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    O Injectável

    Dany Wambire - Moçambique



    Há doenças que em nós vivem só por questão de fé. Acreditamos religiosamente que por elas estamos assaltados. E para tal, a cura é do nosso conhecido desejo: um determinado fármaco ou tratamento. Ai daquele médico que ouse prescrever o diferente! Por mais que o fármaco ou tratamento seja eficiente, capaz e eficaz, não cura o paciente.
    Em Fim-de-Mundo, pelo menos conheço um com esses hábitos. Ou melhor, com essas doenças. Ele é quem conhece o remédio da sua doença. Sim! Digo, mas não em abono da verdade. Até a doença mais recente dele veio há dias, que deixou o Hospital Periférico de Fim-de-Mundo à rasca.
    Antes, em plena tarde dominical, todas as pessoas viram o vizinho doente, de nome Zecarias Gostavo, a contorcer-se de dores múltiplas. Depois, o corpo dele pedia mais calor, porquanto a doença lhe engendrava frio. E todos saíram a socorrer esse Zecarias Gostavo. Lhe administraram alguma poção de plantas domesticamente preparada, de acordo com os sinais e sintomas da desconhecida doença.
    Passaram-se dias, a doença não se evadia do seu corpo. De livre, mas não de espontânea vontade, pedia prisão no corpo dele. Não lhe importava acelerar julgamento. Ela trataria de fazer justiça pelas impróprias mãos caso a justiça demorasse, matando o doente e a ela mesma. Sim, no homicídio ocorreria o suicídio, em concomitante.
    Se com os conhecimentos da medicina verde, a doença não passava, no hospital seria diferente. Esse foi o pensamento de muitos, depois de lhes fracassar a primeira tentativa. E lá foram, com o doente Zecarias. Rapidamente diagnosticaram-lhe a doença. De pequenas irritações sanguíneas se tratava, que podiam ser tratadas com comprimidos de forma comprida, e com injecção de forma breve.
    A aplicação da injecção estava descartada. Pois, Fim-de-Mundo debatia-se seriamente com problemas de medicamentos para injecções em farmácias públicas. Mas as privadas farmácias tinham-nos em superabundância. Engraçado! O negócio evoluiu: os privados passaram a ser mais fortes que o Estado.
    Então, deram os comprimidos ao doente Zecarias Gostavo. Aliás, tudo dava no mesmo. Era questão de tempo e cumprimento com o tratamento. Em breve tudo estaria controlado e Zecarias pronto para trabalhar estaria. Apenas a sua esposa é que se mantinha céptica, depositando desconfianças naquele tratamento. A seguinte crença, ela guardava: a doença desapareceria, mas o marido pioraria.
    Dito e desfeito, o Zecarias piorou mesmo depois de consumir os fármacos prescritos. Ordenavam-se novas intervenções: de hospitais com melhores condições.
    Transferiram-lhe para o maior e melhor hospital da cidade. De novo, administraram os comprimidos ao paciente, agora impaciente, porque lhe queriam internar no hospital. Como se ele fosse o pior doente de Fim-de-Mundo. Passaram-se muitos dias e Zecarias não melhorava.
    Foi então quando este Zecarias pediu para falar com o médico.
    ― Doutor, minha doença cura com injecção.
    ― Os comprimidos que lhe demos têm mesmo efeito que o da injecção. Não podemos lhe aplicar o mesmo medicamento, pode haver riscos fatais.
    ― A minha doença não é derrotada por comprimidos, doutor. Não se importe com os riscos. Qualquer um corre riscos, por isso nas empresas há subsídios de riscos.  
    Que fazer? Doentes desses são intratáveis. Mas a prática ensinou-lhe outra ciência, a da mentira. Então, ele tomou numa seringa e fingiu estar a introduzir qualquer medicamento. Ele enchia aquele instrumento não era senão de água, que no seguido aplicou-a no traseiro de Zecarias Gostavo.
    E o resultado: ele já estava melhor e a trabalhar. E para os que o vinham visitar, o agradecimento era imedível.
    ― Melhorei graças àquele médico que me deu injecção.

