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    Vadiando com Lêdo Ivo nos mares das Alagoas

    Carlito Peixoto - Brasil



    Este é um pequeno texto para reflexão quanto às atuais argumentações dos dirigentes de instituições culturais quanto aos acadêmicos eleitos e que, além de desaparecerem das ações culturais e administrativas da Instituição, são fiéis inadimplentes quanto às pequenas contribuições financeiras fixadas pela Diretoria para uma receita mínima que visa unicamente custear pequenas despesas originárias da Instituição.
    Academia é uma “Sociedade ou agremiação, com caráter científico, literário ou artístico”. Desta forma ela é um conjunto dos seus membros, denominados “acadêmicos”.
    As academias possuem seus quadros acadêmicos através dos seus patronos que, conforme sua localidade ou abrangência geográfica,  normalmente são escolhidos pelos Acadêmicos no momento da criação da Instituição, entre pessoas ilustres já falecidas e que sejam representativas e que estejam inseridas no contexto da Instituição.
    O Patrono, diante do número de cadeiras que passam a formar a Academia, passa a deter um numeral que irá designar a partir daquele momento a Cadeira a ser pleiteada por quem se considere apto a ocupá-la e que para isto sofrerá o sufrágio dos Acadêmicos já empossados. Este princípio não se aplica ao momento de criação de uma Instituição porque os fundadores não passam pelo citado sufrágio, mas são por todos os integrantes fundadores automaticamente já eleitos. Isto não os afasta da reflexão ora apresentada da inadimplência, como, também, do isolamento das ações culturais e administrativas da Instituição.
    Denominamos genericamente de “escritor” aquele que passa a pleitear uma vaga ou uma Cadeira em uma Academia de Letras, mediante o falecimento de um Acadêmico. Ora, a pretensão do Escritor passa a ser a de alcançar a IMORTALIDADE.
    A Imortalidade é de duração perpétua. Neste conceito de perpetuidade defino que o Acadêmico enquanto vivo detém apenas a qualidade de imortal e não a imortalidade. Assim, ao ser eleito e após devidamente empossado passa a usufruir da imortalidade, que nunca terá fim; que jamais será esquecido por estar eternizado na memória dos homens.
    Esta eternização absorvida pelo Escritor o faz caminhar entre duas correntes administrativas das Instituições Culturais. A primeira é que a luta ou o trabalho político-administrativo para inscrição e eleição para a Cadeira momentaneamente vaga tem sua revitalização quando o Acadêmico se torna um Escritor participativo das ações culturais e administrativas da Instituição e quando contribui com o pagamento dos valores, mensais ou anuais, atribuídos como receita da Instituição e devidos pelos Acadêmicos.
    A segunda corrente é quando o Escritor possui no seu íntimo a intenção da “busca pela imortalidade” apenas para composição curricular e status social, abandonando logo em seguida as ações culturais e administrativas das Instituições e, principalmente, não pagando mais qualquer valor contributivo para os cofres da Instituição, passando a compor um QUADRO DE EFETIVOS INADIMPLENTES DA PERPETUAÇÃO ACADÊMCIA.
    Quando tratamos de ACADEMIA fazemos uma associação imediata à Academia Francesa de Letras e à Academia Brasileira de Letras. Estas Instituições tradicionais e conservadoras dos princípios acadêmicos jamais colocarão em discussão a inadimplência acadêmica. Porém, as demais Instituições já passam a discutir o tema e algumas já colocam em seus Estatutos a perda do Título de Acadêmico em virtude da inadimplência acadêmica e assiduidade nas ações culturais e administrativas da Instituição.
    Considerando que o Escritor eleito para uma Cadeira em uma Academia de Letras, onde esta tem caráter de uma “sociedade” e que nesta sociedade o Escritor, na condição de pessoa enquanto viva detém apenas a qualidade de imortal e não a imortalidade, por ser esta de duração perpétua e que nunca terá fim, onde jamais será esquecido por estar eternizado na memória dos homens, dar-se-á como perpetuado após a sua morte.
    O conceito de imortalidade passa, então, a não mais ser definitivamente agregado ao Escritor eleito para uma determinada Cadeira de uma Academia de Letras, mas quando efetivamente fizer cumprir através de suas ações culturais e administrativas, como da adimplência, os objetivos da Instituição, até que a morte o venha consagrar com a IMORTALIDADE.


    Dedico este conceito de imortalidade ao Escritor Joacil de Brito Pereira que em sua trajetória Acadêmica (Academia Paraibana de Letras; Instituto Histórico e Geográfico Paraibano; Academia de Letras e Artes do Nordeste – Núcleo Paraíba; entre outras) foi digno ao cumprir com veemência os princípios que norteiam a verdadeira IMORTALIDADE.
     

