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    Dark Saga ll

    Samuel da Costa
                                                                     Para Aristides Sousa Maia

    Não há nada de novo no front. Somente aquela velha guerra suja, subterrânea & covarde
                 E uma triste constatação, que você deveria estar ao meu a lado, mas não está. Sou eu aldeia
                      Sou eu árvore...sou eu selvagem...sou eu livre...sou eu caído e derrotado...Tentando constatar o óbvio...Não há nada de novo no front...Somente aquela velha guerra suja, subterrânea & covarde...Que não acaba...E deveria acabar...Mas que já acabou...Mas não acaba...Que deveria ter acabado...Sou eu caído e derrotado...Constatando o óbvio. Que não há mais guerras para lutar.

    Martiniano em seu íntimo relutava em aceitar a sua nova realidade, aquela rotina diária, mas o fato era que estava se habituando a ela. Estava se habituando à espera, às vezes breve com um raio, outrora demorada, como seu o tempo pairasse no ar. Às vezes de dia, outrora à noite, a chuva e o sol, o calor e o frio e por fim fome e a fartura. Mas uma coisa não mudava em absoluto, era cheiro de sangue, a pólvora queimada e o barulho de espada que se digladiavam no ar. O desespero de alguns e o ódio de outros, e ter que olhar nos olhos do inimigo e ele aos seus enquanto o matava. E pergunta do porquê de estar ali não lhe saía da cabeça, mesmo que promessas de liberdade lhe foram dadas pelo coronel Freitas ao se juntar a sua tropa. E era também um fato o seu novo hábito de manusear armas de fogo. Por um esfarrapado uniforme militar, e ter que matar os ‘’Caramurus’’, para quem estava habituado a caçar animais no velho mundo. Caçar com as mãos e se defender com as mãos, eram coisas muito distantes de sua realidade atual. Aprisionado, junto com seu povo, e posto a ferros para em seguida ser vendido como escravo em Nova Lisboa em Angola: ― Minha rainha Kianda! ― diz o amargurado Martiniano de si para si mesmo, enquanto tomava o amargo na cúia a contemplar a coxilha. Eram breves os momentos de paz, breves e dolorosos. Tinha que se esquecer da promessa que fizera ao seu rei, que iria proteger sua rainha com a própria vida se assim fosse preciso. Tinha feito essa promessa também para si mesmo, pois a amava. E deixa - lá para trás não estava em seus planos, como também mudar de nome. Mas a vergonha de ter abandonado sua rainha para trás era grande demais. Ela quis ficar e enfrentar o que tinha feito, não queria viver como uma cativa ou fugitiva. Apesar dos apelos dele, ela quis ficar e enfrentar seu destino.                        

