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    Croniconto: A vítima do feitiço


    Dany Wambire - Beira/Moçambique




    Ele foi vítima de feitiço!
    Assim estava escrito com tinta de cor rubra, tremeluzente, num papel de formato A4, que mais tarde soube-se ser certidão de óbito, esse comprovativo que os incrédulos de morte o exigem para fins diversos.
    Nessa manhã, antes da secretária Analinda Basto passar a certidão deste morto, esgaravatou tudo que a permitiria apurar as reais e leais causas da morte de Tereso Vai-vém: as receitas, os frascos de fármacos e inúmeras fichas clínicas. Em vão. Tudo vasculhado apenas explicava sintomas e sinais de nenhuma doença cientificamente conhecida. Feitiço era a causa mais provável: entendia, assim, Analinda Basto.
    Mas o doutor Arduardo Senfim mandou vir com ela, dizendo que aquilo era hipocrisia de uma enfermeira atrasada, um atentado à ciência medicinal. Como é que um paciente podia, em plena vitalidade da ciência, morrer à conta de um feitiço, uma coisa mal explicada, e se explicada, sem cabimento.
    Disso, todavia, a Analinda Basto encontrava plena explicação. Pois ela votara maior parte da sua vida ao tratamento de moléstias, simples e complexas, vulgares e invulgares. Até feitiços ela lhes dedicou tempo. Afinal, ela antes de vestir saia, blusa e sapatos brancos já se vestira de gite, essas coloridas roupas de nyangas, para enxotar mais terríveis obras de feitiçaria em molestados. Ademais, ela se formara em enfermagem não foi senão para convencionar a sua actividade, numa altura em que se empreendia esforço para desacreditar os curandeiros. Tratou-se de adaptação da profissão para sobrevivência.
    Mesmo o próprio doutor Senfim descria a doença do paciente, ora morto, ser objecto da ciência Ocidental. Médico generalista que ele era, efectuara todas as análises possíveis, conforme a evolução dos sintomas e sinais, mas o resultado das análises eram nenhumas doenças. Admoestado pela secretária Analinda a facilitar a saída do doente a uma consulta de nyanga, o doutor senfim declinou, dizendo que aquilo não existia.
    ― Isso não existe na ciência.
    ― Mas na ciência de Fim-de-Mundo existe, perseverou Analinda.
    ― Não falo dessa ciência, falo da ciência científica.
    Não fosse, enfim, a certidão de óbito ser necessitado por um exímio dirigente político do país e talvez o doutor Arduardo Senfim condescenderia a causa de morte defendida pela secretária. O pedido da certidão de óbito, decerto, era feito por um tal de doutor Jesustôvão Edmundo, grande ministro da época. Era necessário aplicar toda perícia científica para apurar a causa da morte. Mas, mesmo depois de inúmeras necropsias em hospitais vários, se conseguiu apurar a causa da morte. Foi então que o doutor Arduardo Senfim assinou a certidão já aprontada pela secretária Analinda. E antes voltou a escrever por cima da causa da morte, carregando com tinta vermelha: ele foi vítima de feitiço.

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