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    A comunicação em Angola como indicador de mudança



    Escola de Sociologia e Políticas Públicas


    Departamento de Sociologia


    Programa de Doutoramento em Estudos Africanos





    A comunicação em Angola


    como indicador de mudança


    Considerações sobre os media e a era digital,


    «soft power» e relações de poder







    © Victor Eustáquio

    Doutorando em Estudos Africanos

    Ensaio submetido no âmbito do programa de doutoramento em Estudos Africanos


    Lisboa, Março de 2011


    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Índice

    Introdução
    I. «State power», «hard power» e «soft power»
    II. Caracterização da problemática em Angola
    III. O poder e o contra-poder
    IV. O sistema dos mas media
    V. África e a globalização
    VI. A revolução digital
    VII. Sinais de mudança
    Conclusão (Linhas gerais para a operacionalização da investigação)
    Anexo: Breve história dos media em Angola até ao final da guerra civil
    Bibliografia


    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    «Torturing bodies is less efective than shaping minds»
    Manuel Castells
    «A nation can achieve its goals without tangible threats or payoffs;
    it does not rely on hard but soft power»
    Joseph Nye Jr.
    «Carrots or sticks?»
    Tysha Bohorquez

    Introdução
    A construção de um modelo de análise que nos permita compreender os indicadores de
    mudança, e antecipar os seus efeitos, não sob a perspectiva do poder (sem contudo
    afastá-lo), mas através das mensagens que circulam pelo sistema de comunicação de
    massas, que tem estado a ser desenhado na sociedade angolana, pode apresentar-se
    como uma ferramenta multidisciplinar inovadora (enquanto aplicada em contexto
    africano, já que estão a ser feitos alguns estudos sobre o assunto, particularmente nos
    Estados Unidos, na área da quantificação do poder dos Estados, do capital transnacional
    e inclusive dos chamados «non-state actors» – NSAs) com vista a medir o exercício do
    «soft power» no país. É que identificar a forma como se estrutura, as motivações, os
    autores e os destinatários desse «soft power» através das manifestações inscritas no
    sistema de mass media (SMM), mais não é do que estabelecer uma matriz quantitativa e
    qualitativa de possibilidades para as trajectórias das mudanças sociais, políticas,
    económicas e culturais de Angola.
    É certo que esta análise deve ter em conta tanto os constrangimentos da própria noção
    de «soft power» (abordados na secção I) como a relação entre poder e contra-poder
    (tema desenvolvido na secção III), na medida em que qualquer sistema de poder
    institucionalizado é um processo de dominação que reflecte uma pluralidade de actores
    sociais em conflito. E essa conflitualidade faz avultar a importância da legitimidade do
    poder; mas é um processo que depende da comunicação, uma vez que é dela que
    decorre a capacidade de influenciar e mobilizar os actores sociais 1.


    1
    O tema é desenvolvido por José Jorge Barreiros em «Públicos, Media e Vida Pública», Dissertação da
    Tese de Doutoramento em Sociologia, ISCTE/IUL, Lisboa, 2010.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Neste quadro, sendo o SMM – contextualizado no âmbito da globalização e da revolução digital, na perspectiva particular do seu impacto em África – o canal principal  de comunicação entre o sistema político e os cidadãos (agora tendencialmente mais olhados como "net-izens" do que como "citizens"), a análise da forma como o mesmo se estrutura e das mensagens que emite conduz-nos à captação dos sinais de mudança.
    A compreensão destes sinais deve corresponder ao desafio formulado por Castells (2007, 2009) 2 quando se refere à nova etapa da enorme batalha que a Humanidade tem travado,
    nomeadamente a transição da «battle over the minds» para a «struggle to free our minds».
    Para desenvolver esta problemática no seio da sociedade angolana, e sem perder de vista
    quer o contributo epistemológico sobre as teorias da comunicação e informação quer os constrangimentos inerentes à complexa tarefa da definição de poder – que coloca um dos mais difíceis e controversos problemas às ciências sociais, extrapolando aqui as   preocupações manifestadas por Morgenthau (1963)3 ao aludir, particularmente, ao poder  político (indissociável de qualquer manifestação de poder) – começámos por (i) abordar
    a noção e as tipologias do «soft power», por referência ao «State power» e oposição ao
    «hard power», bem como a discussão que lhes está inerente no campo da acção política,
    financeira, económica, cultural e social; (ii) analisar as relações entre poder e contra- poder (iii) e as manifestações dessa conflitualidade no SMM; (iv) recuperar a discussão
    “vinda de fora” e a “vinda de dentro” sobre o impacto da globalização e da revolução digital em África; (v) rever de forma breve a história dos media em Angola até ao final
    da guerra civil e (vi) tecer algumas reflexões empíricas sobre a reconfiguração do SMM – que se começou a registar a partir dessa “ruptura histórica” com a morte de Jonas Savimbi – no quadro da actual emergência do país como um importante actor regional,
    com funções directórias na África austral.
    Reclamamos aqui a importância da percepção da história dos media que nos conduz ao
    SMM, e à sua presente e permanente reconfiguração, à luz da preocupação


    2
    Castells, Manuel, «Communication, Power and Counter-power in the Network Society», in International
    Journal of Communication 1, pp 238-266, Los Angeles, 2007; e Id., «Communication Power», Oxford
    University Press, Oxford, 2009.
    3
    Morgenthau, Hans J., «Politics Among Nations: The Struggle for Power and Peace», Alfred A. Knopf,
    Nova Iorque, 1963.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    epistemológica formulada por Hountondji (2008) 4, segundo a qual o presente – os  fenómenos sociais, políticos e económicos da actualidade – decorre, directa ou indirectamente, da compreensão do respectivo passado; e a lógica dos mesmos acontecimentos actuais remete para a necessidade da compreensão do passado.
    Numa frase, «a sincronia remete para a diacronia e vice-versa». Nestes termos, e perante um  corpo teórico em conformidade, este empreendimento afigura-se como essencial enquanto ponto de partida para a delimitação do campo de estudo e a definição das dimensões e variáveis metodológicas a ter presentes na construção do modelo de análise acima proposto.
    Finalmente, e ainda a título de comentário preliminar, sublinhamos que a ideia de tentar operacionalizar a análise desta problemática decorre de uma inquietação central, nomeadamente a de averiguar as razões pelas quais Angola tem mostrado ter uma considerável capacidade de atracção de investimento estrangeiro no seu SMM interno,
    investimentos que têm sido incorporados, porém, na despesa pública do Estado no
    sector. Por outras palavras, os capitais captados no exterior não têm tido uma repercussão de proporcionalidade na política de controlo praticamente monopolista dos
    media por parte do Estado angolano, o que sugere a possibilidade de parcerias estratégicas internacionais com trajectórias por identificar e, ao mesmo tempo, a
    eventualidade de um reforço do exercício do «soft power» que visa mudanças
    igualmente com trajectórias por identificar.

    I. «State power», «hard power» e «soft power»

    O «soft power» define-se pela oposição ao «hard power», ou seja, pela possibilidade de
    dois pólos no exercício do poder: a atracção e a coacção. Contudo, embora a ideia de
    oposição seja útil para a percepção do conceito, na prática pode ser falaciosa uma vez
    que consideramos que falar de «soft power» por referência ao «hard power» não implica
    uma verdadeira oposição mas, ao invés, um quadro de conflitualidade, isto é, de
    distinção entre duas tendências dominantes de acção que visam efeitos que não são
    necessariamente diferentes.