    O Primeiro cliente

    Eduardo Quive - Maputo

    Puta – disse o homem empenhando a a mão com mil quilogramas de borrada no rosto da mulher sexist. Tal mulher era Kotile. Menina que antes for a em terras que a honravam, com toda dignidade e esperaça.
    Era ainda o seu primeiro hoem. Antes nenhum o tocara com tanta hozadia. Kotile percebera a vingaça da vida na Rua Araújo e a traição da cidade grande que for a dos seus sonhos. Ka pfumo não era nada. Antes se chamasse qualquer coisa. Mas que não fosse como se chamava. Mas Maputo é nome parecido com Puta. Embora não seja a razão.
    Medinho, for a esse o tal hoem que com osadia e macheza olhou para Kotile na Rua Araújo como pessoa dígna da sua compra, para garrantir a sua o sucesso do seu primeiro dia laboral’
    Era sexta-feira. Dia 13. Dia das bruxas. Bruxas femeninas. Os machos são bruxos, por isso que aprecera um homem. Agora é assim mesmo. É imancipação até na brucharia.
    Nos corredores daquela rua, pisavam-se as lágrimas sileciosas da Kotila, circulava com mine saias, cujo tamanho não era digno de se chamar de mine saia. Parecia uma pura roupa interior. Pura porque era mesmo quase que um espelho lambido pelo orvalho. Se via tudo. Tudo mesmo.
    Kotile era donzela, com pernas perpendeculares e ancas particulars. Não eram ainda dignos de destaque, mas os homens viam e viram. Os passos da sua inocência, ainda que transportacem a timidez da sua pele e o ardor do seu coração, pela pouca vergonha, chamavam e atraíam a clientele. Que fazer. Coisas do coração não se vé. Diziam sempre a Tia Distina com o seu portugues pacato. “vamos fazer mais como. É assim mesmo nwananga…”
    Em instants de camera lenta, Kotile lebrara-se desses dizeres.
    -          Filha o corpo de uma mulher assusta. I ma singita!
    E a mare subia. Kotile choravam para sasssear os remorços e a raíva do tempo. As lebranças que não deslembram. A verdade que não se omite e a realidade eminente. Era seu dia de sexo. Seria na Rua Araújo. No quintal de aluguer nos guardas da cidade. Ou na escadaria das ruínas da baixa. Onde ela baixava as saías para finger que vestiu-se de saia. Mas não era nada. Era nudez e pouca vergonha. Batom carregado fazendo os seus lábios de sangue seco. Resultado de muita sangração e dolorosa dor. Os olhos pitandos a lapis de carvão, rimavam com o choro dos monchos sem abrigo e desabrigados nos ramos do Tunduro que cai e descai velho.
    Aproxima-se medinho e despença apresentações dama!
    -          Quanto é que é…?
    Calou-se Kotile. Levantou o nariz e fingiu que respirava com vida. Mas o homem persistia e cada vez mais ensistia. Como se fosse um acto de conquista.
    Enfiou a mão pelas curvas das bem aventuranças e esmagou-lhe com força e dureza.
    Kotile forçava-se a não reagir. Mas as mãos do homem foram mais longe. Medinho era homem macho. Fazia parte dos melhores da casa. Era cliente das noites da pouca vergonha. Todas o conheciam pela sua dureza, mas também, for quem tinha a missão de receber as novatas.
    O distino traíra Kotile e o homem. Medinho fora o escolhido para receber a encomenda que caíra das bandas do Nkomane, nas margens de lá, onde Deus livrou-se dos homens e libertou os defuntos. Mortos que desafiaram os poderes da eternidade. Ou moriam para sempre se não quizessem viver para sempre. Advinha o que escolheram? Viver para sempre. Tombaram num inverno e noutro ressuscitaram com vinganças. Queriam vidas e mais vidas para que as professias se concretizassem. Quais professias? Que Nkomane não for a destinado aos vivos temporaries. Era para os vinventes das eternidades.
    Aos passos da recusa. Viu-se, Kotile, obrigada a encostar a parede e Medinho avançou-se com rapidez da água para o interior. Chegava ao ponto do alcance da pureza. Lá onde as mine saias já não conseguem proteger perante a sua masculinidade.
    -          Ni tsiki! – gritou Kotile sem mais suportar tal acto de obrigação sexual – mussatanhoku. Não me toques!
    -          O qué. Sabes quem sou? Medinho. Nenhuma mulher nega-me nestas bandas e não serás a primeira. Puta! - Apressou-se para a purada com a mão possuida por forças já antes vistas de si.
    Kotile consentiu-se em instantes de silêncio no chão. Fora a primeira mão a lhe roçar o rosto com tamanha força. Sente com muita dor os efeitos da bofetada. Pensa em silêncio mortífero. Em algum momento acredita que não tem mais dentes. As axilas não se sentem e a lígua pareceu ter abandonado a sua boca. Cospe sangue e lágrimas fervidas. Chora. Mas é tudo em vão.