    PERSONAGEM: Sebastião Alba




    Dinis Carneiro Gonçalves, aliás, Sebastião Alba, nasceu e morreu em Braga, numa arcatura temporal que vai de 1940 a 2000. Foi durante muitos anos para Moçambique e de lá regressou à Bracara Augusta em 1981, onde adoptou a errância libertária como modo de vida até ao Outono passado. A 14 de Outubro morreu atropelado na rodovia. Tinha 60 anos e três livros de poesia publicados.
    De ascendência transmontana, tendo ido buscar o pseudónimo ao nome dos pais Sebastiana e Albano, cedo foi para a colónia ultramarina, onde casou com uma mestiça e se tornou professor, jornalista, poeta e administrador fugaz da província da Zambézia. Antes, porém, desta actividade múltipla, desertou da tropa ao segundo dia, foi preso e torturado durante dois anos. Com a agudização da crise política moçambicana, regressa com a família a Braga, habita um pequeno apartamento e chega a colaborar com o "Correio do Minho".
    Uma curta experiência em Lisboa com a família aumenta-lhe a sua tendência anti-social e regressa a Braga só, isto é, sem a mulher e as filhas. Opta definitivamente por um tecto de estrelas, depois de curtas estadas em quartos arrendados. Como parceiros de vida o álcool, a música e a poesia. A Antena 2 e uma harmónica de boca alimentam-lhe a melomania; o álcool, sempre dissimulado num saco de plás-tico, entorpece-lhe a voz da consciência; a poesia embala-o no sonho idealista de submeter o mundo à ordem musical.
    Figura controversa, por teimosamente rejeitar qualquer oferta de protecção ou abrigo, por ser bêbado, provocador e mal-cheiroso, incumpridor contumaz das normas sociais: foi atropelado fora de uma passadeira. Afinal, as passadeiras também exis-tem para proteger os errabundos. Por outro lado, era um ser desprendido, dava o pouco dinheiro que tinha a mendigos ou vadios, sendo ele mesmo um mendigo de grande dignidade, pois aceitava actos de caridade contra actos de gratidão: tocava peças musicais ou oferecia poemas a quem o ajudava. Até os 1.500 contos do Grande Prémio ITF deu às filhas.
    O seu reconhecimento público só foi possível depois de a Assírio e Alvim lhe ter publicado em Lisboa "A Noite Dividida". A comprovada qualidade da obra literária deste autor, nascido na Cividade, foi justamente referida pelo presidente do júri do concurso, o prestigiado docente e crítico literário, Vítor Manuel Aguiar e Silva, para quem a obra do galardoado evidencia uma estatura merecedora de admiração e público reconhecimento.
    A arte poética evidenciada em "A Noite Dividida", "Ritmo do Presságio" e "O Limite Diáfano" coloca Sebastião Alba numa posição cimeira da cultura literária bracarense, ao lado de outros grandes vates locais, que têm nobilitado o bom nome da cidade de Braga, intra e extra-muros. Para o poeta Rui Knopfli o verbo de Sebas-tião Alba é apanágio de muito poucos poetas, tanto mais que assumiu a condição de ser despojado e desprendido, própria dos espíritos que se dão à Arte, o mesmo é dizer à Humanidade, sem esperar outro retorno que não seja de ordem espiritual.
    Muito versado em cultura musical e literária, tinha alguns amigos que o procuravam, concedia conversas e entrevistas a alunos secundários e universitários e tinha uma grande paixão pelas filhas que visitava com regularidade. Estas nada puderam fazer contra a maior força do apelo anarquizante. Morreu sem identidade civil e tornou-se num problema para as autoridades. Finalmente, identificado e descoberto morto pelas filhas, rumou a Torre D. Chama, a terra dos pais.
    O vagabundo pôde por fim habitar a eterna morada do comum dos mortais; o poe-ta, esse, ainda anda por aí.

    Fernando Pinheiro

    Nota: Esta sinopse biobibliográfica foi feita a partir dos artigos "Sebastião Alba - Poeta de Sempre", de Rui Feio, in Povo Bracarense de 19 a 25 de Outubro de 2000; "História de Sebastião Alba _ Uma Furtiva Lágrima", de Paulo Moura, Revista Pública, 19 de Novembro de 2000.


    POEMAS DE SEBASTIÃO ALBA

    Há muitos anos um oficial do exército de ocupação, em Moçambique, disse-me, na parada, enquanto eu, perfilado, tremia de medo: "você, nessa cabeça tem só merda!" Eu acreditei!
    Quando poetas me dizem: "o teu lugar é aqui, entre nós", como se alguém estivesse a 
    tirar-nos uma fotografia, acredito logo.
    Porque não sei o que pensar de mim, se vocês me desprezarem, sentir-me-ei desprezível; se me estimarem, estimável. Sou quem os que amo (ou detesto) pensam de mim. Pouco mais. Sublinhei algumas palavras para que vocês notem que não há uma sinfonia, um poema, nem seque "aquela cartinha" que escrevemos a alguém que não sejam conduzidas por qual-quer ideia. Temática. Insistente. Obcecante.