    CRONICONTO: Os vizinhos de lado

    Dany Wambire - Moçambique



    Pediram-me ou me ordenaram a escrever. Que eu pegasse mesmo na pena, pois, segundo eles, já tinham me visto, fingitivo, a traduzir vozes de certas almas, que ultimamente faziam do meu corpo, das minhas mãos, suas ilegítimas propriedades. E eu finjo e fujo, para não cumprir com as ordens destas almas que não conseguem pôr a escrito as suas inquietações e satisfações. Ainda, apresento falsos argumentos. Sim, me vou digladiando nas argumentiras.
    ― Vocês estão a me incriminar. Qualquer dia vou preso por causa das vossas declarações.
    Como era de esperar, ninguém se comove com a minha injustificação. Defendem-se, essas vozes, que há um direito que lhes assiste, o de liberdade de expressão. Que testemunharão a meu favor, caso qualquer indivíduo apresente uma queixa à justiça, se por mim entender-se ofendido.
    E se se deseja exemplo de alguém que este hábito tem, de encomendar escrita das suas inquietações, tenho Infelisberto Descansado. Este é quem ultimamente me vem bater à porta para lhe escrever a estória dos seus vizinhos de lado. Como o próprio Infelisberto diz, esses vizinhos discutem em demasia, acima do anormal. Trinta horas por dia, coisa inaceitável.  
    Digo-lhe que não posso escrever este assunto, bastante sensível. Afinal, ele bem sabia que em assuntos de casais não se deve pôr a colher. Eu só escreveria caso o assunto transmutasse ao contrário, de sensível ao insensível. Mas ele insiste, dizendo:
    ― Não é caso de vida ou morte, mas o assunto merece um documento escrito.
    Não resisto. Não é meu forte recusar a pedidos. Gosto é desafiar ordens ou mandos arrogantes, e não a pedidos humildes. Então, fui escrevendo, traduzindo em escrito a voz deste Infelisberto.
    Começou por dizer que o seu vizinho, Salomau Maugente casou-se com a enteada, logo após a morte da mãe desta última, por sinal esposa desse Salomau. Os dois viveram juntos, enfrentando más-línguas. Peniscilina, a enteada, passou a ser em concomitante irmã, madrasta, mãe dos filhos de Salomau.
    Diz-se que tudo andava às maravilhas. Chegaram mesmo a ter muitos filhos. Coube ao primeiro receber um nome que fenecesse com todas más-línguas dos demais. O nome foi adoptado e adaptado em inglês: Letspeak. Queria-se dizer que pessoas podiam falar, mas essas falas não afectariam a sua relação. Muito pelo contrário: estimulava-os a ter mais filhos.
    Aconteceu, todavia, que ultimamente os problemas faziam constantes visitações à relação dos dois. Até melhor é dizer que os problemas foram aparecendo como se fossem os sangues que visitam às mulheres em cada mês. Peniscilina foi entendendo que a sua relação era incomum: ela separava-se do Salomau em idade a trinta anos. Sendo a maior para Salomau, obviamente.
    Frustrada, começou a beber álcool até acabar a decepção. Acabou a frustração, mas nasceu nela o gosto pela bebida, passando a fazer-lhe companhia no seu dia-a-dia. Quer dizer: no tremendo exercício de alívio da frustração, nasceu-lhe um vício.
    Em casa não parava. E sempre que o marido lhe exigia satisfações, ela prontamente respondia-o.
    ― Não me incomode se não, vou-te denunciar.
    ― Denunciar, fiz o quê?
    Peniscilina dizia que iria ao gabinete de atendimento à mulher vítima de violência doméstica para apresentar a queixa de que o seu marido, quando se envolvera com ela, há dez anos atrás, ela era menor, contando apenas com catorze anos de idade. Houve nessa altura violência sexual, acreditava ela.
    Você abusou-me e violou-me sexualmente ― ameaçava, bêbeda Peniscelina quando lhe apetecia.
    Não foi violência sexual, mas sim agressão sexual ― retrucava Salomau, concluindo no seguido, ― todo sexo é violento. Mesmo o consentido.
    Não paravam as discussões. Ainda, uma vez, Salomau seguiu a esposa numa barraca para que ela viesse à casa e tomasse conta do recado doméstico. E ela respondeu, com violência verbal.
    ― Por que me persegue? Não vês que eu não te quero?!
    ― Se não me quisesses, ias procurar feiticeiro para pôr-me na garrafa?
    E seguiam outros palavreados e palavrões, indescritíveis.