    O Apocalipse

    Eduardo Quive - Maputo

    Muitos adivinhos já não sabiam nada do que acontecia em Deus me Livre!
    Nenhum adivinho podia adivinhar tudo que se passava em volta do apocalíptico momento que pusera em apuros a antiga terra sagrada.
    Podia espaçar-se muito no meio daquele nhima-nhima, que se instalou nas terras dos deuses, sem se quer distribuir minutos de tolerância. Os sacerdotes ainda tentavam dizer alguma coisa.
    -          Mãe de misericórdia, mãe do Salvador, assista-nos nesta última agonia que se aproxima. – E ainda apelavam as multidões que fizessem qualquer reza.
    -          - Orai irmãos, ao Deus nosso senhor.
    Por outro lado ouviam-se gritos de socorros e nhandayeyos. Ninguém podia rezar, no lugar de agir com própria confiança e esperteza.
    -          Já o demos oportunidade de fazer alguma coisa e nada fez. Deus que mata nunca dera vida!
    -          Quantas vezes os nossos filhos, pais, irmãos, tios e sobrinhos, gritaram o nome desse Deus tal, antes que estas terras os levasse para as profundezas do além?
    -          Orai vocês mesmos pelas vossas próprias vidas e aproveitem para dizer a Ele para se preparar, porque daqui a pouco estas terras que criou com a própria mão, vão me levar para junto dele e vou o matar pela segunda vez e será para sempre…sem ressurreições.
    O antigo sacerdote exigia do seu próprio criador que dissesse a verdade às massas – “morrereis pelos vossos pecados” – E assim parecia ser.
    Os homens que antes confiavam nas suas mãos para fazer alguma coisa já o faziam com os pés. Corriam como se fossem aves…velocidade por demasio desespero.
    Tudo acontecia em jeito de “nunca vi”. Crianças que nasciam em cima de árvores. Ndambini que o diga, nascera por baixo do céu, onde todos homens se escondem quando estão nus.
    A sua mãe esquecera no meio da correnteza das águas assassinas, toda esperança: casa, roupa, comida, patos e etc. esquecera também das dívidas e da pobreza.
    Subiu na árvore com a barriga de que dependia sua filha antes de sair. Todos ficaram a conhecer o Deus me livre que se passava do tempo.
    Os Cabrais deixavam também debaixo do solo que engoliu as nossas vidas: dinheiro e herança, fortunas e projectos de lucros fartos. Mas levaram com sigo os terrores do seu racismo que sempre se fez presente na pele dos pretos que os serviam. Em troca de quê? Em troca de torturas.
    E o rei Ngonhama, ainda não tinha partido para seu eterno destino. Feiticeiros, curandeiros e adivinhos o protegiam.
    Na altura, pairavam dizeres sobre leões que habitavam nas florestas das redondezas e que pertenciam a sua dinastia.
    Todos eles eram parte do seu corpo e cada homem que matavam, a ele fortaleciam.
    Não eram apenas falácias. Muitos foram os que confirmaram. Malaquias, for a exemplo dos que com a sua carne, os leões deram vida ao rei. Viu seu traseiro espetado aos caninos dos indomáveis. Também ficou ferra, mas ferra de ferido. Morreu. Depois de ter passado setenta e duas horas em delírios de dor. Dormia de barriga, mas podia se alimentar. Não podia. Porque ele é que era o alimento. Comida do Rei Ngonhama.
    Dizia-se também que a vila do Leproso era outra parte da sua vida, enraizada nas terras mais selvagens do continente, até o Mwamulambo, cobra dos deuses, se rendia ao temido homem com curvas dos diabos.
    Todos os feiticeiros, curandeiros e adivinhos o protegiam. Até os sacerdotes invocavam o seu nome na hora das bênçãos.
    Todos viventes sabiam porque tinha que desaparecer mensalmente do seu lar, alguns bois e donzelas. Eram para seus Nhamussoros. Os seus Nhankwaves. Alimentando o seu obscurantismo.

    E cada vez mais se engolia a terra que antes fora sagrada.

    Ninguém estava para justificar alguns acontecimentos que registavam-se em jeito de Swo Suketana swiku… sim. Tudo tal como diziam as lendas. De repente…
    Do Deus me livre, tal como os deuses se livraram, os homens também se iam na maior estranheza.
    Cada segundo uma vida entregava-se ao inferno. Pouco a pouco Deus me livre livrava-se de gente. Ficava terra do Nada. Ninguém já habitava o lugar.