    4
    Hountondji, Paulin J., «Conhecimento de África, conhecimento de Africanos: Duas perspectivas sobre
    os Estudos Africanos», in Revista crítica de ciências sociais, pp. 149-160, Coimbra, 2008.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Se entendermos o poder como a capacidade de um actor social impor a sua vontade sobre outro ou outros actores sociais, concretizando-a, regra geral, num sistema
    institucionalizado (como veremos mais em pormenor na secção III), o que passa a estar
    em causa é a forma como essa capacidade se estrutura e manifesta, porquanto persegue
    um objectivo comum: a imposição de uma determinada vontade.
    Este postulado, defendido pela primeira vez em 1990 pelo politólogo Joseph Samuel
    Nye, Jr.5, da Universidade de Harvard, inicialmente para designar a tendência da inflexão estratégica neoliberal na política externa dos Estados Unidos (expressão que se tornou popular entre os membros da administração Clinton e, mais recentemente, da administração Obama, acabando inclusive por ficar conhecida como «smart power»)
    tem várias implicações.
    Num primeiro passo, obriga a situar o conceito de «soft power» no campo da acção política e, por conseguinte, no do «State power». Deriva daqui a noção mais amplamente divulgada (embora mereça algumas reservas epistemológicas e cautelas  diversas quando extrapolada para o todo da realidade social) de que se trata, portanto, de uma distinção entre (1) a persuasão dura, regra geral pela via militar ou económica, que constrói no outro actor ou actores sociais a representação de um poder repressivo, o «hard power»; e (2) outros mecanismos alternativos de influência, mais suaves, que visam construir no outro actor ou actores sociais a representação de um poder atractivo, favorável, exemplar, passível de aceitação e até de replicação.
    O processo de “plantar” uma ideia num sujeito fazendo-o acreditar que é sua e levando-
    o a agir de acordo com os objectivos traçados pelo autor da “plantação” da mesma, tema
    central do filme «Inception», escrito e dirigido pelo cineasta britânico Christopher
    Nolan (2010)6, pode ser um bom exemplo, não obstante ser ficcional, do que está subjacente ao «soft power». De resto, não deixa de ser curioso o argumento aduzido pelo intelectual comunista francês Regis Debray 7(2004, 2009), segundo o qual

    5
    Nye, Joseph S., Jr., «Bound to Lead: The Changing Nature of World Power», in Political Science
    Quarterly, Vol. 105, no. 2, 1990.
    6
    Nolan, Christopher, «Inception», original screenplay, Warner Bros. Pictures, EUA, 2010.
    7
    Citado por Ahearne, Jeremy, «Cultural policy explicit and implicit: a distinction and some uses», in
    International Journal of Cultural Policy, Vol. 15, No. 2, May 2009, pp. 141–153.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    «Hollywood would be a more powerful global influence for America than the Pentagon
    or the CIA ever hoped to be».
    Sem querer antecipar a dicusssão das modalidades ou tipologias de «soft power«, concretizemos apenas com Bohorquez 8 (que analisa o trabalho de Joseph Nye Jr., o
    pioneiro do conceito): «From McDonald's to Hollywood movies, to the heavy U.S. flavor of the Internet, US culture has influence worldwide. Also relevant to the concept of “soft power” is the lure of the U.S. style of government, widely esteemed for its freedoms and for the opportunity it offers immigrants».
    Em sentido oposto, e novamente apenas para citar um outro exemplo divergente, que justifica desta vez o «hard power», recuperamos as palavras de Mario Vargas Llosa
    (2010). «A independência nunca é concedida a bem. Tem de ser arrancada através de
    uma acção política e militar, à custa de grandes sacrifícios e heroísmos. Assim conseguiram a sua emancipação todos os povos livres da Terra», escreveu o autor
    peruano em «O Sonho do Celta» 9.
    Perante isto, aceitar a noção de «soft power» significa subscrever o princípio de que o poder é mensurável através das variações da escala de intensidade com que se manifesta, tendo como denominador comum a persuasão. Dito de outra forma, esta intensidade pode ser medida pelos meios de persuasão usados, os meios a que se recorre para influenciar os outros em função dos resultados que desejamos obter.
    É o que tem sido feito com o «State power», embora esta evidência coloque de imediato
    um problema: se a análise do poder conduz-nos à dinâmica dos processos de mudança social, cultural, económica e política, a noção tem de ser ampliada no sentido de abarcar
    o todo social, algo que nem o «State power», nem o «soft power» parecem ser capazes de fazer, considerando a pluralidade de actores sociais em conflito e a complexidade das relações de poder que envolvem os NSAs (isto é, todos os actores e manifestações de poder que não têm o Estado como epicentro, que se movimentam a jusante dos


    8
    Bohorquez, Tysha, review of Joseph Nye Jr.'s Soft Power -The Means to Success in World Politics,
    UCLA International Institute, Los Angeles, 2005.
    9
    Llosa, Mario Vargas, «O Sonho do Celta», Quetzal Editores, Lisboa, 2010.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    constrangimentos formais do Estado, ou seja, das fronteiras geográficas que ditam os limites da soberania nacional).
    Daí que haja alguns autores, como Barry Hughes 10 (o pioneiro do IFs, uma aplicação
    informática de simulação estatística de sistemas globais usada em pesquisas demográficas, económicas, etc.), que preferem usar a expressão «softer forms of power», em prejuízo do «soft power», justamente para integrar a problemática dos NSAs e também o papel desempenhado pelos chamados «softer elements of power», como a cultura, ou no limite, as ideias „plantadas pela difusão de determinadas correntes culturais. É comum estabelecer aqui uma distinção entre os NSAs, enquanto actores sociais, e escalas de valores e normas transnacionais (que concorrem também para o sistema global de «soft power»).
    A discussão iniciada por Tellis (2000) 11 e os seus colegas do RAND 12 permite sistematizar melhor a questão. Este investigador defende que o «State power can be conceived at three levels: (1) resources or capabilities, or power-in-being; (2) how that
    power is converted through national processes; (3) and power in outcomes, or which
    state prevails in particular circumstances».
    Ainda de acordo com Tellis, o desenvolvimento e a aplicação de sistemas de medição sobre o poder de cada Estado obriga, em primeiro lugar, a olhá-los como “recipientes de
    capacidade”. Segundo o autor, essas capacidades podem ser definidas através de oito dimensões críticas 13:


    10
    Hughes, Barry, «International Futures Simulation», Manual and Technical Document, Iowa City, 1982
    (Microcomputer version, 1985).
    11
    Tellis, Ashley J., Bially, Janice, Layne, Christopher & McPherson, Melissa, «Measuring National
    Power in the Postindustrial Age», RAND Corporation, EUA, 2000.
    12
    13
    Tellis et al., 2000 (op. cit.)