    Moçambique


    Província de Niassa – cidade de Lichinga

    Lino Sousa Murucurza (Mukurruza), nasceu em Quelimane província da Zambézia, onde moldou a sua vida e a maneira de sentir as coisas que formam o homem (Dor, Amor, Paixão) e reside na cidade de Lichinga, província de Niassa.
    membro de direcção do (CEPAN) Clube de Escri-tores poetas & Amigos do Niassa.
    Costa na colectânea de poesia, (Noite Amanhecida) publicada em 2009. E ainda membro fundador do movimento “Gincana de arte Lichinga”.
    É também membro do Movimento Literário Kuphaluxa.




    Província de Sofala

    Danito Gimo da Graça Avelino (Dany Wambire), nasceu em 01 de Junho de 1989, no distrito de Manica, província de Manica (os seus pais são todos da província de Sofala). Tornou-se órfão bastante cedo, de pai aos 10 anos, e de mãe aos 12 anos. Desde então cresceu sob custódia da sua tia (Cristina Oliveira Garanhe Massora, irmã mais velha da sua mãe). Em 2008 tornou-se professor no distrito de Machanga, sul da província de Sofala, depois de formado pelo Instituto Nacional de Educação de Adultos – Beira (2006-2007). E foi lá onde começou a escrever, como forma de divertimento e para amparar-se dos vícios. Portanto, escreveu lá o seu primeiro livro (inédito), intitulado sugestivamente “Peripécias do Regulado de Esteve”, que tem alguns textos publicados pelo jornal OPaís e OPaís Online, desde Março de 2011 e no jornal @Verdade.
    Actualmente sou professor numa escola primária completa, algures na cidade da Beira, e estudante no 3º ano do curso de História, na Universidade Pedagógica (UP) -Beira.

    CRONICONTO: O casamento e divórcio


    Dany Wambire - Moçambique



    Depois de expirado o prazo da juventude, novas responsabilidades nascem nos recém-adultos. O jovem ou a jovem cresce socialmente. Um respeito merecido lhe é devido pelo resto da sociedade. Afinal, chegou a hora de casar, ser dócil a esse mecanismo de ordenamento social. Sim, ele dificulta a desordem, as promiscuidades sexual e social. Todos devem casar para afugentarem desconfianças. Pois, depositada desconfianças é na pessoa que em plena adultidade recusa-se a casar.
    ― Como é que vive sem mulher? Então está se metendo com as nossas mulheres ― acreditam e dizem os homens de Fim-de-Mundo.
    No resto, a festa de casamento, são longas horas de convívio, de confraternização, de matanças de saudades, de descrição de contos engraçados, de muita dança, de apetite excessivo, etc. Nos casamentos, os que nunca teriam ingerido álcool, pela primeira vez ingerem, de modo abusivo ou não. As outras pessoas comem o que jamais comeram. É festa.
    Nestas festas, a música enxuga o sangue das pessoas, anima o cérebro destas, fortifica seus superiores e inferiores membros, incitando-os a mexer e remexer. É dança.
    Os casais descasam-se momentaneamente. Mutuamente estão os cônjuges autorizados a dançarem com outras companhias, partilharem sua alegria com outros. É animação.
    Enfim, tudo é lindo e infindo. Os noivos sorrindo, com olhos apaixonados um pelo outro, sentem-se pessoas mais felizes do planeta.
    No seguido, vem a lua-de-mel, ― a lua de sexo, se preferirem ― na qual a vestimenta da noiva é violada, a noiva é afavelmente torturada, acarinhada, amada, respeitada, elogiada e, por fim, suporta quilogramas impesáveis do noivo, num movimento indescritível e espectacular de vaivém. É amor.
    Todavia, após dias, meses ou anos de intenso amor, seguem-se, subjectivamente, a incompreensão, ausência de diálogo, de perdão exíguo, de sacrifício impossível. Dá-se espaço a desentendimentos e sistemáticas contendas entre os cônjuges e, quando prorrogados por longos períodos, conduzem ao desmembramento do casal.
    O divórcio quando está na iminência de acontecer, intervêm muitas e diversas individualidades na tentativa de resolverem os problemas do casal: casos do marido chegar tarde em casa por dias consecutivos; casos de traição; casos de mútuos desacatos; etc. Mas, gorada de quaisquer êxitos.
    Entrementes, é do senso comum ou comummente partilhada esta reflexão: deviam as pessoas obter boas lições de amor, de convivência familiar antes de terem atrevimento em consentir o casamento.

