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    Imortalidade Acadêmica e a teoria da adimplência

    Ricardo Bezerra - Brasil



    Este é um pequeno texto para reflexão quanto às atuais argumentações dos dirigentes de instituições culturais quanto aos acadêmicos eleitos e que, além de desaparecerem das ações culturais e administrativas da Instituição, são fiéis inadimplentes quanto às pequenas contribuições financeiras fixadas pela Diretoria para uma receita mínima que visa unicamente custear pequenas despesas originárias da Instituição.
    Academia é uma “Sociedade ou agremiação, com caráter científico, literário ou artístico”. Desta forma ela é um conjunto dos seus membros, denominados “acadêmicos”.
    As academias possuem seus quadros acadêmicos através dos seus patronos que, conforme sua localidade ou abrangência geográfica,  normalmente são escolhidos pelos Acadêmicos no momento da criação da Instituição, entre pessoas ilustres já falecidas e que sejam representativas e que estejam inseridas no contexto da Instituição.
    O Patrono, diante do número de cadeiras que passam a formar a Academia, passa a deter um numeral que irá designar a partir daquele momento a Cadeira a ser pleiteada por quem se considere apto a ocupá-la e que para isto sofrerá o sufrágio dos Acadêmicos já empossados. Este princípio não se aplica ao momento de criação de uma Instituição porque os fundadores não passam pelo citado sufrágio, mas são por todos os integrantes fundadores automaticamente já eleitos. Isto não os afasta da reflexão ora apresentada da inadimplência, como, também, do isolamento das ações culturais e administrativas da Instituição.
    Denominamos genericamente de “escritor” aquele que passa a pleitear uma vaga ou uma Cadeira em uma Academia de Letras, mediante o falecimento de um Acadêmico. Ora, a pretensão do Escritor passa a ser a de alcançar a IMORTALIDADE.
    A Imortalidade é de duração perpétua. Neste conceito de perpetuidade defino que o Acadêmico enquanto vivo detém apenas a qualidade de imortal e não a imortalidade. Assim, ao ser eleito e após devidamente empossado passa a usufruir da imortalidade, que nunca terá fim; que jamais será esquecido por estar eternizado na memória dos homens.
    Esta eternização absorvida pelo Escritor o faz caminhar entre duas correntes administrativas das Instituições Culturais. A primeira é que a luta ou o trabalho político-administrativo para inscrição e eleição para a Cadeira momentaneamente vaga tem sua revitalização quando o Acadêmico se torna um Escritor participativo das ações culturais e administrativas da Instituição e quando contribui com o pagamento dos valores, mensais ou anuais, atribuídos como receita da Instituição e devidos pelos Acadêmicos.
    A segunda corrente é quando o Escritor possui no seu íntimo a intenção da “busca pela imortalidade” apenas para composição curricular e status social, abandonando logo em seguida as ações culturais e administrativas das Instituições e, principalmente, não pagando mais qualquer valor contributivo para os cofres da Instituição, passando a compor um QUADRO DE EFETIVOS INADIMPLENTES DA PERPETUAÇÃO ACADÊMCIA.
    Quando tratamos de ACADEMIA fazemos uma associação imediata à Academia Francesa de Letras e à Academia Brasileira de Letras. Estas Instituições tradicionais e conservadoras dos princípios acadêmicos jamais colocarão em discussão a inadimplência acadêmica. Porém, as demais Instituições já passam a discutir o tema e algumas já colocam em seus Estatutos a perda do Título de Acadêmico em virtude da inadimplência acadêmica e assiduidade nas ações culturais e administrativas da Instituição.
    Considerando que o Escritor eleito para uma Cadeira em uma Academia de Letras, onde esta tem caráter de uma “sociedade” e que nesta sociedade o Escritor, na condição de pessoa enquanto viva detém apenas a qualidade de imortal e não a imortalidade, por ser esta de duração perpétua e que nunca terá fim, onde jamais será esquecido por estar eternizado na memória dos homens, dar-se-á como perpetuado após a sua morte.
    O conceito de imortalidade passa, então, a não mais ser definitivamente agregado ao Escritor eleito para uma determinada Cadeira de uma Academia de Letras, mas quando efetivamente fizer cumprir através de suas ações culturais e administrativas, como da adimplência, os objetivos da Instituição, até que a morte o venha consagrar com a IMORTALIDADE.


    Dedico este conceito de imortalidade ao Escritor Joacil de Brito Pereira que em sua trajetória Acadêmica (Academia Paraibana de Letras; Instituto Histórico e Geográfico Paraibano; Academia de Letras e Artes do Nordeste – Núcleo Paraíba; entre outras) foi digno ao cumprir com veemência os princípios que norteiam a verdadeira IMORTALIDADE.
     