    In “Albas”




    CÂNTICO VERMELHO


    Amo-te Felisbela
    Com a voz silenciada do meu sangue irmão
    Da mais funda gruta de África
    Nosso hino rebenta florindo
    Os velhos jacarandás do teu país
    Ordeiro, calo-me
    Mas é nos teus olhos que enraízo
    Os meus versos salgados
    Neles afogo para sempre!
    O orgulho que se ensinam
    E de que só me defende
    Tua ingénua mão espancada de séculos
    Amo-te Felis
    Com o ímpeto desses rios
    Que meus avós sujaram
    Amo-te Felis
    Na cândida melodia
    Das marimbas do teu povo
    Amo-te Felis
    No ritmo de mensagem cega, pura
    Das canções de tuas avós violadas
    Amo-te Felis
    Com um amor marejado de lágrimas
    As mesmas, querida,
    Que humedeciam nos mares antigos
    O brumoso convés dos seus barcos negreiros
    Mas só to direi simplesmente
    Quando à quieta luz dos dias que hão-de vir
    O meu grito de guerra e de poeta
    Se quebrar em tua boca enfim livre
    Nos beijos despidos
    Da vergonha que me cobre.


    In “Albas”


    86 ANOS DE NOÉMIA DE SOUSA: "Se me quiseres conhecer "



    Para Antero

    Se me quiseres conhecer,
    estuda com olhos bem de ver
    esse pedaço de pau preto
    que um desconhecido irmão maconde
    de mãos inspiradas
    talhou e trabalhou
    em terras distantes lá do Norte.

    Ah, essa sou eu:
    órbitas vazias no desespero de possuir vida,
    boca rasgada em feridas de angústia,
    mãos enormes, espalmadas,
    erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
    corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
    pelos chicotes da escravatura...
    Torturada e magnífica,
    altiva e mística,
    África da cabeça aos pés,
    - ah, essa sou eu

    Se quiseres compreender-me
    vem debruçar-te sobre minha alma de África,
    nos gemidos dos negros no cais
    nos batuques frenéticos dos muchopes
    na rebeldia dos machanganas
    na estranha melancolia se evolando
    duma canção nativa, noite dentro...

    E nada mais perguntes,
    se é que me queres conhecer...
    Que não sou mais que um búzio de carne,
    onde a revolta de África congelou
    seu grito inchado de esperança.


    Se estivesse viva, hoje a escritora moçambicana Noémia de Sousa, completaria 86 anos de vida. Quem é ela?
    Escritora moçambicana, Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares nasceu a 20 de Setembro de 1926, em Lourenço Marques (hoje Maputo), Moçambique. O seu trabalho poético continua por publicar em livro. Poetiza que, numa espécie de postura predestinada, desembaraçando-se das normas tradicionais europeias, de 1949 a 1952 escreve dezenas de poemas, estando muitos deles dispersos pela imprensa moçambicana e estrangeira.
    Com apenas 22 anos de idade, surge na senda literária moçambicana num impulso encantatório, gritando o seu verbo impetuoso, objectivo e generoso, vincado (bem fundo) na alma do seu povo, da sua cultura, da sua consciência social, revelando um talento invulgar e uma coragem impressionante.
    Toda a sua produção é marcada pela presença constante das raízes profundamente africanas, abrindo os caminhos da exaltação da Mãe-África, da glorificação dos valores africanos, do protesto e da denúncia.
    Poesia de forte impacto social, acusatória, a sua linguagem recorre estilisticamente à ressonância verbal, ao encadeamento de significantes sonoros ásperos, à utilização de palavras que transportam o “grito inchado” de esperança.
    Noémia de Sousa, como autêntica pioneira da Literatura Moçambicana (como assim sempre foi considerada) preconiza - no seu percurso literário - a revolução como único meio de modificar as estruturas sociais que assolam a terra moçambicana.
    Nos seus poemas, o “eu” de Noémia de Sousa é entendido como um “colectivo”, um povo inteiro que quer ter palavra - o povo moçambicano. Desta forma, a poetiza assume-se como porta-voz daquele povo que é o seu e, dirigindo-se à terra-mãe que os acolhe e protege, ora canta a sua vida, ora lhe pede perdão pela alienação demonstrada ao longo de tanto tempo, ora (mesmo) lhe promete a rápida e definitiva devolução do seu direito a uma vida própria, autêntica.