    Croniconto: Os conselhos de rua


    Dany Wambire - Beira/Moçambique



    Está mais do que provado que educação tradicional, a educação não formal, está a cair de páraquedas abaixo em Fim-de-Mundo, resultado da influência virulenta da globalização. Entre as educações, triunfou a educação informal, trazendo novos valores, produzidos copiosamente pela modernidade. Sim, foi-se abandonando os preceitos da educação tradicional, a educação não formal, e também a ela. Então, perdeu-se uma instituição que preparava homens e mulheres para a construção e a harmonia sociais.
    E ganhou, como já disse, a educação informal, a que os fim-de-mundenses apelidam-na educação de rua ou conselhos de rua. E a cumprir esta educação, está Tugénio Escandaloso, homem antes bastante observador dos bons costumes. Livre dos comuns vícios, Tugénio viu sua felicidade ameaçada aquando de uns conselhos que ele recebia numa certa barraca.
    Tudo começou quando os amigos convidaram-no a beber. Ele foi a acompanhar os amigos ao local onde os amigos compravam, a alto preço, a embriaguez. Com efeito, foram pedindo as bebidas e os respectivos copos. E Tugénio recusou, mas não redondamente, consumir qualquer espécie de bebida, com menos ou mais álcool, o que deixou os amigos irritados e maldispostos. Até não beber, não era mau!
    Mas, maquiavelicamente podia-se justificar esse mal-estar dos amigos de Tugénio Escandaloso: o homem que quiser ser recto no meio de tortos homens, convoca o seu caixão, sua morte, sua procissão de funeral e a sua sepultura. Até as flores que dão beleza os tectos das campas. E ele bem disso sabia. Mas esse Tugénio foi apresentando resistências.
    ― Amigos, eu não bebo. Nunca bebi e não quero beber álcool.
    No seguido, lhe desceram elogios dissimulados vindos dos amigos de média data, que o ladeavam, aí na barraca.
    ― Isto é bom! Mesmo nós bebemos por força maior!
    ― Por força maior? Como por força maior?
    ― Sim, por força maior do vício.
    Foram explicando que bebiam não por gosto pela bebida, mas sim pelo medo do vício maior, o das mulheres. Quer dizer, eles bebiam e fumavam para se evadirem da mulheringuice. Pois, segundo eles, ninguém escapava a todos vícios, por completo. Então, imperioso era eleger o mal menor, um vício inofensivo e pouco dispendioso ― se é que existe. E como Tugénio detestava prostituir ou mesmo das prostiputas, escolheu também beber, acrescendo o clube de bêbedos de Fim-de-Mundo.
    Todavia, convencer-lhe a beber, não foi suficiente. Como a pândega continuava imparável, vieram os outros conselhos, com destaque para o de conflitos conjugais. Disseram todos, com excepção de Tugénio, em uníssono que as brigas fortificam as relações.
    ― Um casal deve lutar de vez em quando, ou o homem deve bater na sua esposa.
    ― Mas não é necessário. ― Reagiu Tugénio.
    ― É necessário, Tugénio, porque no primeiro dia que discutirem ou lutarem, acaba o lar.
    Alongou-se o debate. E a maioria é que vence, apesar de, às vezes, ser cega ou inconsciente, como foi o caso. E Tugénio foi pensando na sua relação com a esposa, Sidália Infectada. Nos dez anos de casamento, ele jamais encostou na pele ou no cabelo da mulher com violência. E isso, segundo os amigos, era mau.
    Foi então, a partir desse inexacto momento, que Tugénio Escandaloso foi batendo na mulher, depois de regressar de uma bebedeira. E o mais engraçado é que ele gritava, divulgando motivos enquanto dirigia sovas à mulher.
    ― Estou a te bater para que o nosso casamento seja mais forte, mais duradoiro! 