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    No entanto, estas capacidades (demográficas, económicas e tecnológicas) só se manifestam na escala do poder, tonando-se mensuráveis, através de um processo de conversão. Na prática, o desafio reside na capacidade dos Estados em converter os seus recursos em instrumentos de eficácia e eficiência; ou seja, transformar os recursos em
    resultados; criar e ampliar a disponibilidade do poder. Daí que a natureza da gestão política das oito dimensões críticas acima identificadas determina o índice de disponibilidade do poder de um Estado, o seu poder real e efectivo, o que remete para a
    lógica do «hard power».
    Sem querermos alongar muito a questão, vale a pena referir, ainda assim, para verificar
    da aplicabilidade prática deste modelo de análise, um estudo de 2005 do Strategic Assessments Group (SGA), desenvolvido no seio da RAND com o apoio do tratamento
    de dados do já citado IFs, que lançou projecções sobre a estrutura do sistema internacional em 2015, isto é, a 10 anos de distância.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Segundo esta pesquisa 14, assente nas dimensões críticas conceptualizadas por Tellis, em
    2005 os Estados Unidos detinham 20 por cento do poder global e a União Europeia (considerada como um único actor) cerca de 14 por cento. A Índia foi listada com nove por cento, enquanto o Brasil, Coreia do Sul e a Rússia com dois por cento cada. Em 2015, estima aquele estudo, os Estados Unidos ficarão com o mesmo poder (apesar das variações de subida e descida ao longo dos 10 anos), enquanto a UE irá perder definitivamente alguns pontos percentuais a favor da China e da Índia.
    Interessante, mas redutor. A crítica já havia sido feita por um dos relatores deste estudo,
    reafirmando que o modelo é eficaz mas capta apenas a perspectiva do «State power», que está longe de corresponder às mudanças registadas entretanto no sistema internacional do poder. Segundo Treverton (2001) 15, existia uma relação estreita entre o «State power» e o «hard power», mas fenómenos como a globalização e a revolução digital, que puseram em evidência a transnacionalização, sobretudo pela reconfiguração dos mecanismos da reprodução do capital (agora livres dos constrangimentos das fronteiras geográficas), conduziram à necessidade de uma reavaliação da noção proposta por Nye (1990), o «soft power», a qual nem sequer parece ser suficiente para explicar ou caracterizar a acção de todos os novos NSAs. O que nos leva a recuperar mais uma vez a expressão «softer forms of power».
    Vejamos as preocupações de Treverton: «Each of the ten largest corporations in the world has a yearly turnover larger than the GNPs of 150 of 185 United Nations (UN) members, including such countries as Portugal, Israel, and Malaysia. More subjectively,
    at least 50 NGOs have more legitimacy than 50 UN member nations 16». Mas Treverton
    vai mais longe, chegando finalmente aquilo que nos parece ser o essencial de todo este debate: «Yet how should those actors power be conceived, let alone measured? As a first cut, might the state framework of strategic resources, conversion, and power instruments be useful, even if the items in that framework were very different – members, not armies; legitimacy, not foreign aid?»


    14
    Treverton, Gregory F., Jones, Seth G., «Measuring National Power», in relatório da RAND Corporation
    (National Security Research Division), EUA, 2005.
    15
    Treverton, Gregory F., «Reshaping National Intelligence for an Age of Information», Cambridge
    University Press, Cambridge, 2001.
    16
    Treverton, 2001 (op. cit.)

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Fica claro que, para Treverton, as virtudes do modelo de análise desenvolvido por Tellis
    e os seus colegas da RAND, em parceria com Hughes, permanecem válidas, mas o  desafio agora é outro, tendo em conta que os Estados passaram a ter outros competidores que, com eles, rivalizam na luta pelo espaço do poder global. Como captar variáveis estruturais diferentes, que não correspondem às oito dimensões críticas do «State power» cuja gestão determina o índice de disponibilidade do poder?
    A emergência dos NSAs, que actuam num espaço transnacional, bem como do conjunto
    de novas escalas de valores e normas, difundidas de forma global assumindo igualmente
    um carácter transnacional, põem em evidência vulnerabilidades diferenciadas entre os Estados tradicionais e novos constrangimentos à actuação destes, que dificilmente encontram legitimidade internacional para o uso do «hard power».
    De resto, estas novas forças transnacionais, enquanto actores sociais, são tanto legítimas
    (como os poderosos grupos financeiros internacionais) como ilegítimas (de que são exemplo as organizações terroristas e criminosas). E, por vezes, é difícil encontrar uma linha que as separe. Acresce à acção destes novos actores, a mudança estrutural imposta pela difusão de novos valores e normas, que tendem, nalguns casos, a institucionalizarem-se como uma espécie de regimes virtuais.
    Treverton (2005) aponta dois exemplos: a defesa de um “novo regime democrático” terá
    mais impacto num país como a Síria do que na Dinamarca; o Fundo Monetário Internacional (FMI) terá mais influência nos países pobres do que nos ricos. Quer isto dizer que os novos actores e forças transnacionais inscrevem uma nova lógica no sistema de poder global. O que faz avultar a importância do «soft power» nas relações de poder, uma vez que se apresenta de forma estrutural (potenciada pela condição de um Mundo ligado em rede) e, logo, impossível ou extremamente difícil de ser manipulado pelos Estados tradicionais. Resta portanto a estes últimos incorporar a mesma dinâmica de persuasão.
    Com o «hard power» obrigado a ser posto de lado neste novo paradigma (a não ser que os poderes tradicionais enfrentem ameaças tradicionais), a conclusão é evidente: «Soft power results from what states and non-state actors do and from the structural forces in
    the system» (Treverton, 2005). É que, tal como sublinha Nye (1990), é mais eficaz o

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    poder da atracção («soft power») do que o poder da coacção («hard power»),
    coincidindo com a intuição de Castells (2009): «Torturing bodies is less efective than shaping minds».
    Voltemos às preocupações de Treverton: como incorporar os NSAs e os valores transnacionais nas contas do poder global? Como medir variáveis estruturais diferentes
    das do «State power»?
    Vários autores defendem que não é uma tarefa fácil, mas existem alguns mecanismos, como a análise dos conteúdos dos media. Tal como sublinhámos logo no início deste
    ensaio, as mensagens que circulam pelo SMM interno de um país, indexadas por frequências em função de uma codificação prévia de dimensões e categorias, pode fornecer indicadores valiosos para a construção de um modelo de análise que vise inferir de forma operacionalizada as trajectórias do «soft power», quer por parte do Estado quer por parte dos NSAs. Voltaremos ao assunto.
    Para já, vejamos a tipologia proposta por Treverton (2005) 17 relativa à distinção entre categorias, formas de actuação e constrangimentos dos NSAs, com particular atenção nos possíveis mecanismos de medição do poder que estes conquistaram aos Estados tradicionais:


    17
    Treverton, 2005 (op. cit.).

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    O quadro é complementado com algumas considerações finais de Treverton. Além da
    anáilise directa, como o exemplo dado acima sobre os conteúdos dos media, este investigador deixa no ar uma outra possibilidade; uma forma indirecta de medir a influência dos NSAs partindo da análise de pelo menos seis questões que, segundo o autor, parecem contribuir para a redistribuição de poder do Estado pelos NSAs.

    1. Acesso à informação: Verificação da erosão do monopólio do Governo
    2. Velocidade de reacção: Os mercados financeiros reagem em segundos; os
    Governos demoram mais. A tecnologia da informação contribui para uma deslocação da acção dos Governos a favor de organizações mais ágeis?
    3. Novas vozes: O processo de criação de novos meios e canais de informação e novas vozes credíveis fez com que a voz mais alta, a do Governo, se tornasse menos dominante?
    4. Consultadoria mais barata: Qual o nível de largura de banda e os custos das comunicações? Tornaram-se mais rápidas e baratas, permitindo uma coordenação entre grandes grupos separados fisicamente?
    5. Mudança rápida: Os Governos, por natureza, são mais propensos a manter o status quo do que a mudança, pelo que os NSAs oferecem por defeito novas ferramentas mais atractivas.
    6. Alteração dos limites no tempo e no espaço: São as tecnologias de comunicação que estão a conduzir a mudança, assim como a invenção da imprensa alterou o papel da Igreja enquanto intermediária entre as pessoas e Deus?