    PERSONAGEM-BRASIL: Ana Maia Maia

    Ana Paula Maia/FOTO: Jornal Rascunho



    Nascida no ano de 1977 em Nova Iguaçu, Riode Janeiro,  Ana Paula Maia é uma das mais prestigiadas escritoras na literatura contemporânea brasileira.
    Na adolescência, tocou numa banda de punk rock e estudou piano. Escreveu o roteiro do curta-metragem O entregador de pizza (2001) e foi co-autora (com Mauro Santa Cecília e Ricardo Petraglia) do monólogo teatral O rei dos escombros, montado em 2003 por Moacyr Chaves. Seu primeiro romance, O habitante das falhas subterrâneas, foi publicado em 2003.
    É autora da trilogia A saga dos brutos, iniciada com as novelas Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos e O trabalho sujo dos outros (publicadas em volume únido) e concluída com o romance Carvão animal.
    Influenciada por Dostoievsky, pelo cinema de Quentin Tarantino e Sergio Leone, pelos folhetins e pela literatura pulp, entre outros, suas obras são marcadas pela violência e pelo tratamento seco dado aos personagens, muitas vezes com elementos escatológicos. (sic, wikipédia)

    LIVROS
    2011: Carvão animal - Editora Record
    2009: Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos - Editora Record
    2007: A guerra dos bastardos - Língua geral
    2003: O habitante das falhas subterrâneas - Editora 7 Letras

    ANTOLOGIAS
    2011: Geração Zero Zero (org. Nelson de Oliveira) - Editora Record
    2009: 10 cariocas (org. Federico Lavezzo) - Ferreyra editor (Argentina)
    90-00 - Cuentos brasileños contemporáneos (org. Nelson de Oliveira e Maria Alzira Brum)
    Todas as Guerras - Volume 1 - Tempos modernos (org. Nelson de Oliveira) - Editora Bertrand Brasil
    Blablablogue - crônicas & confissões (org. Nelson de Oliveira) - Editora Terracota
    2007: 35 segredos para chegar a lugar nenhum (org. Ivana Arruda Leite) - Editora Bertrand Brasil
    2005: Contos sobre tela (org. Marcelo Moutinho) - Editora Pinakotheke
    Sex´n´Bossa - Antologia di narrativa erotica brasiliana (org. Patrizia di Malta) - Editora Mondadori (Itália)
    2004: 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira (org. Luiz Rufatto) - Editora Record


    CONTO DE ANA PAULA MAIA

    Teu sangue em meus sapatos engraxados

    “Purificam-se manchando-se com outro sangue, como se alguém, entrando na lama, em lama se lavasse.”
    [Aristócrito]

    Para Santiago Nazarian

    Eu tive um dia cujo sol foi da cor do desespero e a lua, a lua está embaçada e um tanto desgastada, e não tem outra opção senão refletir a luz do sol, e outra vez há mais desespero sobre minha cabeça. Ainda bem que não preciso matar a lua ou o sol todos os dias, mas se tivesse, eu resplandeceria a sua cor.
    Sigo calado, esgotado e embaçado como a lua que esforça-se por desaparecer. Certamente, se vivesse nas alturas eu desapareceria quando as coisas atingissem essa tonalidade.
    Cutuco o nariz nervoso, porque posso sentir resíduos de pó agarrado nos pelos; do punhadinho do pó branco depositado sobre a mesa do quarto, aquela pequena montanha mágica que desci esquiando por suas depressões, esquivando-me de suas falhas. Com o cabo da colher, a montanha transformou-se em trilhas paralelas e consegui construir três fileiras curtas. Trilhas breves, limitadas como a vida para algumas pessoas.
    Tapo a narina direita e arrasto como um porco o focinho sobre a mesa. Absorvo o estado bruto da liberdade, da mudança e apago da mesa os três caminhos que criei, e já não há mais caminhos ou rastros, eu os absorvi e tornei-me o próprio, o dono de minhas trilhas.
    Isso pode ser daninho e doce feito mel apodrecido em dias com o sol da cor do desespero. Estou com fome e devoraria qualquer substância orgânica nessa hora. Não me lembro de ter comido nada durante todo o dia. Talvez agora tivesse um almoço. Nu.
    Através de uma janela pouco maior que minha televisão vinte polegadas, no centro da sala é onde vejo meu tempo escoar. Ter um horizonte com menos de vinte polegadas não deve ser o sonho de ninguém e só entendemos isso quando nos acordam. Um terrível pesadelo é ótimo para te fazer acordar. O sono da razão pode produzir monstros, mas o sono da inabilidade pode te paralisar. As imagens ali são sempre do meu próprio tempo acelerado, um desperdício. Prefiro os monstros. Sempre os preferi e comecei a me afeiçoar a eles, meus monstros entranhados no lago do meu espírito, tão sombrio que quando retorno à superfície, o ar rarefeito me deixa anestesiado.
    Não falo de amor ou ódio, falo dos monstros que me deixam acordado. Que me fazem avançar, sombras que me perseguem, rastejando, tentando abocanhar meu calcanhar. E eu posso sentir a nuvem de fuligem espessa armazenada sobre minha cabeça. É a lua, entende? Esse maldito satélite sem luz própria que traz o desespero do sol, do péssimo dia que tive. Quanto mais eu ando, mais percebo que a lua corre depressa. Não dá para alcançá-la e as estrelas já estão mortas... brilham, mas não existem mais. Mortas imortais vivendo a morte de uns, morrendo a vida de outros tantos.
    Olho para meus pés e vejo que esqueci de trocar os sapatos. Meus sapatos manchados de sangue que secou faz tempo, quando ainda fazia sol e quando eu ainda pensava se devia ou não matar aquele monstro. Monstros que te acusam, que te amam e te esquecem, que te fazem sofrer, mas não falo de amor, isso não cabe em minhas linhas, nem no meu coração ou no mais profundo lago do espírito. Pouca coisa cabe aqui e quando me sufocam eu afundo tudo para o lago, na parte mais sombria e esquecida, depois lavo minhas mãos, troco meus sapatos e o sangue é sempre lavado, levado pelas águas.
    Os monstros são daninhos e doces feito mel apodrecido, alguns o chamam de amor ou ódio, para mim mel estragado. Frias mandíbulas trituradoras no seu encalço. Não deixaria que alguém me fizesse isso de novo, te esquecem e te fazem sofrer. Eu a quero ainda, e só consigo pensar que meus sapatos carregam um pouco dela. Suas hemácias ressecadas. E por todos os lados eu a vejo como sombras se cruzando, mas a culpa é da lua que insiste em manter tudo aceso. Eu posso fazer novamente, afogar mais alguns monstros até que as nuvens decidam escondê-la, eu posso avançar mais alguns passos enquanto suspiro minha possível maldade.
    Nunca me arrependo. Sempre sigo em frente, tossindo pedaços do meu pulmão doente, embalado por bebida barata. O caos da expansão do meu microcosmo, esse tipo de necessidade meramente humana. Predadores não tiram férias, resvalam na consciência de um possível ajuste, mas nunca deixam de acossar. Seu sangue em meus sapatos engraxados ontem; estavam limpos e reluzentes como fazia o sol quando você derramou-se sobre eles. E ainda a vejo e continuo avançando sobre as sombras que me cruzam e cortam feito navalha, na carne e na alma, mas nunca falo de amor, só do mel apodrecido que ela deixou na minha boca. Já estou tão perto que já sinto o perfume dos monstros e eles ainda não sabem, mas vão lavar seu sangue dos meus sapatos.