    Croniconto: A infanti-sida



    Dany Wambire - Beira/Moçambique


    Penso que poucos em Fim-de-Mundo conheciam o casal Disciplinado e Irrequieta, esse casal, que quase venceu o anonima-to, por viver nas imediações da inexistência. Tudo isso sucedeu, por causa de uma emigração mal sucedida, de Início-de- Mundo para Fim-de-Mundo.
    Em Fim-de-Mundo, Irrequieta e Disciplinado obrigados a casarem foram. Cumpriram com escrúpulos. Esse não mais importante mecanismo de ordenamento social. Sim, cumpriu-se um casamento triplo, a contentar os distintos segmentos sociais. Quer dizer, enquanto os pais fizeram pressão, Disciplinado e Irrequieta casaram, pela primeira vez. O chamado casamento tradicional. Depois, veio o realizado no principal cartório de Fim-de-Mundo, o válido na Justiça local. O chamado casamento civil. Por fim, para alegrar o segmento religioso, foi forjado o casamento religioso. Então, para ter merecido respeito, uma verdadeira integração social, um casal não devia incumprir este triplo casamento.
    O casal Irrequieta e Disciplinado era exemplar. Um bastante fiel ao outro. Mas, de súbito, a infidelidade se acomodou no macho do casal. Sim, o homem Disciplinado passou a ser infiel. E os motivos? Talvez por causa da perseverante insistência das muitas mulheres, sem maridos, mas que necessitavam de prazer sexual e de dinheiro. Talvez à conta da gravidez, que a Irrequieta contraíra, nove meses após o casamento, passando a não ter bom desempenho sexual, diga-se de passagem. Talvez mesmo por outros motivos.
    A verdade é que, com as inúmeras aventuras extraconjugais, Disciplinado conseguiu contrair o vírus de HIV, que passou, no seguido, para a legítima esposa, sem saber. E foi esse vírus de HIV que pôs Disciplinado a definhar, ossos salientes, a servirem de cabide às escassas carnes ainda existentes. E acabou morrendo, sem nunca ter ido a uma consulta de médico nem recebido os antiretrovirais, esses fármacos que ajudam ao adiamento da morte. Pois, em Fim-de-Mundo, não acreditavam ser atacados por esses vírus, ignorando-os, e por consequência, menosprezando o tratamento.
    Seis anos de casados foram. A Irrequieta passou a viver infeliz, como nunca antes. Para mais, fiel que ela era, custava-lhe aceitar o rumo dos acontecimentos: ficar infectada e perder o marido.
    Foi, no entanto, a partir desse impreciso momento, que os acontecimentos da vida ela quis inverter. Ou melhor, perverter. Já que lhe deu para espalhar o vírus, que maquinalmente contraíra, para outras pessoas, sobretudo crianças. Afinal, ela era bastante cobiçada por miúdos arrojados, consumidores de produtos de distante idade. Esses jovens apreciavam as carnes desenrugadas que enchiam os vestidos, justos, da senhora.
    Na verdade, muitas foram as crianças que morreram à conta do vírus de HIV, o virus da Irrequieta. Uma a uma, as crianças foram emigrando para o lado avesso da terra. E a senhora Irrequieta ia assistindo, orgulhosa, às inúmeras mortes dos seus amantes, gabando-se de infanticida, por ir assassinado crianças, com o vírus do HIV do SIDA. Era pois uma assassina especializada em crianças, jovens. E como as matava com Sida, bem merecia que lhe chamassem a infanti-Sida.
    8 � x - (�� ��� :none'>― Depois do teste do HIV que fiz, a enfermeira quer a sua presença aqui no centro de saúde.
    No seguido, explicou ainda ao marido que as amigas que igualmente tinham sido sujeitas ao teste, não tiveram o azar de ser-lhes convocados os maridos. Para mais, agravou ainda dizendo que no hospital são solicitados os maridos das gestantes cujo estado serológico é positivo. E preocupado o marido ficou, mas escusou-se fazendo caçoada, pois ele sabia que fiel a esposa era, diferente dele.
    ― Se somos seropositivos não é senão por causa de instrumentos cortantes não esterilizados, mamã: agulhas, seringas, lâminas, etc.
    À entrada do hospital, a mulher esperava por ele. Viu a seriedade dissimulada que reluzia no semblante da mulher. De instantâneo, se desfez a mesma seriedade e ela montou no carro do marido, feliz.
    ― Te mandei vir porque queria tua boleia, eu sou seronegativa. ― Disse a gestante.
    ― Então eu também sou seronegativo, filha! ― Disse, alegre, Josefino.
    No dia ulterior, todos os três amigos meus encontraram-se a festejar a boa nova, e diziam todos extasiados: nós somos seronegativos, as nossas mulheres fizeram o teste.