    II. Caracterização da problemática em Angola

    «As novas tecnologias em Angola estão em grande expansão e brevemente todo o país está servido com fibra óptica. A Internet está disponível em todo o país e milhões de jovens têm essa ferramenta à disposição para os seus trabalhos escolares e académicos ou simplesmente para o lazer. Um país que há oito anos estava destroçado pela guerra e hoje desenvolve numerosos projectos no âmbito das tecnologias da comunicação está seguramente a trilhar os caminhos da modernidade e do progresso», escreveu o «Jornal

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    de Angola», no seu editorial não assinado no dia 10 de Março de 2011 18. O itálico é nosso.
    De que trata este artigo? Apesar de parecer sugestivo, o título acaba por nos induzir em erro – «Angola e as redes sociais» – mas o texto fornece sinais de algumas questões inquietantes que são, de resto, as que perseguimos neste ensaio. Vejamos alguns deles.
    «As chamadas redes sociais na Internet são importantes até para a circulação da informação. Mais do que nunca a informação é a vida e nada existe sem informação. O problema é quando esse bem vital nos é servido deturpado, manipulado segundo interesses inconfessáveis e sem a chancela de rigor e objectividade que distingue a informação da propaganda (…) Se formos à Internet encontramos milhares de mensagens de angolanos apoiando a paz e a reconstrução nacional. Mas a comunicação social do Ocidente só tem olhos para as mensagens de minorias sem expressão. Ou tem como fonte segura “blogues” ou “sites” que desvirtuam a realidade, mentem, lançam calúnias e insultos, confundem informação com propaganda (…) Em Angola as tecnologias de informação, a fibra óptica, as comunicações móveis e todos os sinais de progresso e modernidade que registamos, só podem mesmo servir para cimentar o progresso e para todos termos uma vida melhor. Mas é preciso fechar as portas aos que se servem de ferramentas importantes para destruir os ganhos da paz e aniquilar a nossa democracia».
    O itálico volta a ser nosso como sugestão de reflexão sobre o nos parece ser essencial na problemática aqui levantada. Se expurgarmos o tom inflamado e exacerbado e a notória militância pró-governamental do discurso, torna-se evidente que esta publicação, em rigor um instrumento de comunicação de massas (Castells, 2007, 2009) 19, por sinal o mais influente na Província de Luanda, de acordo com dois estudos recentes – o AMPS Angola – feitos pela Marktest Angola 20, está a posicionar-se perante um fenómeno que
    remete para o que Castells (2007, 2009) 21 defende como sendo a batalha mais importante travada pela sociedade, «the battle over the minds of the people». Por outras


    18
    19
    Castells, op. cit.
    20
    AMPS
    -
    All Media and
    Products Study
    (2007,
    2008)
    ver
    os
    links
    consumo-de-media-em-angola
    21
    Castells, op. cit.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    palavras, os efeitos da comunicação socializada, que obriga a equacionar a forma como se processa a capacidade de exercer influência sobre as mentes das pessoas.
    Concretizando, trata-se da problemática da comunicação e do paradigma da modernidade no seio da qual a comunicação se processa, por força de um conjunto complexo de novos instrumentos e ferramentas desenvolvidas pelo (e para o) fenómeno da globalização e da era digital; dinâmicas e processos multidimensionais de integração e desintegração nas sociedades contemporâneas (com trajectórias de complementaridade mas também de fragmentação e alienação social). Numa frase, a problemática da comunicação enquanto componente do chamado «soft power» e indicador/barómetro da mudança (Barreiros, 2011) 22.
    Convém fazer desde já, porém, um breve parêntesis para sublinhar que, tal como propõe
    Barreiros, sendo a informação e a comunicação bens públicos, recursos de interesse comum que dizem respeito a todos e a cada um dos cidadãos, as noções de informação e comunicação tendem a surgir associadas, muitas vezes consideradas como se o seu significado fosse semelhante. «Interessa precisar que se trata de duas dimensões, que evoluindo usualmente, de „mão dada, possuem sentidos próprios diferenciados, complementares na respectiva conjugação (…) De modo simplificado, a relação entre informação e comunicação pode enunciar-se na afirmação: a comunicação é um processo do qual a informação é o conteúdo» (Barreiros, 2011).
    Quanto ao particular da globalização, é interessante aludir à proposta feita pelo economista nigeriano Ibi Ajayi que defende, seguindo o pensamento de alguns outros
    autores, que não se trata de um fenómeno novo 23. Com efeito, este investigador africano identifica pelo menos três etapas do mesmo: 1870-1914; 1945-1980; e desde 1980 até ao presente. Convém referir, porém, que este postulado depende da forma como cada um entende e explica a globalização, já que a respectiva definição conceptual está longe de ser pacífica. Ainda assim, não parece ser desajustado afirmar que, no caso de África, registaram-se, com efeito, contactos e interacções com outros continentes, particularmente com a Europa e as Américas desde o século XV.


    22
    Barreiros, José Jorge, «Media, Comunicação, Modernidade e Globalização: Questões
    Contemporâneas», Seminário do programa de doutoramento em Estudos Africanos, ISCTE/IUL, Lisboa,
    2010.
    23
    O tema foi desenvolvido no ensaio «Globalization and Equity in Sub-Saharan Africa: The myth and the
    reality» apresentado no 4º encontro anual da Global Development Conference on Globalization and
    Equity, no Cairo, em Janeiro de 2003 (www.equinetafrica.org/bibl/docs/AJAequity_200307.pdf).

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    III. O poder e o contra-poder

    É historicamente consensual, mesmo de forma empírica, que a comunicação e a informação têm sido fontes essenciais do poder e contra-poder no quadro dos processos de mudança social, cultural, económica e política em todas as sociedades. Tal como sublinha Castells (2007) 24, «torturing bodies is less efective than shaping minds».
    Se entendermos que o poder é a capacidade estrutural de um actor social impor a sua vontade sobre outro ou outros actores sociais (concretizando-a, regra geral, num sistema institucionalizado), e, por oposição, o contra-poder como a capacidade do actor social em resistir ou desafiar as relações de poder institucionalizadas, podemos concluir que todos os sistemas de poder institucionalizados são processos de dominação com um elevado carácter de conflitualidade, uma vez que reflectem valores e interesses opostos e uma pluralidade de actores sociais em conflito. Dito de outra forma, o poder encontra os seus limites na negociação com o contra-poder.
    E sendo o poder a matriz da dominação, o que o obriga a institucionalizar-se como sistema, para sustentar esse carácter de imposição de uma vontade num quadro de conflitualidade, o próprio processo de institucionalização atribuiu ao poder uma natureza eminentemente política.
    Esta conflitualidade que se inscreve estruturalmente nas fontes e nas manifestações das relações de poder faz avultar a importância da sua legitimidade. Neste contexto, a negociação entre o poder e o contra-poder – em busca de legitimidade como base de apoio para a imposição de uma vontade ou, por oposição, para os processos de resistência e desafio a essa imposição estrutural – faz avultar igualmente a importância da comunicação e da informação.
    Perante este postulado, que nos leva a considerar que a comunicação é a componente essencial para a percepção e afirmação das relações de poder – com uma natureza eminentemente política, sublinhamos, a partir do momento em que se institucionalizam – a comunicação de massas e, por conseguinte, os media, transformam-se no modelo de representação mais perceptível da negociação entre o poder e o contra-poder (reflectindo a referida pluralidade de actores sociais em conflito).


    24
    Castells, op. cit., pp. 238.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    E mais: os media não só reflectem a conflitualidade; eles próprios oferecem o espaço onde decorre essa conflitualidade, ao mediatizá-la.

    IV. O sistema dos mass media
    Este processo tem várias implicações, recuperando o ponto de partida proposto por
    Castells (2007), designadamente o princípio do «power making by mind framing» 25.
    Se o exercício do poder é um processo que depende da comunicação, na medida em que
    a sua legitimidade e o confronto com o contra-poder decorrem da capacidade de influenciar e mobilizar os actores sociais (pelo pensamento), a política depende dos meios de comunicação social. Significa isto que o SMM é o canal principal de comunicação entre o sistema político e os cidadãos. É que onde não existe media, não existe consciência pública. Logo, uma mensagem política tem de ser necessariamente uma mensagem dos media.
    Entendemos este sistema (SMM) como o conjunto de todos os meios e tecnologias de comunicação de massas, incluindo a Internet (e todas as suas ferramentas de comunicação em rede horizontal), a imprensa escrita, a rádio e a televisão, bem como as organizações e entidades que detém os mesmos, tal como define Pieter J. Fourie 26.
    É à luz desta evidência que decorre a necessidade da análise de fenómenos como a estatização e instrumentalização dos media, enquanto veículos de propaganda, associados noutra perspectiva à contra-informação, e ainda, num quadro mais sistémico, às tendências de monopolização do próprio SMM (embora aqui a discussão deva ser feita de forma muito mais abrangente ao envolver a componente da era digital e a complexidade dos fenómenos que lhe é inerente).
    É que por muito que se defenda a função de «gatekeeper» no quadro dos critérios deontológicos, que o jornalista reclama ser o princípio que norteia o seu trabalho, os media inscrevem-se numa lógica de mercado enquanto «corporate and business media» - projectos de investimento que procuram o lucro – o que os remete para uma lógica de poder, no âmbito da conflitualidade que temos vindo a referir.