    CADA PALAVRA, UMA TESE

    Marcelo Soreano - Brasil



    C

    ada palavra é uma tese. Não. Na verdade, cada letra é uma tese. O traço, o simbolismo, a significação... Repensando... Cada letra em cada palavra gera um sem fim de teses.
    Uma tese (literalmente 'posição', do grego θέσις) é uma proposição intelectual, segundo Wikipédia, a enciclopédia livre. E não raro ignorarmos, em prol do afã imediato, a história, a origem, a cosmogonia, o universo daquela palavra específica que já existia - ou pré existia - muito antes de pesarmos nosso corpo sobre a superfície da Terra da Linguagem, do letramento, da alfabetização.
    Quantos lugares inóspitos, de difícil acesso, nos propõem as palavras?! Isso quando não nos acenam de 'não lugares' semi perfeitos, a partir de regiões inalcançáveis de nossa ilusão, de nossas inquietudes emocionais e intelectuais.
    Hoje, por exemplo, enquanto ser dominical que não refuta o extremismo do ócio imposto ao homem biológico e suscetível ao tédio que, também, sou...  Nenhuma palavra me ocorre. Até porque a palavra "palavra" para mim é tão íntima e intimidadora quanto um espelho e quanto aquelas fotografias em momentos de esculhambação pessoal. E, também, porque a palavra "palavra" suscita outra para mim: Trabalho. E domingo, corriqueiramente falando, seria dia de descanso.
    Outro dia,  se não me falha a memória, li que a palavra "criança" foi a escolhida por Manoel de Barros. E pensei, pensei, refleti... E não leio outra igual no mundo. E criança não é gente, é um composto entre passarinho e redemoinho, ou àquilo que as avós entendiam por anjos e que se confunde, entre a poeira corrida da estrada e o pé por pé na flor d'água das vertentes.
    A palavra das palavras, a mãe das crianças e das teses, para mim, Senhor Manoelito - ser letral das próprias 'criaturezas' - seria Silêncio - a ausência total de barulho. Aquele que nos embalsama com perfumes durante a hora dos sonhos; aquele que olha nos olhos e não precisa dizer mais nada; o silêncio da pedra que confabula com o vento...
    Bom, a tese (não concluo, nem defino) seria o oposto da poesia, mas ambas perambulam de mãos dadas pelo fio da meada que se perde e se encontra de modo descomportado pelos confins dos cadernos rabiscados das crianças que, em silêncio, aprendem desmedidamente a ler e a desenhar o mundo muito antes de aprenderem os vieses caligráficos de um redigir sistemático com excesso de palavras expelidas ao deus-dará, em plena tarde quente, que configuram este maçante, porém, perseverante monólogo sobre as palavras dominical. _ 

    (Escrito para a Revista Literatas - Maputo, MZ, 2012)


    De Lisboa a Famalicão: O baptismo do Perdedor da Distância Incerta ao Ponto Certo

    Amosse Mucavele



    S

    exta-feira acordo embriagado pela beleza das noites Lisboetas que não me largaram a beira do Sagres.
    Antes de me levantar vejo a Francisca ( a gata) encostada a almofada que desfilava no lugar onde dormia e eu nem tomei conta da sua presença, dei um abraço na gata a boa maneira que a Maria me ensinara, ela continua a olhar-me com desconfiança, deixo-a e levanto-me em direcção ao relógio pergunto-o as horas e ele respondeu-me:
    - São seis da manhã 
    Levantei-me a passos de camaleão, iniciei a minha digressão pelas coisas que me pertencem, preparei a mala, os livros nas devidas sacolas e os documentos nos seus concretos espaços de repente apercebi-me que tinha o bilhete do voo em falta. Acordo a Maria que de forma leve e tardia liberta-se da cama pois o sono já tomava conta do seu mar alentejano, eu convidei-a a mergulhar no mar da minha inquietação.
    Amosse tenta lembrar-se onde deixou o bilhete enquanto procuramos nos livros- retorquiu a Maria
    A mesma altura eu regava com lágrimas de dor a cheirarem-me o exílio pelos tantos cantos daquela casa. E ela disse:
    -será que não esqueceste na pensão onde dormiste no primeiro dia?
    As palavras me fugiam como um navio de pesca em plena castração no mar, o coração batia forte e melancólico como as águas turvas de um tsunami. O silêncio não me largava, o relógio corria a uma velocidade cósmica tipo um gato em brasas, 9 horas diz ele a rir-se de mim, olho-o com uma voz nostálgica pego no celular penso em ligar para Maputo a Maria intersecta-me diz:
    -Não precisa Amosse esta tudo bem com a sua avó o que tens que fazer é ligar para o Delmar e outro amigo da embaixada para te levarem a pensão para ires procurar o bilhete.
    Como sempre a voz da mulher é a voz do comando, liguei para o Paradona combinamos o ponto de encontro nas Amoreiras, sai da casa (Maria) a caminho da paragem do mesmo nome, minutos depois chega o Paradona exponho a minha preocupação .
    E ele disse não tem problemas vamos a TAP resolve-se este caso. Fiquei sossegado saímos em direcção ao aeroporto, o celular toca toca Delmar diz:
    -estou na embaixada a vossa espera com uma actriz brasileira.
    -Dentro de 5 minutos chegamos ao vosso encontro, respondeu Paradona
    saimos a moda da fórmula 1 que se conduz em Portugal despertamos na ponte em direcção a Setúbal. estamos perdidos para voltar temos que atravessar a ponte e voltar de novo na rotunda da Costa da Caparica -disse Paradona.
    Este era o prenúncio de um festival de perdidas que o dia esperava nos presentear. Chegamos a embaixada encontramo-los bem cansados de tanto esperar e bem sossegados de tanto conversar fez-se a divisão tal como deus fez quando dividiu o céu e o mar a bela actriz brasileira que passou a responder por Vera Barbosa entrou no carro onde eu estava com Paradona, o maestro do Núcleo Tenaz Jorge Viegas, Delmar Gonçalves e a esposa ficaram noutro carro e saímos escoltando-nos em direcção ao aeroporto, ali resolveu-se o problema do bilhete a troco de 40 Euros Paradonianos.
    São 12 horas a viagem a Vila Nova de Famalicão é longa os dois condutores trocam os mapas e o Delmar disse vamos pela via Torres Vedras em direcção a Porto isto na A25 e desviaremos  na A3 sentido Porto- Braga.

