de 70". Segundo o professor Babs Fafunwa, os investigadores dos novos Estados independentes recomendavam a reformulação do ensino superior, especialmente a adequação dos currículos às realidades africanas e a edificação de Universidades que fossem instituições viáveis sob o ponto de vista moral e político. A essa mesma conclusão se chegaria em tantos outros colóquios. Por isso, os iniciadores da investigação e da crítica consideram que os resultados são decepcionantes, passadas que são quase três décadas.
    Todavia, o crítico norte-americano Bernth Lindfors, ao apresentar as conclusões do seu inquérito sobre o ensino das literaturas africanas nas universidades dos países africanos de língua inglesa, observa que "a descolonização dos estudos literários em África está em curso" . Refere que dos 194 cursos leccionados em 30 universidades dos 14 países, a amostra representa cerca de 60% do número total de cursos em que se inscrevem 226 autores. Estes indicadores estatísticos fornecem um quadro que reflecte provavelmente também a situação dos países de língua francesa. Ignora-se, no entanto, e com alguma razão o que se passa nos países africanos de língua portuguesa.
    Por diferentes razões, as perplexidades e paradoxos resultantes do ensino das literaturas africanas são bem maiores no contexto da academia ocidental, pois, é lá onde parecem abundar especialistas e leitores. Numa tentativa de confirmar a marginalidade das literaturas africanas nas universidades americanas, o crítico Christopher L.Miller formula as seguintes questões:"o que terão as literaturas africanas trazido para o campo dos estudos literários?";"fornecerão elas algo mais do que um vasto conjunto de material em bruto a que se aplicarão as metodologias ocidentais?";"será que as literaturas africanas apresentam desafios?" .

    Bernth Lindfors, "The Teaching of African Literatures in Anglophone Universities: An Instructive Canon", in Raoul Grandqvist(ed.), Canonization and Teaching of African Literatures, MATATU: Journal for African Culture and Society, 7,1990,pp. 41-55.
    Ao responder, Christopher Miller escreve:"enquanto objecto de estudo e fonte de interpretação cultural, a África tem sido considerada apenas quando inserida numa rígida estrutura hierarquizada de centro e margem, em que se desvalorizam as margens". No dizer do professor nigeriano Abiola Irele. "a investigação africana é na melhor das hipóteses marginal e na pior inexistente na economia global do desempenho intelectual do mundo contemporâneo". Por isso, um outro crítico africano, Anthony Appiah, advoga a instauração de "epistemologias alternativas da leitura" . O que está de acordo com aquela ideia conclusiva de Abiola Irele, que é citado por C.Miller: "é-nos patenteada uma oportunidade ... de produzir um apreciável impacto no domínio da investigação e certamente no sistema mundial do conhecimento".
    Na verdade, a apologia de um discurso crítico endógeno é a expressão de uma certa alteridade. E a busca de um discurso alternativo que não se submete a essa marginalização, refutando a exclusão epistemológica ou epistemicídio. Segundo Boaventura de S. Santos o epistemicídio deve ser considerado "como um dos grandes crimes contra a humanidade" . Ele é irmão gêmeo do genocídio. É que "o epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio porque ocorreu sempre que se pretendeu(...) ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam constituir uma ameaça à expansão capitalista."

    Cristopher L.Miller, "Literary Studies and African Literature: the Challenge of intercultural literacy", in Robert H. Bates,V.Y.Mudimbe e Jean O'Barr(eds), Africa and The Disciplines, Chicago, University of Chicago Press, 1993.
    Anthony Appiah, "New Literatures, New Theory?", in Op.cit.,pp.57-89.
    Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice- O Social e o Político na Pós-Modernidade, Porto, Edições Afrontamento,1994,


    FONTE: www.nexus.ao/kandjimbo/kalitangi/critica_web.htm

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