    25
    Castells, op. cit., pp. 238.
    26
    Fourie, Pieter J., «Media Studies: Media History, Media and Society», Vol 1, 2ª edição, Juta, Cidade do
    Cabo, 2007.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Não entender a complexidade desta dinâmica significa remeter todo o processo de análise para uma dimensão manifestamente redutora, incapaz de explicar as relações transversais que se estabelecem pela diversidade de «actores, papéis e lugares sociais envolvidos e os diferentes planos de implicações e responsabilidades próprias, bem como os equilíbrios, ou desequilíbrios, que por esta via se repercutem na vida pública cívica e política» (Barreiros, 2011).
    E é justamente nesse quadro, o da conflitualidade, ou, por outras palavras, o da pluralidade de actores sociais em conflito, porquanto é o que nos interessa para este ensaio, que reside o grande desafio. Como identificar e caracterizar os factores de mudança na sociedade através dos sinais dados pelo SMM? Como identificar e caracterizar as tendências que orientam o exercício do «soft power» através das suas manifestações no SMM? E, finalmente, de que forma podemos usar os resultados obtidos com vista a contribuir para uma possível nova etapa da enorme batalha travada pela sociedade, nos termos postos por Castells (2007, 2009), que aqui tanto temos citado, ao referir-se à «battle over the minds of the people», uma nova etapa que o autor designa como «the struggle to free our minds» 27?
    Parte da resposta foi já dada na secção I. Com efeito, o modelo de análise construído por
    Tellis (2000) para medir o «State power» mantém-se válido para abordar o «soft power». O que muda, tal como preconiza Terverton (2005), são as variáveis estruturais inscritas no sistema de poder global com a emergência dos NSAs e das novas escalas de valores e normas, em movimento num espaço transnacional. De resto, o mesmo investigador deixa algumas pistas para uma observação directa ou indirecta.
    O único argumento novo a aduzir é que esta problemática situada em contexto africano coloca questões adicionais de natureza epistemológica, devido à dinâmica da epistemologia das várias ciências sociais quando têm o continente africano como objecto de estudo, o que obriga a uma revisão da tensão epistemológica entre africanismo e estudos africanos 28 e a muitas cautelas na abordagem metodológica num país que ainda conserva vivos os traços de tensão da longa guerra civil pós-colonial (1975-2002) em que esteve envolvido. Por outras palavras, investigar uma problemática tão sensível como conteúdos informativos, que implica paixões exacerbadas no


    27
    Castells, op. cit., pp. 259.
    28
    Desenvolvemos o tema no ensaio «Da tensão epistemológica entre africanismo e estudos africanos»,
    submetido no âmbito do programa de doutoramento em Estudos Africanos, ISCTE/IUL, Lisboa, 2011.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    confronto entre a instrumentalização e a liberdade de expressão, é passível de um acolhimento no terreno com uma elevada carga de hostilidade. Tanto mais que o fenómeno da sociedade de informação não foi recebido em África de forma consensual.
    Bem pelo contrário.
    Com efeito, a globalização e a revolução digital, uma “invenção” do Ocidente, tem produzido profundos efeitos adversos em África, em particular na África subsariana.
    Além da reavaliação dos modelos teóricos de comunicação e informação, devido ao forte impacto que tem tido no SMM e, por conseguinte, na manifestação do «soft power» e nas relações de poder, o fenómeno tem dividido as elites africanas pela forma diversa como encaram este paradigma, cuja génese é claramente exógena em relação ao continente africano.

    V. África e a globalização

    A globalização não tem uma definição nem um alcance unânime, como apontámos
    Acima 29, embora haja algumas convergências de pensamento que, aliás, remetem o fenómeno para uma indissociabilidade da revolução digital.
    Ainda assim, Apolo Nsibambi, um africano com uma notável carreira académica e política, tendo assumido funções desde Abril de 1999 como Primeiro-Ministro do Uganda (2001) 30, um intelectual que reflecte em particular sobre o impacto da globalização em África, sublinha um aspecto que nos parece interessante pela profunda dissonância em relação ao conjunto das mais variadas explicações que têm sido propostas: o fenómeno não está livre de interesses de grupos internacionais dominantes, não é inocente nem se trata de um processo de autodeterminação (opondo-se aqui, supomos nós, à ideia mais ou menos generalizada de que na chamada «aldeia global» cada um é livre de determinar o seu papel como actor social na medida em que, com as novas tecnologias e um processo de integração global multidimensional, foram superados vários constrangimentos de natureza territorial e normativa).
    Nsibambi (2001) considera que a globalização é um processo social, político e económico internacional com objectivos de ingerência cultural (no sentido da tentativa


    29
    Ajayi, op. cit.
    30
    Nsibambi, Apolo, «The effects of globalization on the state in Africa: Harnessing the benefits and
    minimizing the costs», comunicação apresentada na Assembleia Geral das Nações Unidas na II
    Conferência Panel Discussion on globalization and the state, Nova Iorque, Novembro de 2001.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    de abolição/supressão ou, pelo menos, da reconfiguração de determinadas estruturas étnicas, culturais e linguísticas preexistentes em África) impulsionado por “agendas” políticas de Estados poderosos e grandes multinacionais com vista a implantar e desenvolver o seu modelo de poder económico, político, tecnológico e militar, numa lógica competitiva de dominação e influência no Mundo.
    O nigeriano Uwaezuoke Precious Obioha, da Universidade Olabisi Onabanjo, na cidade de Ago-Iwoye, situada no Estado de Ogun no sudoeste do País (uma área de clivagens entre católicos e muçulmanos), tece as mesmas críticas, sustentando a tese de que a globalização é comparável ao colonialismo pela aculturação forçada que lhe está subjacente, qualificando-a como um conjunto de estratégias que visam apenas o atrofiamento do património cultural africano. «This cultural contact has brought about a forced acculturation that has left the rich cultural heritage of Africa in a precarious condition of imminent extinction 31». Kwame (2010) 32, que reflecte sobre a mesma problemática, relacionando-a, porém, com um estudo aprofundado sobre as diferentes noções e dinâmicas de cultura, num contexto em ambiente colonial e pós-colonial, opta pelo relativismo para afirmar que a cultura não é um património estático. Pelo contrário, trata-se de um processo em contínua mutação (recorrendo aqui a Fridah, 1998) 33, o que significa que certos aspectos culturais de alguns grupos étnicos deixaram de ter lugar na sociedade moderna, mesmo em benefício dessas etnias, considerando o status de desenvolvimento actual. Na mesma linha de pensamento, Baffoe (2005) 34 identifica determinados mitos e tabus em muitas áreas rurais da África subsariana que foram necessários para regular a vida das comunidades locais até a um determinado nível de desenvolvimento. Mas os tempos mudam, como devem mudar agora os modelos de poder simbólico (entendido aqui segundo a definição dada por Bourdieu, 1989 35) em que assentava a regulação da vida social dessas comunidades. Jeremy (2004) 36 concretiza ao preconizar a ideia de que a globalização não é uma declaração de guerra às culturas mais tradicionalistas.