    Croniconto: A encomenda do teste de SIDA


    Dany Wambire - Beira/Moçambique


    Três amigos eu tinha, bastante mulherengos. Sim, apresentavam um desviado comportamento no capítulo das mulheres. Os três tinham apurada competência para apreciar mulheres, abrir os zips das vestes femininas, afagar-lhes a pele, excitá-las e, por fim, enroscarem-se-lhes nas suas mais profundas entranhas.
    Crível, no resto, é o modo como estes amigos degeneraram na prostituição. Sim, falo da prostituição e não da mulherenguice. Que se chame também os eles prostitutos e não mulherengos. É que os homens, o hábito têm de suavizar os adjectivos dos piores defeitos, e enaltecer os das virtudes. Ademais, quem se mete com as prostitutas? Então, por que vulgarizar um outro adjectivo, bem distante, enquanto existe o próximo, bastando apenas mudar uma letra da mesma palavra. Sim, apenas de a para 0. Ah, deixemos isso para o próximo capítulo, para não fugir as ordens do parágrafo. Dizia eu, que crível é o modo como os meus amigos se tornaram prostitutos, exibindo seus nus a toda mulher desfrutável.
    Tudo teve início quando os hábitos da modernidade, oriundos talvez dos brancos, abateram-se sobre a nossa tradição. Permitiu-se o namoro, desenvolveram-se campanhas de combate à feitiçaria, esse nosso antiquado mecanismo de ordenamento social. E, como preparação ao casamento, pessoas várias desataram a namorar, incluindo menores e os que não tinham qualquer plano de casamento. Então, estes últimos preparavam o quê? Prostituição?!
    Na verdade, não demorou para que as consequências se abatessem sobre toda a sociedade. Os namoros eram feitos com múltiplos parceiros ao mesmo tempo, perigando a saúde dos envolvidos. E volvidos significativos anos, tais namoros frutificavam, grosso modo, doenças, vícios, más-línguas. Os velhos assistiam ao cenário, sem poder de frear aquilo que sucedia. Apenas lamentavam:
    ― Essa coisa de os homens brincarem mal com mulheres era proibido nos nossos tempos, e havia feitiçaria para travar isso. ― Quase terminando o lamento acrescentavam. ― Mas hoje dizem existir a polícia…!
    Aconteceu, falando concretamente dos meus supracitados amigos, que mais tarde casaram-se por pressão da idade e dos pais. E como na cidade houvesse escassez de talhões para os de pouca posse, alugaram as respectivas casas. Ao fim do terceiro mês do enlace matrimonial, as consortes já tinham alojado fetos nos respectivos ventres. Admoestadas, depois, a irem a uma consulta pré-natal foram as gestantes. Até votadas ao teste de HIV elas estiveram. Uma a uma entrou pela sala de consulta adentro a fazer o teste. O resultado foi negativo para as três. Saíram ilesas das aventuras extraconjugais dos cônjuges, pode-se dizer.
    Uma delas, todavia, quis assustar ao marido, deixá-lo com nervos à flor da pele. Pegou no celular que jazia na sua bolsa e ligou ao marido, que se chamava Josefino Costura. Quando o marido atendeu, ela disse.
    ― Depois do teste do HIV que fiz, a enfermeira quer a sua presença aqui no centro de saúde.
    No seguido, explicou ainda ao marido que as amigas que igualmente tinham sido sujeitas ao teste, não tiveram o azar de ser-lhes convocados os maridos. Para mais, agravou ainda dizendo que no hospital são solicitados os maridos das gestantes cujo estado serológico é positivo. E preocupado o marido ficou, mas escusou-se fazendo caçoada, pois ele sabia que fiel a esposa era, diferente dele.
    ― Se somos seropositivos não é senão por causa de instrumentos cortantes não esterilizados, mamã: agulhas, seringas, lâminas, etc.
    À entrada do hospital, a mulher esperava por ele. Viu a seriedade dissimulada que reluzia no semblante da mulher. De instantâneo, se desfez a mesma seriedade e ela montou no carro do marido, feliz.
    ― Te mandei vir porque queria tua boleia, eu sou seronegativa. ― Disse a gestante.
    ― Então eu também sou seronegativo, filha! ― Disse, alegre, Josefino.
    No dia ulterior, todos os três amigos meus encontraram-se a festejar a boa nova, e diziam todos extasiados: nós somos seronegativos, as nossas mulheres fizeram o teste.