    Embalamo-nos na estrada de olhos bem abertos nas instruções da voz que falava verdades, o caminho é sempre a frente até encontrarmos a rota do desvio para Braga, o motor roncou com os pés rentes a estrada que nos namorava a 30 minutos do ponto de partida, a viagem teria a duração de 3h e 30minutos.mas devido ao mapa errado dado pela pessoa certa, prosseguimos felizes ao som da voz da Vera Barbosa ali falamos de tudo( teatro, literatura, cinema e mais) e de todos( Saramago, Jorge Amado, Craveirinha) antes de chegar a Aveiro o Delmar liga a perguntar sobre o nosso paradeiro
    -estamos a passar a Aveiro- respondi, era uma pura mentira que o celular as vezes nos induz, decidimos parar nas bombas a 5 km de Aveiro, pois ja estava tudo quente precisávamos de uma água ali nos reencontramos, e confirmou-se que estávamos no caminho certo, dividimo-nos tal como deus nos ensinou.
    A viagem continuo firme nos nossos ideias comunistas que diziam- chegaremos a Famalicão as 15 horas. puro sonho irrealizável, dai perdemo-nos um do outro, continuamos abraçados a estrada na esperança de chegar beijar a cidade que nos espera a séculos ,os poemas abertos nas mesas para as nossas bocas aprovarem e os poetas antropófagos que desejam comer as experiências dos poetas moçambicanos.
    As horas em nenhum momento perdoaram-nos e a distância chamava por nós seduzindo-nos com a sua nudez alcatroada de mel e os seus olhos pedregosos de vinhas  de sabores milenares.
    Passamos  o cruzamento do Porto esperançados no próspero encontro do desvio Braga, chamamos o Delmar telefonicamente e disse estão no caminho certo é para frente que se vai a Famalicão. Depois da fala a Vera e o Paradona colaram algumas interrogações no tecto que nos cobria pois ela cheirava o perfume de Viseu. Continuamos a andar em direcção a fronteira com Espanha (Viseu).
    As horas transbordavam de forma violenta no nosso rio das incertezas, 17 horas ainda a bordo desta amável estrada e em Famalicão iniciavam as RAIAS DOS RAIOS DA POETICA.
    Oh Paradona o primeiro desvio que encontrarmos vamos voltar para Coimbra e lá encontraremos o caminho para Porto- disse a Vera, estávamos em Tondela, ligamos para o Delmar - ele confirmou que já tinha chegado a Famalicão e já tinha informado a todos convidados que os poetas moçambicanos e a actriz brasileira estavam perdidos. Tomamos a estrada em direcção a Coimbra cansados de beijar a mesma boca da A25 e por fim encontramos a A3 com a placa Porto ai nos sentimos em casa acordamos do tédio que nos acompanhava continuamos a esculpir a conversa que a 1 hora o silêncio tinha a tomado de assalto.
    E por fim as 19h chegamos a Famalicão ali reencontramos velhos e novos amigos Abreu Paxe João Maimona (Angola), Luís Serguilhas, Maria João Cantinho, Luisa Demétrio Raposo, Jorge Velhote, Jorge Melicías Aurelino Costa, José Ilidio Torres, Inês Leitão, Marilía Lopes, Aurora Gaia, Luisa Monteiro ( Portugal), Laercio Correntina, Manaíra Aires Athayde, Cláudia Carvalho Machado ( Brasil) Alberte Momán, Ramiro Vidal Alvarinho, Verónica Martínez Delgado Carlos Quiroga, Javier Diaz (Espanha), e outros que a palavra sempre nos aproxim(ou)a deles. este era o baptismo das  Primeiras Raias Poéticas das Afluentes Ibero-Afro-Americanos na Vila Nova de Famalicão, bem haja.
    1.12.12 Hotel Moutados
    Quarto 404,  02 horas:50 minutos
    Vila Nova de Famalicão