    31
    Obioha, Uwaezuoke Precious, «Globalization and the future of African culture», Philosophical Papers
    and Reviews, Vol 2(1), pp 1-8, Ago-Iwoye, 2010.
    32
    Kwame, Yeboah, «The Impact of Globalization on African Culture», University of Southern Denmark,
    Odense, 2010.
    33
    Fridah, M.M, «The effects of globalization on African culture in the eyes on an African Woman»,
    World Council of Churches, Genebra, 1998.
    34
    Baffoe, M., «These obsolete customs and traditions must be scrapped!», Gana, 2005.
    35
    Bourdieu, Pierre, «O Poder Simbólico», Difel, Lisboa, 1989.
    36
    Jeremy, S., «Localizing cultures», Korea Herald, jornal diário, edição de 13 de Janeiro, Seul, 2004.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    desvantagens e ameaças (como acima foram identificadas), mas também muitos benefícios, de que é exemplo o desenvolvimento da medicina para o combate a muitas doenças epidémicas em território africano, no qual avulta a questão do vírus da SIDA (Stihele, 2011) 37.
    «You take what is good and leave the residue (…) Tradition and culture no matter our
    emotional attachments to them should not colonize and enslave us» (Kwame, 2010) 38.

    VI. A revolução digital

    Se a globalização pode traduzir uma nova ordem económica e política, a par da reconfiguração cultural e social (nos termos acima discutidos), por via da transnacionalização de capitais e do desafio imposto aos Estados, atendendo aos limites territoriais das suas respectivas soberanias – problemática que se coloca exactamente da mesma forma às organizações regionais, internacionais e mesmo supranacionais – muito deve à chamada «revolução digital».
    Neste particular, fazemos aqui um outro breve parêntesis para sublinhar, desde já, a distinção entre Nação e Estado, com vista a afastar dúvidas de natureza conceptual, tanto mais que nos permite compreender melhor as implicações transnacionais da sociedade global em rede. Tal como propõe Moreira (1993) 39, a Nação é uma realidade sociológica e tem um conceito subjectivo, sendo anterior ao Estado e pode existir sem ele. Com efeito, várias Nações podem formar um só Estado, como sucedeu com a Suíça, Alemanha e Itália. Por outro lado, o Estado é uma realidade jurídica e tem um conceito objectivo, já que remete para a Nação politicamente organizada. Significa isto que uma Nação pode formar vários Estados, como sucedeu no Médio Oriente, nomeadamente no Irão, Iraque, Arábia Saudita e Kuwait.
    O desenvolvimento das novas tecnologias consubstanciado no paradigma da era digital implica uma sociedade global em rede, no seio da qual a comunicação incorporou uma nova componente: as redes horizontais de comunicação de massas situadas numa linha paralela à do «mainstream» do sistema tradicional de mass media, conforme discutido na secção III. Este fenómeno da chamada «mass self-communication 40», assente nas


    37
    Sithele, J., «Afronews» (SARDCM), edição de 15 de Maio, 2001.
    38
    Kwame, op. cit.
    39
    Moreira, Adriano, «Ciência Política», Almedina, Coimbra, 1993.
    40
    Castells, op. cit., pp. 239.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    novas tecnologias de comunicação, envolve dinâmicas comunicacionais ao mesmo tempo globais e locais, genéricas e especializadas, estendendo-se a todas as dimensões da vida das sociedades.
    Recuperando mais uma vez o ponto de partida proposto por Castells (2007), designadamente o princípio do «power making by mind framing», e a dependência das relações de poder em relação à comunicação e informação; e consequentemente a tese de que os mass media constituem o principal espaço em que a conflitualidade do poder se decide, bem como a assunção de que é a linguagem dos media que dita as regras da política, não é difícil adivinhar que a comunicação política acabaria por traçar inevitavelmente um quadro de convergência com a dinâmica da «mass self- ommunication». Convergência e utilização da mesma, uma vez que não abandonou o sistema tradicional dos mass media. Quer isto dizer que a era digital obrigou a comunicação política a processar-se de forma bi-direccional: mantém-se na esfera dos mas media tradicionais, mas também usa as redes horizontais de comunicação para emitir mensagens, que podem ser designadas, como propõe Howard (2006)41 como um sistema paralelo e ao mesmo tempo convergente, por razões que veremos à frente, de comunicação política «hypermedia» (o que pressupõe uma reconfiguração dos conteúdos adaptados à lógica da comunicação processada a este nível, assente no «cool factor» – que está na base do sucesso do Facebook, por exemplo).
    Não cabe aqui discutir a complexidade de processos utilizados para o efeito, que incluem conceitos como o «Google Bombing» (Bennett, 2003) 42, o «youtube politics» (Cassidy, 2006) 43, os «email bulkers», apenas para citar três (associados às aplicações que permitem a integração da Internet noutras plataformas, como o sistema de Mobile Web), mas é aconselhável tê-los em mente, uma vez que conduzem a problemáticas e a discursos que merecem reflexão, como aquele que adoptámos aqui, a título de exemplo,
    nomeadamente o referido editorial do «Jornal de Angola» sobre as redes sociais (op.cit.).


    41
    Howard, Philip, «New media campaigns and the managed citizen», Cambridge University Press, Nova
    Iorque, 2006.
    42
    Bennett, W. Lance, «New Media Power: The Internet and Global Activism», in Couldry, Nick; Curran,
    James, «Contesting Media Power: Alternative Media in a Networked World», Rowan & Littlefield,
    Oxford, 2003.
    43
    Cassidy, Mike, «YouTube hits the big time in a short time», artigo de opinião publicado no jornal San
    Jose Mercury News, edição de 11 de Julho, San Jose, 2006.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Finalmente, uma observação para sublinhar as razões pelas quais consideramos existir um sistema paralelo e ao mesmo tempo convergente na comunicação política no quadro da era digital. O facto do sistema tradicional dos mass media ter sido também potenciado pelas novas tecnologias, ao apropriar-se de determinadas ferramentas comunicacionais que eram exclusivas das redes horizontais de comunicação – como as edições online da imprensa escrita ou os portais de informação generalista ou segmentada (campo abrangido também pela comunicação política «hypermedia»), bem como o referido «cool factor», que se manifesta, por exemplo, nas ferramentas de «file sharing», feeds de RSS ou na possibilidade dos leitores comentarem os conteúdos informativos – levou a que as mensagens da comunicação política, que continuam a ser emitidas através do sistema tradicional dos mass media, adquirissem igualmente uma nova lógica de conteúdos, mais atractiva e, por conseguinte, considerada mais eficaz nos efeitos que pretende produzir na formação da opinião pública, segundo o princípio do «shaping minds».
    Convém não esquecer que todo este processo está integrado, como já apontámos anteriormente, numa lógica de mercado enquanto «corporate and business media»
    (embora se deva alargar a noção para o campo da «corporate and business communication»), o que não exclui fenómenos tradicionais como a estatização e instrumentalização dos media e as tendências de monopolização do próprio SMM, que aliás encontram agora na era digital uma possibilidade de se efectivarem com uma maior abrangência, pelo efeito da transnacionalização e da sociedade global em rede.
    Deixamos ainda uma nota para referir que todas as proposições acima formuladas poderiam, e deveriam, ser reexaminadas (apesar de não ser do âmbito deste ensaio em particular), à luz da recessão da economia mundial que estamos a experienciar actualmente, associada a questões como a crise do crédito e financiamento, a crise
    energética, a crise de segurança internacional, os novos problemas de saúde mundial e as mudanças climáticas. Trata-se de problemáticas com efeitos nas relações de poder e na organização do sistema global da comunicação de massas. Fica o desafio.
    É com base neste corpo teórico que a comunicação em Angola como indicador de mudança deve ser analisada. Contudo, para contextualizar melhor as especificidades do caso de Angola no seio desta problemática, cremos que vale a pena ocuparmo-nos também, se bem que de forma breve, da história dos media até ao final da guerra civil,

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    momento a partir do qual se deu início a uma nova etapa na vida política, económica, social e cultural no País e, por conseguinte, ao processo de incorporação dos efeitos da globalização e da era digital. O tema é desenvolvido em anexo.

