EM DESTAQUE

  • RUA ARAÚJO….É hora de ir a putaria. Conto de Eduardo Quive
  • FESTIVAL INTERNACIONAL SHOWESIA – levando a mensagem sobre a Paz no Mundo através da arte
  • VALE A PENA GASTAR 111 MILHÕES USD PARA ALTERAR A LÍNGUA?
  • Feira do Livro da Minerva Central na 76ª Edição em Maputo”.
  • SEGUIDORES

    LEIA AQUI A EDIÇÃO 51

    Pub

    O assustador romance em formação, “Como eu deixei de ser Deus” de Pedro Maciel


    “A ausência de uma coisa não é somente isso,
    não é apenas uma falta principal, é uma
    subversão de todo o resto, um estado
    novo impossível de prever no antigo”

                                     (Marcel Proust)




    O estupendo e assustador Romance “COMO DEIXEI DE SER DEUS”, de Pedro Maciel, Topbooks Editora, 2009, é o top de linha no atual momento da efervescente literatura brasileira contemporânea de peso e em alto pique. Humor, concisão perturbadora, erudição, alumbramento e ironia, com assustadora sonoridade, ritmo e lucidez exacerbadoramente rica, estrambólica até, por assim dizer. Máximas, epigramas, aforismos (desaforismos?) citações, fragmentos reflexivos contundentes. Muito mais do que isso. Há recursos brilhantes na intextualidade, além de alumbrados estados metafóricos. E muito mais do que isso. Começa a apresentação estética da obra com a capa de um vermelho-diabólico que parte da obra “Desvio Para o Vermelho “ (êpa!) de Cildo Meireles. Mas o conjunto é todo um corpo-texto estético de altíssima qualidade técnico-editorial até.

    Elogiado entre outros por Moacir Scliar, o maior proseador brasileiro categorizado por excelência nos últimos tempos, por Ivo Barroso, pelo emepebelizado filósofo multimídia Antonio Cícero, e ainda por Luis Fernando Veríssimo (o maior cronista da imprensa), Pedro Maciel se afirma e confirma em cada trabalho, e todo mundo que entende do riscado surpreendido assina embaixo de que ele é mesmo a mais fina flor da espécie literária contemporânea. Muitíssimo acima da média. Um achado.

    Com um seu mundo letral ostentando em esplêndido e magistral imaginário, algo apocalíptico, (surpreendente fluxo neural e jorro letral), Pedro Maciel produziu um excelente romance presente-(passado)-futural em construção, com ecos, estados oníricos, viajações e até certas derramas. Ficção-show. Antigamente se diria que ele é pinta brava de tão bom.

    O pesadelo de Deus. O homem? O espelho? Deus mora nos fragmentos atemporais? Deus, a consciência do homem... Pensamentos, sensibilidades, abstrações – o tripé em que fomenta (fermenta) a obra COMO EU DEIXEI DE SER DEUS. Em entremeios a tudo isso, encantamentos e textamentos. O tempo-rei costurando veios. “Deus, a alma dos brutos”. E os brutos que amam-odeiam Deus. Diálogos interligados, incendiando pequenos parágrafos epigramáticos entre reticências, citações e a pólvora do criar se vislumbrando. A arte-pura-provocação. A construção-desconstrução de uma babel íntima? O que foi é. O que será se cabe sendo. Deus não é fóssil. Não é fácil, portanto. O universo mágico da loucura que não é santa e nem se veste de ouro e prata, talvez vermelho-coisal, bezerros de ouro à parte...

    Sim, um tresloucado anti-romance de Pedro Maciel que corajosamente (competência é isso) mergulha fundo no aparente lusco-fluxo de sua sentição/criação, lado pensador/sentidor (não vegetativo), feito “estar” em fio-terra descascado. Já pensou? Ah, Deus usa os loucos para confundir os sábios. Está escrito.  Santas palavras. Não há origem possível? Não há um fim em si mesmo. Estar de “star” também. Somos todos eternas poeiras cósmicas?

    O Deus S/A se expressa. A essência da busca de séculos, milênios. Como uma praga-mãe. Quem somos? Quem ou o quê é/seria D.US. Na casa do pai também há muitas palavras... Somos a imagem e parecença?... Ai de nós, juros além. O “Bildungsroman” (romance em formação) informa, transforma, reforma, disforma, forma, metamorfoseia. Essas e outras. Idéias? Propósitos? Como um concretismo em prosas. E toma Platão, Heráclito, Beckett, Da Vinci, Dostoiéski. E os livros sagrados, claro, que sem eles não haveria a proposital (?) provação, provocação, ação literária nesse caso de extremidades que se tocam, permeiam, tecem, vazam, desnorteiam.

    A “desnarração” sem arames e presilhas como fim, fito e propósito. A voz do narrador (em negrito); a voz que clama no deserto (em itálico): delírios que nada passam a limpo, antes, com e fundem, feito delírios sarados do finito ser que cria o transcendentalizar-se.  Será o impossível. Quando se brinca de Deus, com Deus, adeus sanidade. Sorte nossa. Será o impossível? Ah a notável caixa de pandora da literatura dando bons refluxos. Estamos no coração das luzes e não nos enxergamos em nós? A função da escrita enquanto arte é também retrazer o não identificável. Talento tem gerador próprio. É o caso de Pedro Maciel já elogiado por A Hora dos Náufragos (Bertrand Brasil, 2006). Ninguém fica lúcido de uma honra pra outra. A impertinência é que faz a hora, a criação, o desmonte que seja.