    Uma prosa para Arsénia


    David Maurício Bamo Júnior dos Deuses Marx Morais -- Maputo

     
    Dezembro de 2008, fim de um espetáculo alusivo ao Dia Mundial Contra a Sida. Uma jovem magra, quase com minha altura, bonita cabelos cumpridas se aproxima de mim e diz:
    Oi, gostei do show, apresentas muito bem!

    Muito obrigado! Disse eu. Curioso, porque durante o evento vi uma jovem atenta a todos os meus movimentos, pois estivera sentada num plano que a permitia controlar todos os meus passos. A sua saudação quase que precipitava as minhas. Moça que multiplicada por qualquer coisa seria igual a simpatia! Com uma beleza mais por interior que do lado de fora do seu fisico. Esta jovem chamava se Arsénia.
    Eu sou David. Me introduzi!
    Não precisavas me dizer já te conheço!
    Fiquei boqueaberto, tanta beleza e bondande feminina a minha disposição, só podia se tratar de um sonho! Mas como um sonho? Se eu sentia na pele  e na alma o carinho daquela criatura que Deus trouxera do Eden para dar brilho ao meu dia, naquela data!
    Vivo no Singathela, e tu?
    Também!
    Então vamos juntos para casa!?!
    Sim vamos!
    Começava assim uma grande viagem de amizade entre duas almas, dois corpos, duas gentes que apesar das suas vivência diferentes partilhavam o mesmo sonho, fazer radio ou televisão um dia.
    A vontade de construir com betão e prata uma amizade entre nós, foi mais galopante que as nossas próprias vontades! Arsénia e David consiguiram em tempo curto mais que o sentido da própria palavra, aproximar os seus seres e traçar a mesma história. Uma amizade do tamanho da obra de José Craverinha.

    Ao longo destes quatro anos de amizade fui aprendendo que os encantos de uma mulher, não residem apenas nas curvas que compoem o seu corpo, muito menos no cruzamento entre as suas pernas, mas sim na personalidade! Conceito muito pouco conhecido nos dias que correm.
    A nossa intimidade significou o fim do que nunca tive em mim, a poesia, se não um conjunto de frases, versos e palavras gastas em almas satánicas que me fizeram sugar o veneno da Jiboa.
    Procurei todas explicações possíveis para conhecer o verdadeiro sentido dos nossos sentimentos, nenhuma resposta achei se não um tesouro chamado Amizade, possível de encontrar em terras onde abunda leite e mel.

    Todos cobiçavam indisfarçadamente o nosso relaccionamento! Lambusavam se de vontade, queriam de ser um de nós. Se contorciam para sentir a doçura de uma amizade pura como o grito de uma criança saindo do ventre da mãe.

    O nosso ninho chamou outros e juntamos o útil ao agradável! Não fomos, nem somos e nunca serenos só nós, porque sempre viajámos em outras vidas, buscando novos e melhores sabores para apimentar o lar que aos poucos iamos formando em nossas vidas!
    Descobri igualmente que a mulher da minha vida não foi aquela a quem devo a minha existência, muito menos a que me fezera descobrir os apetites carnais, mas sim foi a Arsénia! Não sou, porque não quis aprender, todavia, a Arsénia ensinou me a ser verdadeiro.

    Pena que as palavras nunca dizem tudo o que sentimos, mas fica esta prosa, que leva consigo o ritimo do Detalhes de Nós Dois, cantado pelo rei Roberto Carlos, pintada pelo mestre Malangatana. Esta carta de reconhecimento ultapassa a dimensão da obra do Dan Brown, o marximo resgatado por Lenin não chega aos calcanháres desta mensagem, feita por este pobre homem abanonado pela única mulher a quem ele não consiguiu satisfazer todos os seus desejos. Mulher que as exigências da vida a levaram para as outras terras de Moçambique. Mulher que se as forças do além quiserem voltaremos a cruzar o mesmo caminho!


    A última ejaculação!