    [publicado na coletânea "Contos sobre Tela"]

    www.killing-travis.blogspot.com
    www.carvaoanimal.blogspot.com


    David Mestre: Uma singela homenagem


    Lopito Feijóo – Angola

    David Mestre
    Teria completos sessenta e quatro anos de idade aos três de Agosto deste ano, caso o cidadão angolano Luís Felipe estivesse ainda entre nós. Escrevo sobre um crítico, jornalista e «maldito marginal». Escrevo sobre o poeta David Mestre falecido em Lisboa há alguns anos.
    David foi enquanto vivo, e desde os idos de setenta, um crítico deveras demolidor e a ele se devem distintas propostas culturais e editoriais dentre brochuras, cadernos e suplementos literários marcantes no todo que é hoje a literatura angolana enquanto corpus afirmativamente balizado.
    Do seu legado consta um primeiro livro publicado ainda nos finais de sessenta. Um livro julgado incipiente e cuja paternidade foi atempadamente renunciada (pelo autor, claro!) em razão do seu faro crítico. Do conjunto da sua obra salientam-se: Crónicas do Guetto, poemas, Cadernos Capricórnio Lobito, 1973; O Pulmão (narrativa, colecção bantu), Luanda 1974; Do Canto à Idade, poemas, col. «Nosso tempo, ed. Centelha, Coimbra 1977; Nas Barbas do Bando, poemas, ed. Ulmeiro, Lisboa, 1985; O Relógio de Cafucôlo, conto, Cadernos Lavra & Oficina, Lisboa, 1987; Nem Tudo É Poesia, estudos, UEA, Luanda, 1987, 2ª ed. revista e aumentada, col. 2k, UEA, Luanda 1989; Obra Cega, poemas, ed. do autor, Luanda, 1991; Subscrito a Giz, 60 poemas escolhidos (1972 – 1974), Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1996; Lusografias Crioulas, ed. Pendor, Évora, 1997.
    David Mestre foi antologiado em: Angola – Poesia 71, 1972; Vector 3, 1972; Kitatu Mulungo (está aquí inserida a narrativa autogeográfica «O Plumão» escrita na prisão em 1971) , 1974; Dizer País, 1975; Poesia Angola de revolta, 1975; Antologia da Poesia Pré-Angolana, 1976; No Reino de Caliban, 1976; Poesia de Angola, 1976; Lugar-comum, 1976-1978; Os Meus Amigos, 1983; Antologia da Poesia Angolana (ed. russa), 1985; Sonha Mamana África, 1987; Os Anos da Guerra, 1988; Cinquenta Poetas Africanos, 1988; Poemas a La Madre África (português – castelhano), 1992; Floriam Cravos Vermelhos, 1993; World Poetry, 1993. Alguns dos seus textos foram também traduzidos e publicados em espanhol, francês, inglês e russo.
    Enquanto jornalista, conquistou o Prémio Nacional de reportagem instituído em 1985, pela União dos Jornalistas Angolanos e assinou de sua autoria algumas das mais saborosíssimas crónicas do jornalismo literário angolano.
    David foi filiado da Associação Internacional dos Críticos Literários tendo nesta qualidade participado no IX Congresso da AICL, realizado em Alma-Ata, na República do Cazaquistão onde deixou marcas de grandes referencia segundo nos confidenciou o poeta, também crítico português, João Rui de Sousa.