    Ricos e pobres num mundo fragmentado

    Victor Eustáquio - Portugal


    África não se entende quanto à globalização, já se sabe. Mas se as elites africanas estão divididas, também fora do continente o tema não é pacífico quando se trata de discutir os efeitos de um mundo ligado em rede sobre os chamados países pobres do sul global. O problema é que por muitas paixões que alimente, a discussão da globalização é um equívoco. É certo que afecta todos os cidadãos do planeta, mas é um equívoco se o debate continuar localizado fora do que está já a jusante, nomeadamente a transnacionalização e, porventura, a hipótese de uma desmundialização. E mais: sem considerar que é na esfera económica que reside o princípio estruturante de toda a dinâmica social, política e cultural das sociedades, subscreva-se ou não o jargão marxista do materialismo histórico e teorias discutíveis como a estafada relação entre infra-estrutura e superestrutura. Em poucas palavras, e dito de forma simples, o desenvolvimento das novas tecnologias no qual se ancora o mundo ligado em rede conduziu a uma mutação acelerada das sociedades, tanto a norte como a sul, da esquerda à direita, entre ricos e pobres, e todos aqueles que andam perdidos pelo meio. Mas por etapas, embora sucedendo-se em catadupa, cada uma delas com claros sinais distintivos. É que, antes da globalização (e que não se confunda com a expansão imperialista que uniu e desuniu o mundo, pois esse foi um movimento de natureza diferente sem qualquer vocação global), o planeta conheceu o fenómeno da internacionalização, a possibilidade do capital procurar e conquistar novos mercados, até então distantes e inacessíveis, com todas as repercussões que daí decorreram para a vida das sociedades. Ora, o princípio da “aldeia global” foi uma consequência inevitável, mas não se esgotou nesse patamar. E aqui começa o mal-entendido. O capital internacionalizou-se, globalizou-se, mas também se transnacionalizou. Por outras palavras, a globalização e a revolução digital puseram em evidência a possibilidade da transnacionalização através da reconfiguração dos mecanismos da reprodução do capital (que ficaram livres dos constrangimentos das fronteiras geográficas). E aqui reside o essencial da questão. É que se as novas tecnologias passaram a estar ao serviço dos cidadãos e das instituições públicas de organização e gestão territorial, soberanas ou nem por isso, também foram parar às mãos do sistema financeiro internacional e das grandes empresas multinacionais; numa palavra, às mãos dos non-state actors (NSAs), isto é, todos os actores e manifestações de poder que não têm o Estado como epicentro, que se movimentam a jusante dos constrangimentos formais do Estado, ou seja, das fronteiras geográficas que ditam os limites da soberania nacional. A emergência dos NSAs, que actuam num espaço transnacional, bem como do conjunto de novas escalas de valores e normas, difundidas à escala global de forma transnacional, põem em evidência vulnerabilidades diferenciadas entre os Estados tradicionais e novos desafios à actuação destes. De resto, estas novas forças transnacionais, enquanto actores sociais, são tanto legítimas (como os poderosos grupos financeiros internacionais) como ilegítimas (de que são exemplo as organizações terroristas e criminosas). E, por vezes, é difícil encontrar uma linha que as separe. Acresce à acção destes novos actores, a mudança estrutural imposta pela difusão de novos valores e normas, que tendem, nalguns casos, a institucionalizarem-se como uma espécie de regimes virtuais. Neste contexto, a qualidade da regulação e gestão territorial, com a imposição de regras e limites, assume uma natureza crucial porque se transformou numa medida de poder, a capacidade de um actor impor a sua vontade sobre outro ou outros actores, concretizando-a, regra geral, num sistema institucionalizado. Contudo, se as novas tecnologias estão ao serviço e nas mãos do sistema financeiro internacional e das grandes empresas multinacionais, são estas pois que melhor conseguem instrumentalizar os media e ditar as regras da sociedade de informação, impondo gostos, modas, estilos, estratégias, políticas, controlando todos os espaços de poder de forma transnacional (sempre com a possibilidade de deslocalizações fáceis), enquanto os Estados e todas as tradicionais instituições de soberania de cada País (presos a territórios e fronteiras físicas) caminham para a sua impotência e caducidade. Resta saber que papel lhes resta, depois de terem mostrado já ser incapazes de negociar, em paridade, com o capital privado internacional. Um sério desafio a que acresce outro: num mundo ligado em rede, vivemos sob a ameaça de problemas que deixaram de ser nacionais e que dificilmente encontram resposta nas soluções propostas pelas organizações supranacionais, na ausência de um hipotético Governo à escala global. A recessão da economia mundial, a crise do crédito e financiamento, a crise energética, a crise de segurança, as mudanças climáticas e os novos problemas de saúde mundial são disso alguns exemplos.

    O PASSO CERTO NO CAMINHO ERRADO: Crise como Oportunidade

    Nelson Lineu - Moçambique



    O homem pode transformar obstáculos em meios para atingir os seus próprios fins.
    Francis Bacon