    VII. Sinais de mudança

    Com a morte de Jonas Savimbi e o final do longo conflito armado entre o governo e a
    UNITA, Angola entrou numa nova etapa da sua vida social, assistindo à progressiva reconfiguração do seu sistema de comunicação de massas.
    À televisão do Estado, a TPA, juntaram-se várias outras estações privadas com capital
    estrangeiro, de que são exemplo a Globo, Record, SIC Internacional e a Zimbo. Esta última levanta muitas suspeições, que vão de encontro à nossa inquietação inicial referida na introdução deste ensaio, conforme faz eco Rafael Marques De Morais no artigo «Angola: The Presidency - the Epicentre of Corruption». Publicado no site de notícias do AllAfrica Global Media em Agosto de 2010 44, o qual, pela sua pertinência, decidimos reproduzir na íntegra:


    «On 14 December 2008, TV Zimbo began broadcasting amid great publicity as the first private
    television channel in Angola, despite the fact that the necessary legal framework has never been
    set up. According to the Press Law (article 59), television broadcasting requires a licence that
    should be granted only after a process of public tender. The same law (article 60, 3) states that
    television broadcasting is subject to a "special law regulating the licensing mechanisms and other
    conditions." This "special law" has never been passed, which leaves TV Zimbo's activities on the
    margins of the law.
    The lack of public information about the ownership of TV Zimbo has deepened the public's
    suspicion and led people to speculate, correctly, that only the presidential circle could get away
    with flouting the law in such a way. Created on 27 December 2007, TV Zimbo has as its
    shareholders Manuel Vicente, General Kopelipa and General Dino, who between them hold
    99,96% of the TV station's shares. Kopelipa made a symbolic gift of the remaining 0,04% to his
    most loyal officers, namely Colonel José Manuel Domingos "Tunecas", his chief of staff,
    Colonel João Manuel Inglês, his logistics officer, Colonel Belchior Inocêncio Chilembo, his
    advisor, and Domingos Manuel Inglês, his private business assistant.
    TV Zimbo is part of the Media Nova holding. Also, Rádio Mais, which broadcasts in three
    provinces, namely Luanda, Huambo e Benguela is also part of the Media Nova group. The
    expansion of this radio has happened at the time when the government has blocked, for years, the
    Catholic-run Rádio Ecclésia to extend its signal to beyond Luanda, through FM repeaters
    44

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    installed in 10 provinces. Media Nova in turn plays a crucial role in the editorial control strategy
    for the private media sector in Angola, including in its ownership the weekly papers O País and
    Semanário Económico, the magazines Revista Exame and Chocolate, Media Nova Distribuidora
    (distribution) and Media Nova Marketing.
    The journalist João Van-Dúnem, formerly editor of the BBC Portuguese for Africa Service, is
    chairman of the board of Media Nova.
    As owners of Damer Indústrias the triumvirate of Kopelipa, Dino and Manuel Vicente,
    apportioned a public investment of up to 30 million dollars for the setting up of a state of the art
    printing press in the country, which is now part of their private portfolio as Gráfica Damer. This
    is the largest printing press in the country, and started operating in November 13 2008.
    The Media Nova group began with an investment of over US$70 million, and has the same
    shareholding structure as its subsidiaries. Once again, Manuel Vicente and Generals Kopelipa
    and Dino are equal shareholders. Kopelipa's four underlings, colonels José Manuel Domingos,
    João Manuel Inglês e Belchior Inocêncio Chilembo, and private assistant Manuel Domingos
    Inglês each have a token shareholding of between 0,01% or 0,02% as in the case of Nova Media
    Marketing, the company designed to control the advertisement market».

    Estaremos perante sinais que devem ser analisados ou mera propaganda política anti-
    MPLA? É que se for este o panorama associado à TV Zimbo e à holding Media Nova que a controla, o que dizer da Globo, Record ou SIC Internacional? Qual será a verdadeira estrutura accionista de cada uma das estações e as motivações para a sua presença em Angola?
    Noutra frente, ao mesmo tempo que se registaram movimentações de capital angolano no sector dos media em Portugal, a PT Comunicações, S.A – o maior operador de telecomunicações em Portugal com um volume de negócios anual perto dos 3 mil milhões de euros, e o SAPO, uma empresa subsidiária da PT, avançaram para Angola com investimentos avultados. E o que dizer do poderoso grupo editorial brasileiro Abril, que abandonou Portugal levando consigo o enorme investimento que havia feito na antiga ACJ (Abril/ControJornal), hoje Impresa SA, para apostar forte no mercado angolano, curiosamente de “mãos dadas” com a Media Nova? E da CARAS Angola, uma revista de sociedade, do segmento da chamada «imprensa cor-de-rosa», com uma linha editorial claramente apontada para as elites? Em seis anos, a publicação (criada na Argentina e exportada para o Brasil e Portugal) conquistou 19,2 por cento de audiência,

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    tornando-se a segunda revista mais lida em Angola, de acordo com um estudo da
    Marktest Angola 45.
    E o que a faz em Angola o próprio Grupo Marktest, uma holding portuguesa constituída
    por várias empresas especializadas na área de estudos de mercado e processamento de informação? A composição do tecido dos mass media em Angola torna rentável a sua presença?
    Vejamos um estudo da empresa, referente a 2008, citado pelo jornal português «Meios
    & Publicidade» 46:


    «Mais de metade da população residente em Luanda costuma ler ou folhear jornais (50,5%) e
    uma fatia ainda maior recorre às revistas (54,5%). Os números foram revelados no estudo
    Angola – All Media & Products Study (…) No que diz respeito aos periódicos, a preferência vai
    para o Jornal de Angola com 28,7% das preferências. Em segundo lugar encontra-se o Jornal dos
    Desportos (17,8%), seguido pelo Folha 8 (15,1%). O estudo foi realizado junto à população
    residente em Luanda, abrangeu 5000 entrevistas e mostrou ainda que a revista mais lida é a
    Tveja, que chega a 38,1% da população. A Caras consegue 19,2% de audiência, enquanto que a
    TV24 fica pelos 13,9%. Segundo o estudo apresentado pela Marktest, a televisão chega a 91,9%
    da população. O domínio é da TPA, sendo que o primeiro canal chega a 86% dos inquiridos e o
    segundo a 75,2%. A longa distância vêm a Globo (27%) e a Record (22,8%). O estudo (…)
    mostrou ainda que 85,5% dos inquiridos costuma ouvir rádio, sendo que a preferência destacada
    vai para a Luanda (47,4%). Nos lugares seguintes, ficaram a Escola e a Ecclésia».

    E o que dizer das empresas de telecomunicações americanas presentes no território?
    Tanto quanto é do domínio público, apesar da Câmara do Comércio US-Angola 47 não
    revelar dados, o investimento norte-americano no sistema de comunicação de massas tem crescido exponencialmente nos últimos anos. O mesmo sucede com as empresas britânicas, para não falar da recente parceria estratégica entre os Governos de Angola e China, a qual oferece tecnologia em troca de petróleo, com vista a dotar aquele país africano das tão aparentemente desejadas «tecnologias de informação, fibra óptica e comunicações móveis», tal como sugerido no citado editorial do Jornal de Angola,
    Angola e as redes sociais.