    De: Eduardo Quive - Maputo

    Rasgado de corpo e despedaçado de coração, procurando um alívio que ultrapassa a todos de volta para mim, cercando-me os caminhas de toda a eternidade.
    Não procurara mulher, procurara um amor, não procurara sexo, procurara prazer, entre as mãos do mundo que navega oceanos cheios de ilusões e sereias enganadoras, mas que a todos atraem e seduzem.
    No escuro a minha pele gritou, todas vozes se calaram e os nossos corpos poetizaram-se entre chamas que ardiam do mais profundo da alma, nas últimas chuvas do verão.
    Dias antes, chamara-me de meu nome, mesmo na hora chamara-me paixão ou qualquer outra coisa que enchia-me de mais tesão.
    Entre os quatro cantos do mundo, transmitiram-se por nossa via, a intercessão entre o ceu e a terra.
    Nos quatro cantos do meu quarto, sob o teto de quem Deus não fez, nem diabo, nem ninguém.
    Não éramos nós.
    Fizera amor com todos os meus gostos e gestos.
    Sem olhar para mim mesmo nem para ela.
    Num autêntico vai e vem dos prazeres mais ocultos, com fama de serem bons e pecadores.
    Nenhuma mulher fizera com migo sexo igual e de igual maneira.
    Roçava-me o corpo todo e lambia-me até os cabelos.
    Molhava-me o corpo todo com o seu calor e enchiam-me de desejo aos seus gritos de satisfação e glória procurada.
    Embriagados com os nossos corpos, procurávamos o que o Adão e a Eva encontraram nas manhas da cobra maldita e rastejávamos como se fossemos a própria cobra amaldiçoada entre todos os animais selvagens, roubando-nos todos segredos e mergulhando no prazer já mais sentido.
    Gritos de satisfação e de desejo pairavam entre nós.
    Chamávamos socorros de nós próprios e evitando o pior: ejacular perante a tamanha satisfação que era sem fim.
    Foi assim a minha última noite, com a minha cama vazia, e com saudades de qualquer amor que seja.