    Croniconto: O namoro é atentado ao casamento?


    Dany Wambire - Beira/Moçambique



    Devo a minha modesta gratidão ao tempo. Sim, agradeço ao tempo por ele, de forma platónica, ter-me trazido meus avôs para perto de mim, esses que são minha fonte de inspiração. Afinal, nós que com tardança descobrimos a escrita, corre-mos o risco de perdermos alguns ensinamentos à medida que esses anciãos vão cessando a respiração.
    E é a minha avó, sempre passadista, que afirma categoricamente:
    ― Namoro de hoje é atentado ao casamento, meu neto!
    E eu, atónito, peço-a defesas, argumentos que sustentem e alimentem a sua incomum proposição. Ela não demora, ajeita a vestimenta, certifica-se da limpidez da voz e se explica. Vai explicando tudo, tintim por tintim, omitindo apenas as datas, que é próprio da tradição oral.
    Defende, mas sem garras e unhas, que nós adquirimos hábitos de brancos: inventamos pré-casamentos, abraçamo-nos nas ruas, entre outras coisas que venciam admissão não é senão no casamento. Agora, explica ela, as pessoas vêem o namoro como mero divertimento, forma de afugentamento de stress, de satisfação de prazeres sexuais. Até o aconselham pais, mal modernizados, a um filho de 15 anos de idade mal disposto à conta do stress.
    ― Meu filho, você anda mal disposto, bom seria que tu arranjesses uma namoradinha para te divertires.
    Mas não é namoro como preparação de casamento a que minha avó está contra, constantemente. Pelo contrário, defende ela que isso é inovação. Aculturação, a bem dizer, coisa que não havia nos tempos em que ela fora actriz e não mera espectadora do tempo como hoje. O que lhe chateia é ver o namoro a ser banalizado e o casamento a ser preterido. Pessoas há tantas que nem sequer plano de casamento têm, mas namoram. É ainda preparação de casamento ou é próprio casamento? Se é o próprio casamento, exige a minha avó, que se mudem os dados estatísticos, que se diga que elevou-se o índice de divórcio no país e que irá triplicar daqui a escassos anos. Pois inúmeros namoros são constantemente rompidos, diariamente, sem justa causa.
    E é essencialmente esse mau cenário que a faz constantemente regressar ao passado, ser passadista, pensar que os casamentos de outrora eram os melhores. Não é que o modo antigo, de lhes ser determinados os parceiros, os homens de suas vidas à distância ou sem os seus consentimentos, seja dos melhores. Não que o pretérito seja melhor que o presente. É que quando o futuro não promete esperança, o presente não permite viver, então melhor é viver no passado, assim defende-se ela.
    -se ao� o � (�� ��� tando-lhe nos olhos lamentou, absorta:
    ― Fiodélio, você não pode pagar um copo de cerveja a mulher que tirou tua barriga de cinco meses!
    Atónitos, todos desataram a rir incluindo o próprio Fiodélio. Mas ele é que devia agir, silenciar outros segredos que podiam ser revelados, eventualmente, por aquela mulher. E acabou mesmo afiançando a paga do solicitado copo.
