Dany Wambire - Beira/Moçambique
Eu nem conhecia
perfeitamente a Generosa Sentimento, esta que conseguia vida nos corredores de
um histórico cemitério da minha cidade. Dizia-se que a sua idade era igual a do
cemitério, que ela mesmo contribuíra para sua utilização. E como? Diz-se que a
mãe de Generosa Sentimento, a dona Derrota Mávida era de reconhecível mérito
pela sua respectiva profissão, a prostituição. Reza a história: a mais antiga
profissão da humanidade.
Sabe-se que
nenhum homem aguentava com os encantos da Dona, ou melhor da meretriz Derrota
Mávida. Na verdade, ela era esguia mais que o eucalipto, era cheirosa mais que
a roseira, ancas a se arredondarem amiúde e nádegas bem calcadas pelas
cabeceiras das calças, justas, de que ela dispunha. Enfim, era bonita e
partilhável como a melancia grande. Afinal, era o meu avô quem isto dizia:
mulher bonita é como melancia grande, ninguém a come sozinho.
Outrossim,
sabe-se que Derrota Mávida exerceu com esmero a sua não diplomada profissão de prostiputa
faz quase duas décadas, antes do trágico acidente. Falo do acidente que
deixou o seu rebento até então sem própria identificação livre dos devidos
cuidados maternos. É verdade que Derrota Mávida, tinha se decidido a nunca se
engravidar, a não ser acometida por um de percurso acidente. A querença, porém,
não frutificou: ela chegou mesmo a anichar um feto pelo ventre adentro. E,
desafiada pelo destino, a prostiputa Mávida esperou por nove meses para
que encovasse a sua própria sepultura.
Foi, no resto,
numa tarde dominical em que a prostiputa era acometida por dores fortes
de cortar à faca. De instantâneo, ela entendeu que se tratava de dores perinatais,
o bebé digladiando, quem sabe, com os guardas ventrais para sair dessa reclusão
que o amadureceu por nove meses. Bebé ingrato, nem?!
Nesse momento, a
Derrota Mávida se arremessou para um dos recantos da casa, agora cemitério, e
com os dedos foi encovando a sua sepultura antes do parto. Nunca continuava a
tirar terra quando durante a labuta de coveira avistava raiz de árvore
qualquer, pois avisada ela estava: toda raiz é sombra de um morto de perto ou
longínqua distância temporal.
Terminada a lida
de coveira, ela se colocou na imediação da sepultura, esperando pela vinda da
petiza, sem ajuda de qualquer parteira, cortando pessoalmente o umbilical
cordão. No seguido, se lançou à já feita sepultura, sendo tapada pelos
movimentos involuntários dos membros da recém-chegada petiza.
Nas seguintes
horas, pessoas muitas saíram a socorrer a bebé. Em vão. Pois a bebé já tinha
alongando os membros inferiores e superiores, já tinha apurado a fala,
autorizando, para o espanto de todos, aquele espaço a ser utilizado como
cemitério. E não houve tardança para que o cemitério ficasse quase
empanturrado. As frutíferas árvores se multiplicaram, sombreando o chão todo, e
nascia assim o negócio, o ganha-pão da Generosa Sentimento. Não raras vezes
saía a vender as frutas no maior supermercado da zona. E, também, não raras
vezes vinham pessoas a comprar as polposas frutas, mas mal viam a vendedeira, a
filha do cemitério, de imediato fingiam apenas apreciar as apetitosas frutas
das árvores do cemitério, bem estrumadas pelos abundantes mortos.
Mas era a própria
Generosa Sentimento que encontrava astúcias para o avanço do negócio,
inventando discursos que deixavam os dissimulados compradores sem jeito.
― Vocês não podem
deixar de comprar essas lindas frutas!
― Não, apenas estávamos
apreciando! ― Retrucavam os fregueses, dissimulando vontades.
― Vocês não têm
defuntos aqui no cemitério da zona?
― Temos, sim! Porquê?
― Então
vocês devem comprar as frutas! São eles que me pediram para vender essas
frutas, eles é que estão necessitando de dinheiro.
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