    45
    AMPS - All Media and Products Study, op. cit.
    46
    Meios & Publicidade, Estudo: Hábitos de consumo de media em Angola, jornal semanal, edição de 27
    de Junho, Lisboa, 2007.
    47
    US - Angola Chamber of Commerce (www.us-angola.org)

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Trata-se de meras iniciativas de «corporate and business communication», num País em que os investimentos no sector dos recursos energéticos se apresentam bastante mais atractivos, ou uma corrida para o exercício do «soft power» 48? Será uma estratégia para conter o avanço dos NSAs, tal como identifica Treverton (2005), ao referir-se à erosão do monopólio da informação por parte de um Estado como indicador da crescente fragilidade do seu poder?
    E por que razão o Google, o maior motor de busca do Mundo, não está presente directamente em Angola, quando há indicadores de que o número de cibernautas continua a crescer? Entre 2000 e 2010, o número de utilizadores passou dos 30 mil para mais de 607 mil, o que representa uma evolução de 0,2 por cento da população para 4,6 por cento. Números curiosos quando o total de utilizadores da Internet em todo o continente africano estava situado, em Junho de 2010, em cerca de um milhão, tendo um peso de 10,9 por cento da população em África. De resto, no conjunto de todos os países africanos, Angola ocupa a segunda posição do ranking de maior número de utilizadores, sendo superada apenas pela Argélia 49.
    Alexandre Guerra, um consultor de comunicação português, parece ir directo ao
    essencial da questão 50:
    «Os meios de informação e as agências de comunicação podem assumir particular importância
    em Luanda, mas apenas se encararem a sua aventura como algo mais do que apenas negócio por
    negócio (…) Mais do que uma questão de comunicação corporate, de eventos ou de produtos na
    realidade local, a presença em Angola de empresas nacionais especialistas em pensar e
    comunicar é também uma forma de "soft power" e influência de Portugal junto daquele país».



    48
    Sobre esta matéria, não deixa de ser interessante observar, embora com a devida distância ideológica,
    alguns exemplos do «soft power» no contexto da política norte-americana, apontados por Winter,
    Owswald Le, «Democracia e Secretismo», Europa-America, Lisboa, 2002.
    49
    Internet Usage Statistics for
    Africa,
    Miniwatts
    Marketing
    Group
    (ver
    o
    link
    50
    Guerra, Alexandre, «A comunicação em Angola enquanto elemento de "soft power" e influência», in
    Blog Piar, Julho de 2009 (http://piar.blogs.sapo.pt/95785.html).

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Conclusão

    Eis pois algumas inquietações que gostaríamos de observar mais em pormenor. Perante
    o corpo teórico exposto e a análise empírica de determinados fenómenos registados recentemente em Angola – que sugerem, como temos vindo a salientar, a possibilidade de parcerias estratégicas internacionais com trajectórias por identificar e, ao mesmo tempo, a eventualidade de um reforço do exercício do «soft power», que visa mudanças igualmente com trajectórias por identificar – defendemos a pertinência da construção de um modelo de análise que nos permita compreender os indicadores de mudança, e antecipar os seus efeitos, não sob a perspectiva do poder (sem contudo afastá-lo), mas através das mensagens que circulam pelo sistema de comunicação de massas.
    Este modelo pode apresentar-se como uma ferramenta multidisciplinar inovadora com vista a medir o exercício do «soft power» no país e estabelecer uma matriz quantitativa e qualitativa de possibilidades para as trajectórias das mudanças sociais, políticas, económicas e culturais de Angola.
    Eis pois o desafio que se segue.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Anexo: Breve história dos media em Angola até ao final da guerra civil
    O aparecimento dos media em Angola como forma de comunicação de massas, no formato óbvio para a época de imprensa escrita, data de 1845, tendo-se chegado ao final
    do século com a presença de 46 títulos, muito dos quais com a particularidade de serem produzidos – em pleno período de administração colonial portuguesa – por “angolenses” (a expressão em voga para os naturais de Angola, por oposição aos “residentes” portugueses no País). O primeiro jornal a ser editado numa língua autóctone, o «Kimbundo» (uma língua Bantu falada pela elite Mbundu, que constitui actualmente o segundo maior grupo etnolinguístico de Angola, a seguir ao «umbundo», dos Ovimbundu 51), surgiu apenas, porém, em Fevereiro de 1896 e com edição fora de Angola, nomeadamente em Nova Iorque.
    Mas este foi apenas o preâmbulo, uma vez que que se considera que, de acordo com
    uma pesquisa feita pelo jornalista moçambicano Fernando Lima (2001)52, o início do chamado «corporate media», com uma imprensa de circulação regular assente num modelo assumido de «corporate business», apenas ocorreu com o nascimento do jornal
    «Província de Angola» (PA) em 1923, a que se juntou, 13 anos mais tarde, o «Diário de
    Luanda» (DL), duas publicações que resistiram intactas até 1974, um ano antes da proclamação da independência angolana, em Novembro de 1975. Antecipando o quadro
    pós-colonial, o PA havia alterado já o nome para «Jornal de Angola», aquando do eco
    da convulsão política que se registou na metrópole com o 25 de Abril, tendo sido nacionalizado, enquanto outras publicações com sede em Luanda, como os jornais «O
    Comércio» e «ABC» e as revistas «Notícia» e a «Semana Ilustrada», fechavam portas.
    O mesmo sucedeu gradualmente nas restantes províncias de Angola, à medida que subiu
    de tom a guerra civil, de que se destaca o caso paradigmático do jornal «O Planalto», editado no Huambo, a antiga “Nova Lisboa”, no planalto central do País, a sudeste de Luanda, um dos principais bastiões geográficos da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola 53) e do seu líder Jonas Savimbi.


    51
    Apesar da diversidade etnolinguística angolana, a língua oficial é o português, conforme consagrado
    pela Constituição da República de Angola, Artº 19, nº 1, na redacção dada pela última revisão
    constitucional aprovada em 21 de Janeiro de 2010.
    52
    53
    O segundo maior partido político de Angola, de origem maoísta, com carácter populista, que acabaria
    sob a esfera de influência norte-americana durante a administração Reagan.

    A comunicação em Angola como indicador de mudança

    Na capital, o DL ainda chegou a regressar às ruas como jornal vespertino, mas foi encerrado de vez em Maio de 1977, após ter sido conotado com o "fraccionismo", um movimento separatista no seio do próprio MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola 54) que culminou com uma tentativa de Golpe de Estado nesse mesmo mês, encabeçada pelo ex-dirigente do partido no poder, Nito Alves (que havia liderado pouco antes o confronto armado do MPLA contra outro movimento separatista, a FNLA –
    Frente Nacional de Libertação de Angola 55).
    Com o DL desapareceram várias outras pequenas publicações com uma evidente orientação antigovernamental, tornando clara a política de crescente instrumentalização
    dos media desencadeada pelo MPLA. A extinção oficial em Janeiro de 1978 da Rádio Ecclesia, a Emissora Católica de Angola, foi um dos episódios mais emblemáticos do processo de estatização dos media posto em marcha pelo Governo de Agostinho Neto, que seria sucedido em 1979 por José Eduardo dos Santos.
    Pouco antes da proclamação da independência, em ambiente “revolucionário”, foi criada a Agência Nacional Angola Press (ANAP), que Agostinho Neto, ao assumir o poder, transformou em AngolaPress (ANGOP), a agência de noticias oficial do Estado angolano, ex-aliada da extinta agência de notícias oficial da URSS, a Agência Telegráfica da União Soviética (TASS 56). Além da ANAP, foram ainda constituídas a Rádio Nacional de Angola (RNA 57) e a Televisão Popular de Angola (TPA), todas nas mãos do Estado.
    Um breve parêntesis para referir que a ANGOP continua a ser subvencionada pelo Estado português, embora com montantes pouco significativos, pelo menos no quadro da despesa pública apresentada por aquela agência de notícias, como refere um relatório do IPDC (Fostering Media Development Building Democratic Societies 58), o “braço” da ajuda ao investimento na área da informação da UNESCO.



    54
    O maior partido político de Angola, no poder desde a declaração da independência, de inspiração
    marxista-leninista.
    55
    Este movimento de guerrilha nacionalista, de inspiração democrata-cristã, só se transformou em partido
    político organizado com assento parlamentar em 1992.
    56

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