    Para Abel e Marcos era impressionante como os jornais, rádios, telejornais entre outro meios de comunicação social falavam da crise financeira que se quer mundial em Moçambique; em vez de alarmante a notícia chegava num tom parecido com tudo menos melancólico; como se tratasse de igualdade com os países que estavam verdadeiramente em crise - digo verdadeiramente porque foi lá onde se criou essa situação e nós como pedra vamos para onde nos lançam -, como que finalmente existisse algo íntimo que nos ligasse de verdade com esses países. O pensamento vinha desse modo porque partilhar as dores muitas vezes é mas sincero, verdadeiro e instrumento eficaz para a união.
    Ambos estavam sentados no seu local habitual, de baixo de uma mangueira, onde poliam as suas ideias nos finais de semana, assim como este. Podia-se ouvir a conversa do outro lado do muro, numa barraca. Queriam estar lá mas não podiam, de um lado por não beberem, que era a condition sine qua non. Abel não podia beber por questões de saúde e Marcos porque não podia usar o seu salário que era mais magro que ele para tal. Por outro lado era porque a conversas dos ocupantes das cadeiras da barraca eram mesquinhas, segundo eles, assentavam-se mais em lamentações e reclamações.
    É peremptório referir que eles ficaram amigos por necessidade e só eram no final de semana. Das vezes que frequentaram a barraca eram motivo de zombaria, traziam ideias ou propostas para acabar com aquelas lamentações. “Se nem os governantes e pessoas estudadas não resolviam os problemas, quem eram eles? Tinham que cair na realidade”, ouviam da boca dos legítimos ocupantes da barraca quando não estivesse ocupada com o copo. Para esses a culpa não era do governo, tanto que as coisas eram assim porque tinham que ser, quem seria insensível até ao ponto de ver as coisas como estavam, podendo e não fazer nada, ficando no luxo da sua casa?! A conversa dos dois naquele sábado como apontado a cima era por causa da crise, essa era a posição de Abel: - Não nos sentimos piores porque como os outros países estamos em crise. Como os outros, Abel ficou assustado quando alguém do Governo deu-se o trabalho de dizer que a crise não nos afectaria, mas mais tarde a mesma pessoa fez o não dito pelo feito.Com a desculpa de que só tinha dito aquilo para não nos alarmar. - Quanto a mim é nessa desprotegida protecção que faz com que as crianças em grande não consigam criar os seus próprios mecanismos de defesa – sentenciou, Abel.
    De tanto conversarem, as ideias de um não fugiam muito a do outro, cabiam um acrescentar algo ou tirar dependendo do assunto. Daí que o Marcos rematou: - A nossa crise vê-se que é por causa da diminuição das doações – já que o nosso estado soberano que é não consegue cobrir o seu orçamento - a nossa medida de austeridade não seria deixarmos de ser criança, isto é, crescermos criando os nossos mecanismos de defesa? Crise é um momento de transformação profunda que pode ser para pior ou para melhor, essa é a oportunidade. Pode ser que não tenhamos mais, e não nos queixemos como sempre desta vez por não aparecerem outras crises.
    cE � = s �߸ ��� tyle='margin-bottom:0in;margin-bottom:.0001pt;text-align: justify'>Em casa não parava. E sempre que o marido lhe exigia satisfações, ela prontamente respondia-o.
    ― Não me incomode se não, vou-te denunciar.
    ― Denunciar, fiz o quê?
    Peniscilina dizia que iria ao gabinete de atendimento à mulher vítima de violência doméstica para apresentar a queixa de que o seu marido, quando se envolvera com ela, há dez anos atrás, ela era menor, contando apenas com catorze anos de idade. Houve nessa altura violência sexual, acreditava ela.
    Você abusou-me e violou-me sexualmente ― ameaçava, bêbeda Peniscelina quando lhe apetecia.
    Não foi violência sexual, mas sim agressão sexual ― retrucava Salomau, concluindo no seguido, ― todo sexo é violento. Mesmo o consentido.
    Não paravam as discussões. Ainda, uma vez, Salomau seguiu a esposa numa barraca para que ela viesse à casa e tomasse conta do recado doméstico. E ela respondeu, com violência verbal.
    ― Por que me persegue? Não vês que eu não te quero?!
    ― Se não me quisesses, ias procurar feiticeiro para pôr-me na garrafa?
    E seguiam outros palavreados e palavrões, indescritíveis.

