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    Um pouco sobre Eduardo White


    Escritor moçambicano, Eduardo Costley White nasceu em Quelimane (Moçambique), a 21 de Novembro de 1963.

    O poeta integrou um grupo literário que fundou, em 1984, a Revista Charrua. Junto a outros poetas, colaborou também com a Gazeta de Letras e Artes da Revista Tempo, publicação cuja importância, assim como Charrua, foi indiscutível para o desenvolvimento da literatura moçambicana. Por intermédio desses periódicos, afirmou-se um fazer poético intimista, caracterizado pela preocupação existencial e universalizante.

    Numa preocupação com as origens, Eduardo White tenta na sua poesia reflectir sobre a sua história e sobre Moçambique, numa tentativa de apagar as marcas da guerra e de dignificar a vida humana. Para isso, escreve através de um amor diversificado que pode ser pela amada, pela terra ou mesmo pela própria poesia, sempre num tom de ternura, de onirismo, de musicalidade e, por vezes, de erotismo.
    (“Eduardo White” in Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2008 )

    Moderníssimo, kafkiano, os seus textos apontam para uma leitura poética metalinguística, ou seja, em que os poemas, ao engendrarem a si mesmos, contam, paralelamente, a história de seu povo (amores, sofrimentos, opressões, miséria, estigmas das guerras, etc.) e a história da própria linguagem literária.

    O que vocês não sabem e nem imaginam

    Vocês não sabem
    mas todas as manhãs me preparo
    para ser, de novo, aquele homem.
    Arrumo as aflições, as carências,
    as poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir,
    o vinagre para as mágoas
    e o cansaço que usarei
    mais para o fim da tarde.

    À hora do costume,
    estou no meu respeitoso emprego:
    o de Secretário de Informação e de Relações
    [Públicas.
    Aturo pacientemente os colegas,
    felizes em seus ostentosos cargos,
    em suas mesas repletas de ofícios,
    os ares importantes dos chefes
    meticulosamente empacotados em seus fatos,
    a lenta e indiferente preguiça do tempo.

    Todas as manhãs tudo se repete.
    O poeta Eduardo White se despede de mim
    à porta de casa,
    agradece-me o esforço que é mantê-lo,
    alimentado, vestido e bebido
    (ele sem mover palha)
    me lembra o pão que devo trazer,
    os rebuçados para prendar o Sandro,
    o sorriso luzidio e feliz para a Olga,
    e alguma disposição da que me reste
    para os amigos que, mais logo,
    possam eventualmente aparecer.

    Depois, ao fim da tarde,
    já com as obrigações cumpridas,
    rumo a casa.
    À porta me esperam
    a mulher, o filho e o poeta.
    A todos cumprimento de igual modo.

    Um largo sorriso no rosto,
    um expresso cansaço nos olhos,
    para que de mim se apiedem
    e se esmerem no respeito,
    e aquele costumeiro morro de fome.

    Então à mesa, religiosamente comemos os quatro
    o jantar de três
    (que o poeta inconsta
    na ficha do agregado).

    Fingidamente satisfeito ensaio
    um largo bocejo
    e do homem me dispo.
    Chamo pela Olga para que o pendure,
    junto ao resto da roupa,
    com aquele jeito que só ela tem
    de o encabidar sem o amarrotar.

    O poeta, visto depois
    e é com ele que amo,
    escrevo versos
    e faço filhos.
    [...]

    (p.240-241)

    *
    [...]
    Não faz mal.

    Voar é uma dádiva da poesia.
    Um verso arde na brancura aérea do papel,
    toma balanço,
    não resiste.

    Solta-se-lhe
    o animal alado.
    Voa sobre as casas,
    sobre as ruas,
    sobre os homens que passam,
    procura um pássaro
    para acasalar.

    Sílaba a sílaba,
    o verso voa.

    E se o procurarmos? Que não se desespere, pois nunca o iremos encontrar. Algum sentimento o terá deixado pousar, partido com ele. Estará o verso conosco? Provavelmente apenas a parte que nos coube. Aquietemo-nos. Amainemos esse desejo de o prendermos.

    Não é justo um pássaro
    onde ele não pode voar
    (p.244)
    **
    Por exemplo, o fogo.
    O fogo estabelece e seu trabalho,
    a sua centígrada destreza para arder.
    E não sei se notaste
    que na digital matriz da suas febres
    o fogo opõe-se,
    insubmisso,
    a morrer.

    Arde como se definitivo
    e quando assim sucede tende a crescer,
    busca aquela leveza das altas labaredas,
    a implícita tontura das fagulhas.
    O fogo arde como se quisesse fugir do chão,
    das suas cavernas metalúrgicas,
    ascende ao impulso dos foguetões,
    à infância astral, à casa solar.

    O fogo entristece, por vezes.
    Chora inflamável na sua fatalidade terrestre
    a estranha e lenhosa prisão
    que o prende e embrutece.

    Quer voar,
    quer a sua ancestral condição de estrela
    mas na corrida espacial com que o fogo queima,
    na perpétua evasão,
    a gula intestina-o
    a sua pressa.
    (p.245)

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