    Rua Araújo

    De: Eduardo Quive - Maputo

    Antes dissera-se com muita fama que havia um santuário carnificínico nas manhas de Maputo, a cidade grande, onde muitos homens se encontram. Uns para melhorar a vida, outros só para viver a sabor, a frescura e desgraça que se tornou numa graça dos deuses diabólicos.
    Mas Maputo fora também cidade de mulheres, umas complementando a vida boa que os homens tanto alegavam haver no Ka Mpfumo, outras, eram mesmo a voz do sacrifício. Munidas de trouxas na cabeça, com a ponta da capulana sufocando as poucas notas que garantem o mutlutlu, para famílias numerosas.
    Rua Araújo é também Maputo. É Ka Mpfumo, também. Muitos mares desviados do trajecto desaguam lá. Rua Araújo fora uma carnificina que comia tudo quanto mulher, mas também engolia quando podia os homens sexuados.
    Xiluva também fora lá parar, na ambição da própria carne, que é fraca, mesmo com coração de pedra de tanta firmeza. Tudo duro mesmo. Como os verdadeiros Nkomanes e filhos daquelas terras fartas de desgraças deste mundo que é hoje.
    - Não se faz mais mhamaba, não se faz mais invocação aos deuses, tudo era mesmo. Tudo já era – invocam-se os adultos, na voz a sabor da dor que se exalta com a sua pele de velhos.
    Mas nem com isso. Tudo fora mesmo com outros Nhankwaves. Os verdadeiros desuses, já não existem, todos tombaram na frustração de ver os seus filhos a trocar Ucanhu, por cerveja e de a valorizarem tanto que não entornam quando escurece para dizer “cokwane Mevasse, sou eu Nambita, kanimambo vovô, por ter tirado todo mal de mim. Toma aí fole e um pouco de tontonto.” Conta a velha Xinengane, a herança do Deus me livre.
    Contara isso de propósito a D. Destina, para de seguida perguntar.
    - Kotile?
    Calasse a mulher indignada com o propósito e pertinência em que se invoca tal nome daquela que fora sua filha antes de Antoninho decidir ser vivente das minas, mulumuzana das ma zulu. Desde que fora naquele século, só manda cartas, “mas há-de morrer cedo” diz D. Destina em pensamento alto de dor.
    - É quem que vai morrer cedo?
    - Nada vovô! Nada. Não é ninguém não. – Responde com voz de ni tsikli. Na saudade da sua solteirisse, que não lhe dá o direito de justificar-se a alguém.
    Tal solteirisse se exalta em Nikotile, que vai saciando a fome masculina dos homens no Ka Mpfumo.
    Deixou-se comer na carnificina de Rua Araújo e agora só ficou com uma coisa. Tal coisa que não lhe serviria em Deus me livre, por isso embora a saudade espreitasse seu coração em nenhum momento devia para lá voltar.
    Escurece. As trevas se instalam no caos da avenida. É hora de ir a putaria.
    Nikotile, enxuga as suas lágrimas com ânimo da sua primeira actividade laboral. Sai para Rua Araújo de simples vestido de Cai-cai que ganhara de presente na única vez que cortara o bolo do seu aniversário, cinco anos antes dos 16 que já tem.
    Kotile é virgem.
    Kotile vira das mais puras donzelas da descendência dos Nkomanes, parte vizinha com outros viventes do Deus me livre, mas saíra de lá numa aventura desconhecida e de para quedas veio cair na cidade que hoje lhe oferece emprego. Emprego de impurezas. Serviço de se entregar por metical aos homens!
    Atravessa o alcatrão com chinelos de pipoca sem fazer barulho. É noite. A noite é sagrada em Nkomane. É sagrada em Deus me livre também. Por isso não pode fazer barulho. Os deuses não gostam. “A noite não é para cria”, recorda nos silenciosos passos de fé que dá até quando chega.
    Sandra. Mulher de longos anos de trabalho com larga experiência no trabalho e funcionária de muito respeito na Rua Araújo, põe-se a recebe-la com gestos de bem-vindo. De seguida, manda-a mudar de roupa. O traje não fora com o estilo de trabalho que arranjara com tanta facilidade na cidade que muitos homens sofrem para encontrar trabalho e muitas mulheres vivem de vender amendoim torrado, pão e badjia, camarão e peixe frito na rua.
    Mas Nikotile tivera sorte dos Deuses que a protegem. Teve trabalho logo-logo.
    Chega no pequeno quarto improvisado para assuntos de suprema rapidez. Estranha o cenário molhado que caracteriza o lugar. Cheiro de homem e carne fria, suor e gemidos de gente grande. Olha para outro lado e vê só camas e postes improvisados. Não tem mala com roupa. Nem mesa nem cadeira nem nada. É só cama, e cheiro de homem misturado com cheiro de carne descosida, fervida ao calor.
    Tenta controlar-se para não fazer perguntas. Mas não aguenta!
    - É aqui mesmo… – e não para de observar com estranheza.
    - Sim. Você vai trabalhar aqui. Fique feliz porque é o melhor. Muitas meninas não têm quartos por aqui e acabam tudo nas escadas emprestadas pelos guardas a cinquenta meticais por cada viagem!
    - Quer dizer que vou viajar também? – Pergunta inocentemente.
    - Menina. Você não veio aqui para brincar. É para trabalhar… e mais… viagem foi jeito de falar contigo. Toca a mexer. Manda vir o primeiro! - Grita para outro lado por onde vem um homem!

    Pequeno Glossário
    Mutlutlu – Caril (geralmente feito com maior simplicidade de ingredientes)
    Ka Mpfumu – nome tradicional da cidade de Maputo.
    Tontonto – aguardente.
    Ukanhu - Bedida de Canhu!
    Ni Tsiki – Deixa-me.
    Mulumuzana – Chefe de Família!
    Mhamba – Kuphalha – acto de invocar espírito antepassados.
    Kanimambo – obrigado

     NOTA: Parte de estórias longas que pretendo contar em completo um dia!

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