    Moçambique em Agosto


    Jorge Arrimar - Angola


    Chegámos a Maputo na madrugada do dia 10 de Agosto. A cidade revelava-se devagar, capulanas resistentes ao nosso olhar estrangeiro. A urbe era tanto o que os antigos legaram como o que os contemporâneos fizeram, lado a lado umas coisas, justapostas outras, misturadas ainda outras, como se ela estivesse, desde sempre, “na varanda do tempo […] onde o mundo mais namora com a nação moçmbicana”, como nos diz Mia Couto, referindo-se à variedade de povos e de culturas que o Índico trouxera até ali. Na Maputo de hoje descobre-se muito da Lourenço Marques de ontem, sobretudo no casario (muitos dos seus exemplares evidenciam o arrojo e modernidade com que foram desenhados), na forma simétrica em como foi construída ao longo de ruas largas e arborizadas, de avenidas amplas e rectas. Cidade de acácias vermelhas que, apesar de não serem bem acácias, ganharam o direito de serem conhecidas assim por se transformarem em árvores de fogo e deixarem no ar o cheiro das suas flores cor de chama. Cidade de ruas e largos com tapetes entretecidos das pétalas lilases que os velhos jacarandás deixam cair numa benesse florida aos seus habitantes. Infelizmente, nem todos aprenderam a cuidar da sua cidade e descobre-se, mais vezes do que se desejaria, uma cidade de ruas esburacadas e sujas, de prédios por reparar, de jardins por limpar. Mas acreditamos que seja uma questão de tempo e de aprendizagem e que esta cidade poderá continuar a ser uma das mais bonitas e tranquilas de África.
    Lembrei-me, então, que, uma amiga minha, moçambicana, me tinha dito uma vez que, em qualquer língua, bantu ou outra, para ela esta cidade “merecia mais ser a Baía da Lagoa […] pelo formato, doçura e cor do mar que a rodeia”. Confesso que, na altura, não percebi muito bem e até achava um tanto infeliz este nome, em que se misturava lagoa e baía. Mas hoje concordo com ela. Há cinco séculos atrás, navegadores que por ali passaram no rasto do Gama, levaram até longe notícias dessa baía, a ponto de, logo em 1502, aparecer referenciada no célebre mapa de Cantino. Estar neste planisfério é, por si só, uma certidão de maioridade, um sinal de notoriedade. Se a isto somarmos o peso da lenda que suporta este nome, então Baía da Lagoa não tem rival. Acreditavam os antigos que aquela magnífica baía se enchia das águas que os rios, que ali desaguam, iam beber a uma grande lagoa que existia no interior do continente. Bela esta imagem de uma lagoa que se transforma em baía…
    Mas como diabo surge então esse nome que se grudou à cidade até à independência de Moçambique? As crónicas antigas revelam que o reconhecimento geográfico desta baía só acontece a partir de 1544, por via de um obscuro navegador, chamado Lourenço Marques, que seria um piloto das naus da Índia e negociante ao serviço do capitão português de Sofala e Moçambique. Pois foi a esse senhor que, decorrido muito tempo, foram buscar o nome que pespegaram à povoação que se desenvolvera naquele local. Esse Lourenço não imaginava, sequer, que iria ser aquela baía a imortalizar-lhe o nome. Ainda hoje não é uma questão encerrada a do nome autóctone que foi escolhido para substituir o do obscuro navegador. Cheguei a ouvir sussurrar, enquanto andei por Moçambique, que Kampfumo ou Xilunguíne são ainda candidatas à designação desta cidade. Nisso Luanda teve sorte. Ninguém sentiu necessidade de alguma vez lhe trocar o nome. E, felizmente, a minha terra resistiu sempre às tentativas que houve, ao longo dos tempos, de lhe mudarem o nome, de S. Pedro da Chibia para
    Vila João de Almeida. Nunca ninguém usou este nome com que o Estado Novo tentou cobrir o original. É que é sempre complicado mudar o nome de uma cidade, de uma pessoa, até de uma coisa. Com o nome vai muito mais que a simples sonoridade dele. Ao nome vão-se agregando muitas coisas, muitas referências, muitas histórias, muitas vidas...
    Mesmo no dia da chegada, ao raiar da aurora, aproveitámos para iniciar o nosso passeio. O dia estava cinzento e frio, fazendo-se sentir, desagradavelmente, em fortes e repentinas rajadas. Alguém me disse, depois, que Agosto é o mês dos ventos. De bons ventos, espero, pensei eu. A primeira paragem foi no Jardim dos Namorados, recentemente recuperado. Ao fundo, junto ao paredão que dava para a baía, viam-se duas filas paralelas de colunas, nuas, como se estivessem ali apenas para sustentar o céu. Era o que restava de um magnífico caramanchão de buganvílias que emprestara frescura às pessoas nos dias de maior calor.
    Perscrutando o horizonte, achava que, a qualquer momento, o tempo iria mudar e que, talvez, fosse um bom prenúncio começar a minha visita por ali… no namoro que eu pretendia iniciar com aquela cidade que ainda não vira, mas que sabia ser uma das mais encantadoras da África Austral. Pela primeira vez deixei o meu olhar demorar-se na baía. Depois de um pequeno-almoço tomado no bar do jardim, resolvemos continuar a visita. Nas curvas do Caracol “ia com os olhos cheios de mar. Quem olha para trás com uma baía assim? Quem consegue desprender os olhos dos minúsculos barcos de pescadores concentrados na pequena praia da Catembe, fugidos de um mar como aquele que hoje faz?”. Fiz minhas as palavras do narrador de “O olho de Hertzog”, belíssimo livro do moçambicano Borges Coelho, que nos transporta a este mesmo local… só que h| quase um século atrás. Proferidas há tanto tempo, não deixavam de manter o mesmo sabor.