    O «Mestre» e crítico David estudou e homenageou com os seus escritos vários autores das mais longínquas latitudes geo – literárias como: Luandino, Pepetela, António Jacinto, Uanhenga Xito, Agostinho Neto, Aires de Almeida Santos, Ernesto Lara Filho, António Cardoso, o próprio Mário António na veste de poeta, Sousa Jamba, Luís Carlos Patraquim, José Craveirinha Ruben Fonseca, Alberto da Costa e Silva bem como Jorge Amado sem esquecer o mestre António Cândido, dentre outros grandes. Neste domínio David Mestre revelou-se, cívica e politicamente um autor simultaneamente polido e mordaz.
    Nacionais e estrangeiros, vários foram os críticos que sobre a sua poesia meditaram. Dentre tantos com reputável afirmação contam-se um Mário António Fernandes de Oliveira, Pires Laranjeira, Eugénio Lisboa, Pedro Támen, Vieira de Freitas, Jacinto do Prado Coelho, Fernando Martinho, Luís de Miranda Rocha, Manuel Ferreira, Xosé Loís Garcia, Ana Mafalda Leite, Francisco Soares, João Maria Vilanova, Ana Maria Martinho, Jorge Macedo, E. Bonavena e entre outros (sem falsa modéstia), o autor que aqui escreve.
    Segundo Pedro Támen, em 1973 David revelava-se já, «Um autor angolano com uma inesperada capacidade de invenção verbal e criação poética», -valendo como tal-, muito acima de oitenta por cento dos «notáveis poetas metropolitanos», de então.
    Temos para nós como ponto mais alto dos seus escritos poéticos os textos que deram corpo ao mais (in)acabado dos livros do autor:
    Nas Barbas do Bando. Uma co-edição da União dos Escritores Angolanos e da Ulmeiro editora (Portugal) sobre a qual aqui ficam alguns parágrafos que, certamente possibilitarão melhor e mais profunda penetração no universo cada vez mais obscuro, tecnicisado e de prazeirosa leitura da poesia deste que se revelou o maior dos intimistas no domínio, entre os Angolanos.
    Uma atenta leitura de Nas Barbas do Bando deixa-nos a ideia do rigor estrutural da criação/produção dos textos e tão bem do próprio livro enquanto todo. Dele resulta a beleza, e a economia do palavreado poético, que se enleva a horizontes atmosféricos que nos lembram o total sentido plástico dos sinais de tipo geométrico gravados em perspectiva circunferencial, por exemplo, na estação arqueológica do Tchitundo-Hulo.
    Transporta a moderna linguagem poética marcada pelo ênfase clássico de alguma poesia oriental bem como pelo conjunto de traços, feições e qualidades que caracterizam a própria poesia africana, ao contrário do que nos faz crer a prefaciadora do livro, no texto intitulado “uma poética da Dês (centração)”, quando atribui ao autor da obra poética em questão, “uma notável apropriação da modernidade poética ocidental”.
    Condensa-se na obra a vasta cultura poética e literária do autor de Crónica do Ghetto (1973) e Do Canto à Idade (1977), que vai desde o perfeito conhecimento da língua, -factor que lhe permitiu a colocação exacta de uma dada categoria de palavras nos versos-, a um ambiente de vibração espiritual que pressupõe sensibilidade geométrica, cuja perspectiva espaço-temporal obriga-nos a considerar não só as relações e as posições dos elementos textuais e figurativos mas também os imagético-textuais de premissa mítica.
    Socorreu-se o autor, naturalmente, de motivos de grande intimismo assim como de conhecimentos e, sobretudo, experiencias poéticas aliadas a um alto sentido de relação intertextual da qual resultaram os textos componentes do livro  constituído por três distintas partes, iniciando cada uma delas por um poema “que serve de núcleo energético disciplinador e simultaneamente motivador dos títulos que se seguem”.
    Entretanto, atente-se à título exemplificativo, Estrita Poesia Escrita (pág.33) texto que disciplina na segunda parte os nove outros que lhe  seguem e aonde além da exactidão numérica da estrofes, (aliás a exactidão estrófico-extrutural caracteriza quase todos os textos do livro onde o atento leitor) encontrará no segundo quinteto, bem assente, a mestria do poeta David nos significantes intervalos artísticos-literários dos quais resultaram as decomposições/descontracções de uma em duas palavras operando-se então uma transferência (bi)unívoca entre o campo semântico e o fonético. Atente-se igualmente a alternância ternária do verso primeiro nas estâncias de que se compõe:
    “Estrita Poesia Escrita/com os dedos enlameados/da vida/vivida/de costas//Poesia escrita estrita/e única mente para/bólica/como um grito e/móvel//Escrita poesia estrita/aos círculos que fazem/as pedras/ao mergulhar/para sempre”.
    Entretanto, conhecemos ainda na sequência desta a OBRA CEGA. Um caderno com apenas duas dezenas de páginas editadas pelo autor à margem das vias e processos editoriais habituais. Nela o poeta Vuelve a ser Eucalipto (O. Paz), e na linha do livro acima referenciado reafirma ser pouca a arte p’lo silêncio consentida quando à págs. 7, num poemeto, auto retrata-se quase mesmo em silêncio, dizendo: Nada sei/ e o que presumo/ emudeceu/ de perfeição.
    Até aqui o autor apresentava-se distinto, nas suas propostas, em cada um dos três livros anteriores. A diferenciação é agora pouco notória apesar de singulares referências locais como a Rua da Maianga, a Calçada dos Enforcados, as casas baixas no Bairro dos Coqueiros, a Fortaleza hoje feita museu e até mesmo o crepúsculo e grandes pássaros brancos.
    Deparámo-nos agora com motivos poéticos tocados e retocados por poetas luandenses de décadas anteriores a da geração que forjou o poeta David Mestre e cujo lastro vem certamente dos idos de quarenta.
    Finalmente diremos, nesta singela homenagem, que sobre este autor, indubitavelmente, muito mais poderíamos ter escrito, principalmente no domínio do simbólico e até mesmo sobre o conteúdo e estrutura artística dos textos pois, “o texto artístico” – segundo Lotman – pode ser examinado enquanto texto várias vezes codificado. E é precisamente essa qualidade que consideramos quando falamos da polissemia da palavra literária e da impossibilidade de traduzir a poesia em prosa…”
        