    Pedro Maciel é sim um puro “neoriobaldo” em contracorrente: “A gente vive pra desmistificar”. E administrar as contundências dos mitos também. Entre o sótão e o porão de si mesmo (tantos sis em si), Pedro Maciel maravilhosamente desestrutura o osso de ostra do romance formal. Um de-quê de Borges, de Garcia Marques, de Cortazar, de Kafka Lispectoriano... E ainda assim, o lugar de si tem cabimento. Para que a lógica perversa das estruturas con(m)-flitos(filtros) religiosos?  Pedro Maciel regurgita de alguma forma no sensível, a imaginação. E imagina são. Torrentes. A mutação das rotas-rusgas. A reflexão dos sobreviventes de antes, depois e durante.

    O romance que se atirou frente a janelas de alma-mente-coração. A alma diversa. A vida (vida?) diversa. Um romance que diz versos. Janelas de fugas criacionais. Quase pequenas pinceladas multi-historiais. O não lugar, o são ser, os não personagens. Deus e o diabo na terra do nunca, na terra do Self. E escurez. Sozinhez. A originalidade da obra clássica de Pedro Maciel surpreende, assusta, intriga, corrói (des)valores, desmistifica, toca o indizível. Toca circuitos, escritas. Todo criador toca seu Deus quando cria? Dito e farto.

    Você lê o romance-vanguarda e se sente também de alguma forma inconcluso, na incompletude “deusal” de si mesmo. E capitula. Sente e ouve vozes nas entrelinhas. Como se refém de um ponto de interrogação à beira do abismo de ser Ser, e de pensar ser filho de um Deus. Só por Deus. Ou vermelho-coiso? A dualidade dúbia da dúvida atroz.

    Pedro Maciel enumera os zeros. Do nada ao infinital. Pedro Maciel nomina o inominável. Do pré ao pós, feito um assim ser-permanecer-se. Cada um sabe onde aperta o cale-se. Ele escrevendo questiona, intriga, alucina. E cintilantemente se entrega na obra que dá muito o que falar, o que não falar, o que calar, o que atiçar... Coisa do demo também? Periga ver. Sai de baixo.

    Vejam/leiam os “joios” preciosos:

    “Ontem visitei a cidade em que nasci; ninguém me reconheceu(...)/deuses não têm Deus quando lembram do homem(...)/Se Deus existisse todo mundo ficaria sabendo(...)/Há cabeças que mesmo cortadas emitem pensamentos(...)/Pelo amor de Deus se vai ao inferno(...)/A linguagem sempre esconde o pensamento(...)/O homem pensa e Deus ri(...)/Quando nasci os deuses já estavam mortos(...)” 

    Lendo Pedro Maciel enloucresço. Também pudera, com essas contações mexendo com os “sagrados” laços dos entes...

    Sim, mas, mexer com Deus é um vespeiro. No entanto, modo de dizer, se eu quiser falar com Deus agora, tenho que saber a Pedro Maciel que tem a chave literal da porta do céu; da porta do Self. Na casa do pai há muitas erratas?

    Disse Kateb Yacine:

    “É preciso que nosso sangue se inflame
    E que nos incendiemos
    Para que os espectadores se comovam
    E o mundo abra enfim os olhos
    Não sobre nossos desejos
    Mas sobre as chagas dos sobreviventes”
    ....................................................................

    “Um dos traços essenciais da literatura na sociedade dita pós-moderna, consiste na rarefação dos gêneros, na interpenetração dos modos, na mistura arbitrária de espécies e modelos literários, numa constante e ousada intertessitura das formas (...)” disse Hildeberto Barbosa Filho (in, Raro Encontro da Poética com a Beleza, Sol Negro, Augusto Ferraz, Nossa Livraria Editora, PE, 2008). Pedro Maciel é desta safra e gabarito.

    Pedro Maciel na verdade introspectou um deus dúbio, um deus-Dublin, um deus irado e vingativo. O homem é o destempero de Deus na “herrança” da criação? Ora, sob a ótica de Darwin, quem mandaria Deus pentear macacos? Pedro Maciel teve a coragem de. A terra é o aterro sanitário do espaço, onde estão depositados todos os vermes, e ainda de alguma maneira estamos balançando no cipó das aparências, o rabo entre as pernas? Para um artista de peso, viver não é só ab ana r o rabo. Tudo pode ser ou não ser. Eis questão. Ler “Deus” de Pedro Maciel é estar na prestação de prós e contras.

    A arte como Proteu pode assumir qualquer forma. Prometeu trazendo o incêndio do céu para a terra? Ah Orfeu enfeitiçando a natureza com sua música, sua mística... Escrever é colocar palavras nem tão sagradas nas bocas dos mistérios...

    Literalmente, sem tirar e nem pôr, com Pedro Maciel Deus literalmente escreve torto por deslizes tortos também. Um Deus gauche? Onde já se viu isso?

    Bingo. Ou, quero dizer, eureka.

    Pedro Maciel com COMO EU DEIXEI DE SER DEUS fez um puta livraço.

    Deus está nu.

    Nem toda escrita sem uniforme são oráculos.

    0 comentários:

    Enviar um comentário

    Pub

    AS MAIS LIDAS DA SEMANA

    Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More