    Fui interrompido nas minhas cogitações pelo taxista que nos levava (coincidência: também a personagem do romance ia de táxi): Se quiser, pode apanhar um barco lá em baixo e ir até Catembe e depois à Ponta do Sol, vale a pena. Respondi-lhe que ainda era cedo para esse passeio; queria ver Maputo em primeiro lugar. Catembe ficaria para mais tarde, se houvesse tempo.
     Iniciámos a nossa visita à urbe, primeiro pela marginal de uma baía de águas um tanto escuras, disseram-nos depois, devido aos lodos e sedimentos transportados pelos rios que ali desaguam, sobretudo do Umbelúzi. Seguiu-se a Fortaleza, onde se encontram guardados alguns dos símbolos da época colonial, nomeadamente a estátua equestre de Mouzinho de Albuquerque e o painel de bronze que representa o momento da vitória em Chaimite sobre o último rei ngúni de Gaza. Chaimite, não a capital de Gungunhana, que era Manjacaze, mas a que fora de Muzila, seu pai. Lembrei-me dum livro de Guilherme de Melo, que li há já bastante tempo, “Os leões não dormem esta noite”, construído na base da hipotética conversa entre o rei vencido, o “leão de Gaza”, e o oficial vencedor, o “leão português”, antes de, a ferros, o soberano ngúni ter abandonado a sua terra definitivamente, para ir morrer bem longe, no forte de S. João Baptista da cidade de Angra do Heroísmo, no arquipélago dos Açores.
    Fiquei encantado com a Estação Central dos Caminhos de Ferro de Moçambique. Mais tarde li, numa qualquer publicação de divulgação turística, que a revista Newsweek a tinha considerado como a mais bela estação de caminhos de ferro de África e uma das sete mais belas do mundo. Fora desenhada por Gustave Eiffel e inaugurada em 1910, partindo o seu autor da ideia de que se devia assemelhar a um palácio com pilares de mármore e enfeites em ferro fundido. Uma placa de latão polido, cravada numa das paredes, dava-nos conta das comemorações, este ano, do seu centenário. Seguir-se-iam três dias de passeios pela cidade. Não me admirei que as elites, as de ontem como as de hoje, tenham escolhido os bairros Sommerschield e da Polana para residir. Dentro da igreja de St.º António, rendido ao suave brilho dos vitrais, vi uma laranja de luz a ser espremida lá no alto, no lugar das estrelas.
    Num dos outros dias em que estivemos em Maputo, a caminho dos muitos sítios, edifícios e monumentos que queria conhecer, passámos pelo Alto Maé e eu tentei ver se adivinhava o vulto de algumas pessoas que eu conheci longe daqui, deste lugar que me haviam dito ter sido deles. Voltaríamos alguns dias depois, quando uns amigos nos quiseram mostrar Maputo “by night”, após um jantar de iguarias moçambicanas que a mãe de um amigo, Sérgio Sousa, simpaticamente nos ofereceu. Um ponto alto deste jantar e do serão que se lhe seguiu, foi termos tido a oportunidade de falar com D. Teresa, sua avó, e que conta com a belíssima idade de 105 anos. Senhora de uma vivacidade pouco vulgar em alguém com tantos anos percorridos, encantou-nos com as suas histórias, quase sempre filtradas de fino humor.
    Já com a capital bastante percorrida, com os seus emblemáticos locais e principais monumentos visitados, quisemos ver o que havia para lá dos seus limites. Resolvemos, então, ir até Inhambane e depois até mais longe, a Vilanculos, terra vizinha do célebre arquipélago do Bazaruto, quase a 800 km de Maputo. Alugámos um carro com tracção às quatro rodas que nos levou, de forma mais segura, à descoberta do asfalto esburacado, do sem asfalto, da terra batida e da picada. Maputo, Marracuene, Maluana, Manhiça, Taninga, Magul, Macia, Xai-Xai, Chongoene, Boane, Chidenguele, Zandamela, Quissico, Zavala, Inharrime, Maxixe e Inhambane; quilómetros e quilómetros por terras de paisagem variada, florestas de cajueiros, machambas de amendoim, palmares de coco e sura, pomares de mangueiras e tangerineiras... e mulheres de capulanas a drapejar ao vento, à cabeça bacias com frutos, camarão, água, molhos lenha, tudo. As bermas das estradas são a montra deste país. 
    Em Zavala quis ver e ouvir os marimbeiros, os tocadores de marimba, os mágicos da timbila. Infelizmente não foi possível, pois só se faziam ouvir em festas, cerimónias ou ocasiões especiais. Tive pena.
    Chegámos a Inhambane já a noite escondia quase tudo. Ficámos hospedados na Casa do Capitão, residencial construída a partir do que restava da velha casa do capitão do porto desta cidade. No outro dia, quando o sol começou a levantar-se, a baía de Inhambane foi saindo da sombra, primeiro envolta numa suave neblina, depois coada nas malhas de luz de um sol cada vez mais forte. Um navio encalhado pelo recuo nocturno da maré ia ganhando vida à medida que a madrugada lhe devolvia o mar. A baía de Inhambane foi um deslumbramento. Lindíssima!
    Aqui bebi um refrescante e doce sumo de tangerina, um sabor que me transportou à infância e às tangerinas da minha terra natal, no sudoeste angolano. Como as de Inhambane, ainda acho que as tangerinas da Chibia são das melhores do mundo. Junto a minha voz à do poeta da Mafalala e confesso que “adoro morder voluptuosamente os sumarentos gomos / das magníficas tanjarinas d'Inhambane. Adoro mesmo!”