    Benfica/Belas, Agosto 2012

    PERSONAGEM DA SEMANA: Maria Celestina Fernandes


    Escritora angolana Maria Celestina Fernandes

    "De Maria Celestina tenho seguido, desde o inicio, o caminhar literário. Não sei quem lhe alvitrou que as historias de intuito educativo, diariamente inventadas para seus filhos crianças, as escrevesse. Talvez António Jacinto de boa memória, quiçá Uanhenga Xitu. O que sim, sei é que seguiu o alvitre, percebeu o dever, enfrentou a tarefa. E a medida que nossos filhos são todas as crianças do Mundo. De aí lançou-se á escrita. Perante as criticas mais do que os aplausos inicias, Maria Celestina intuiu que só o trabalho, a perseverança, a humildade de ler e escrever e rescrever, voltar a escrever, lhe dariam suporte ao natural dom educativo."

    Luandino Vieira

    Maria Celestina Fernandes nasceu no Lubango, a 12 de Setembro de 1945. Fez os seus estudos primários e secundários em Luanda, tendo completado o ensino licial no liceu Salvador Correia. É Assistente Social, formada pelo Instituto de Serviço Social Pio XII e licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Ingressou em 1975 para o quadro do Banco Nacional de Angola, onde trabalhou por mais de duas décadas, inicialmente com a função de chefe do Departamento Social e depois como Subdirectora da Direcção Jurídica, categoria em que se reformou.
    Actualmente é consultora do Instituto de Formação Bancária-IFBA e Administradora de Empresa.
    Iniciou a carreira literária no início da década de oitenta, com a publicação de trabalhos no Jornal de Angola e Boletim da Organização da Mulher Angolana-OMA.
    Sua maior produção é dirigida à literatura infanto-juvenil. É membro da União dos Escritores Angolanos.


    Era uma vez um rapazinho que um dia desejou possuir o sol. Se alguma vez olharem para o céu, a hora do pôr do sol; se por acaso descobrirem qualquer coisa, lá em cima, que lembre um menino. Pois, não se esqueçam que esse menino pode bem ser um Hossi!...

    Extractos do conto "A Bola de Fogo" In: A Árvore do Gingongos, 1993,p.17.


    OBRAS

    Infanto-Juvenil

    A Borboleta Cor de Ouro (1990, UEA)
    Kalimba
    (1992, INALD)
    A Árvore dos Gingongos (1993, Edições Margem)
    A Rainha Tartaruga (1997 INALD)
    A filha do Soba (2001, Editorial Nzila)
    O Presente (2002, Edições Chá de Caxinde)
    A Estrela que Sorri (2005, UEA)
    É Preciso Prevenir (2006, UEA)
    As Três Aventureiras no Parque e a Joaninha (2006, UEA)
    União Arco Íris (2006, INALD)
    Colectânea de Contos (2006, INALD)

    Crónicas:

    Retalhos da Vida (1992, INALD)

    Poesia:

    Poemas (1995, UEA)
    O Meu Canto (2004, UEA)

    Romance:

    Os Panos Brancos (2004, UEA)
    A Muxiluanda (2008, Edições Chá de Caxinde)




    Hélder Proença: quando a palavra não se pode adiar


    Fontes: Wikipédia/Lusofonia.com.sapo.pt

    Escritor guineense, Helder Proença 

    Quando te propus
    um amanhecer diferente
    a terra ainda fervia em lavas
    e os homens ainda eram bestas ferozes

    Quando te propus
    a conquista do futuro
    vazias eram as mãos

    negras como breu o silêncio da resposta

    Quando te propus
    o acumular de forças
    o sangue nómada e igual
    coagulava em todos os cárceres
                em toda a terra
                e em todos os homens

    Quando te propus
    um amanhecer diferente, amor
    a eternidade voraz das nossas dores
    era igual a «Deus Pai todo poderoso criador dos céus e da terra»

    Quando te propus
    olhos secos, pés na terra, e convicção firme
    surdos eram os céus e a terra
    receptivos as balas e punhais
                as amaldiçoavam cada existência nossa

    Quando te propus
    abraçar a história, amor
    tantas foram as esperanças comidas
    insondável a fé forjada
                no extenso breu de canto e morte

    Foi assim que te propus
    no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu
    o hastear eterno do nosso sangue
    para um amanhecer diferente!




    Escritor da Guiné – Bissau, envolveu – se, nos anos 70, no movimento independentista do seu país, abandonando os estudos liceais e partindo para a guerrilha em 1973. Após o 25 de Abril, regressou a Bissau, prosseguindo os seus estudos.
    Foi responsável-adjunto pelo sector de educação na região de Bolama e professor de história. Frequentou, em 1979 e 1980, um curso de Planificação Regional no Rio de Janeiro. De regresso à Guiné, trabalhou como quadro no ministério da cultura, sendo ainda deputado na Assembleia Nacional Popular e membro do Comité Central do PAIGC.
    Tem colaboração nas publicações Raízes (cabo-verdiana), África (portuguesa), Libertação e O Militante, estas duas ligadas ao PAIGC.
    Hélder Proença começou por se dedicar à literatura era ainda adolescente, escrevendo poemas anticolonialistas, de afirmação da identidade nacional, que acompanharam a sua actividade política. Os textos desta fase foram reunidos no volume Não Posso Adiar a Palavra, editado apenas em 1982. Este carácter panfletário foi-se atenuando progressivamente, embora o autor nunca tenha descurado uma vertente de intervenção política e social. Considerado uma das grandes figuras da nova literatura guineense, escrevendo tanto em português como em crioulo, foi o co-organizador e prefaciador da primeira antologia poética do seu país Mantenhas Para Quem Luta! (1977). Alguma da sua produção continua inédita.
    De entre os poetas revelados nas primeiras antologias referidas, poucos prosseguiram o ofício, com poesia dispersa. Hélder Proença é um deles, publicando, em 1982, Não posso adiar a palavra, revelando-se, então com 26 anos, um poeta «amadurecido» pelo tempo e pela visão desapaixonada do momento. Sem se desvincular da enunciação ideológica (alguns poemas já haviam sido publicados), a sua poesia já evidencia, de maneira sugestiva, o labor consciente que se manifesta nos níveis formalizantes da mensagem literária: a concertação tecida da matéria sonora, das imagens e da rítmica e até da utilização gráfica da página. Nessa performance técnico-formal, o tecido social e ideológico engendra uma linguagem simbólica, transfigurada do real, mas ainda vinculadamente radicada nele. Mas até os temas se diversificam: além da celebração da pátria e dos heróis, o sentimento pátrio harmoniza-se com o amoroso e até o erótico e o sujeito é, então, simultaneamente aquele que pensa e sente, ama e odeia, ri e chora. É a catarse dos lugares comuns e o triunfo do homem pleno que se deixa envolver pelo fascínio da volúpia e se verticaliza na reivindicação de uma pátria de cidadãos individualizados.
    O próprio macrotexto convida-nos a essa procura de discursos paralelos. Divide--se em três partes: «As trincheiras também cantam, amor», «Entre mim e o canto, a poesia» e «Vem, Pátria, nesta proposta do amanhecer». E o último poema é também um manifesto: «Juramento».
    (Inocência Mata, “A Literatura da Guiné-Bissau” in Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol. 64, Pires Laranjeira, Lisboa, Universidade Aberta, 1995, p.362)

    Assassinato

    A morte de Proença foi anunciada pelo Ministro da Defesa guineense, horas depois do anúncio do assassinato por tropas oficiais do candidato a presidente Baciro Dabó. Segundo a versão oficial, Proença seria o protagonista dum golpe de estado e morrera em seu carro, junto ao motorista e um segurança, após troca de tiros com os soldados que iam prendê-lo. Já antes a imprensa mundial anunciara rumores de que o poeta também havia sido morto.

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