    A caminho do Miramar, mirando o mar deixei-me ir com os repuxos do respirar das baleias, parentes, talvez, daquelas que eu vi mergulhar no mar dos Açores, naquele Atlântico agitado e profundo que separa as remotas ilhas das Flores e Corvo. Se nestas estivemos nas terras mais ocidentais da Europa, agora estávamos onde o Oriente começa.
    Esta é a costa africana banhada pelas índicas vagas, as mesmas que, devagar, muito devagar, conduziram o Gama até ao Samorim de Calicute, na eterna Índia das especiarias. Pois, fui encontrá-lo, triste e esquecido, num quintal desta centenária cidade, refém infeliz de um conturbado tempo nosso (não o dele!), e hoje náufrago de um outro oceano que, em vida, não imaginara vir a enfrentar.
     Segundo rezam antigas crónicas, o velho almirante aparecera na protectora baía, vai para mais de 500 anos, para fazer aguada e, bem impressionado pela terra que seus olhos descobriam, resolveu entrar e ver como era mais de perto. Depois seguiria o seu destino, bem mais longínquo e apelativo, na outra margem daquele mesmo oceano que o refrescava, ele que, afinal, não se prendera ao gosto da doce tangerina, antes se mantivera fiel ao cheiro da canela e da noz-moscada. Mas gostou da baía e ainda se diz hoje que foi o navegador português a propalar que aquelas eram terras de boa gente. Mais do que tudo, foram essas palavras que ligaram o Gama a este lugar. E por que razão fora tão simpático, logo ele que, segundo consta, não era muito dado a palavras doces ou a simpatias vãs? Contaram-me que o velho almirante, vindo do mar em terra se encharcara de copiosa chuva, e que, precisando de um tecto para se recolher e de uma fogueira para se secar, teria sido abrigado por um local em sua própria casa, que ao recém-chegado se dirigiu em bitonga, convidando-o a entrar, bela gu nhumbale.
    O Gama, de regresso ao navio e satisfeito com a hospitalidade, teria dito, então, que estava numa terra de boa gente. Gente que, em jeito de despedida lhe teria gritado ambane. Mais nesta última palavra, a da despedida, do que nas primeiras, as do convite, parece espreitar o nome desta cidade. O toponímico Inhambane terá origem nesta palavra, a mesma que foi pronunciada para despedir o visitante?
    Voltei a olhar para a estátua ali esquecida a um canto e questionei-me se não continuariam a dizer ambane ao Gama. Ele, que, há mais de trinta anos aguarda, naquele cais improvisado, por uma outra nau, que o leve de regresso à terra natal. Ou então, de tanto esperar e de por tanto tempo o deixarem ficar… talvez a boa gente de Inhambane lhe volte, um dia, a dizer, bela gu nhumbale. Quem sabe?
    E a viagem continuou, mais umas três centenas de quilómetros, mais Moçambique a desfilar nas bermas das estradas, Inhambane, Maxixe, Mocoduene, Morrumbene, Massinga, Unguana, Vilanculos. Para mim, nada como a Baía de Inhambane. Não é fácil encontrar uma natureza tão rica, tão pujante de beleza como a(s) Baía(s) de Inhambane. Os nossos olhos ainda estavam cheios da Praia da Barra, da Baía dos Flamingos, do Miramar, das Praias do Tofo e do Tofinho. Em Vilanculos ficámos na Casa Rex. O nosso quarto abria-se para o mar e para as ilhas do Bazaruto. Lá, diziam-nos, naquelas ilhas é que está uma beleza sem igual. Nós acreditámos, mas os dias estavam cinzentos, chegou mesmo a chover, e achámos que não valia a pena arriscar. Passeámo-nos por ali, vimos praias de areais a perder de vista e coqueiros a dançar marrabentas de vento… mas continuávamos com a Baía de Inhambane no olhar.
    Quando iniciámos o regresso a Maputo, quisemos voltar a Inhambane. No Tofo encontrei (Que surpresa!) amigos antigos de Angola e de Macau que haviam escolhido aquele lugar para sua residência. Com eles almoçámos matapa de caranguejo e só saímos de lá quando, ao desmaiar do sol, a mosquitaria ganhou coragem e invadiu tudo. A viagem até Chidenguele foi nocturna e de cacimbosos calafrios, sobretudo quando nos cruzávamos com outros carros, todos a fugirem dos mesmo buracos e a cegarem-se dos mesmos faróis. Nas margens do lago com o mesmo nome desembocámos em adiantada hora. Só os pássaros, as rãs e as estrelas se ouviam. Lindo! E o mar a bater em frente mostrava-se invejoso daquele lago que nos atraía mais do que ele. Em Nhambavale, mesmo juntinho à água doce do lago, foi um delírio. Seria ali o paraíso?
    Seguiu-se Xai-Xai onde o ocaso não foi um acaso de beleza e o horizonte festejou-nos com tons de manga madura. O que veio depois é que foi! Chegámos ao Bilene já a noite nos brindava com as primeiras sombras que uma lua cheia teimava em afastar. Deixaram-nos num cais destruído e disseram-nos que esperássemos pelo barco. Havia de chegar, mas como não tinha luz, seriamos avisados pelo roçar do casco dele nas ondas mansas da lagoa. E assim foi. Quando se acercou de nós, arregaçámos as calças, mergulhámos os pés na água morna e fomos até ele. Seguiu-se a viagem num barco sem luz em que o farol era o luar… Deixaram-nos na encosta arborizada das grandes dunas que não deixavam ver o mar. O cen|rio era soberbo { luz da lua… o cenário continuou soberbo com a manhã a chegar…


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