    -serife � o a hi� ؁� age: PT'>― Explicou o paciente. ― Estavam munidos de armas, sei lá se eram brancas, pretas ou azuis! ― Concluiu.
    No seguido, os enfermeiros aconselharam-no a participar a ocorrência ao polícia ali próximo, em serviço naquele hospital regional. Para seu azar, todos os polícias já estavam informados da presumível vinda de um paciente sangrando no rosto. Bastava, de resto, o local do sangramento e o local da ocorrência, para permitir o seguimento das investigações policiais.
    Destacaram um polícia para assistir ao tratamento do queixoso. E o jovem, ingénuo, pensou estar a ser protegido como vitima de assalto, é claro. Terminado o tratamento, um carro policial estava à sua espera, para o apresentar no posto policial da zona, onde ele supostamente fora salteado. E era neste posto policial que estava aguardando o meu comandante, o verdadeiro ofendido.
    O oficial da polícia em serviço ouviu, no seguido, a explicação do recém-chegado queixoso. O jovem se explicou, como já fizera no hospital regional, enquanto o oficial o acompanhava, circunspecto. Depois sucedeu o inesperado por parte do jovem recém-adentrado pela esquadra policial. O oficial mandou chamar o comandante Maventura Campestre, até ao momento ocultado, e perguntou seguidamente ao jovem:
    ― Este é o senhor que te assaltou? 

    Croniconto: Aborto recompensado por um copo de cerveja


    Dany Wambire - Beira/Moçambique


    Os dias de calor exigem-nos muita criatividade, mas eles reservam-nos pouca. Anda-se de mãos dadas com a preguiça e não sei se chegamos a ser alcançados pela pobreza.
    Num desses dias, saí a acompanhar amigos. Éramos quatro, eu, Fiodélio, Cornélio e Orquídio. Aonde íamos, eu não sabia de início. Bastava a confiança que neles eu depositava para confiar o destino. E não foi serôdio para que desaguássemos no destino. Adivinhem onde era! Numa barraca, localizada aí nas imediações do bairro Sem Nome. Os meus amigos queriam se livrar do calor socorrendo-se da cerveja, bem fresquinha, diziam eles.
    No seguido, pediram os três, as respectivas cervejas e os competentes copos. Eu resignei. Eu não bebia. Ou melhor, ainda não bebia, assim corrigir-me-ia minha avó. É que os que afirmavam, de forma categórica, que não bebiam, segundo a minha avó, se tornavam excelentes bêbedos. Tudo por força da maldição. Podiam ser-lhes rogadas pragas. Cervejas, a bem dizer. Cerveja é maldição? Não respondo só em benefício dos bêbedos.
    O mais importante é que nesse momento de ingestão e digestão da cerveja, sucedeu um facto engraçado com proficiência de ser croni-contado. Com efeito, irrompeu no grupo de bêbedos uma jovem mulher. Jovem como quem diz, a mulher não tinha competência para tal orgulhosa consideração, pois as polpas lhe haviam arredondado em demasia o corpo, a beleza se evadido do seu rosto depois de tantas bofetadas, a voz se adensado masculinamente.
    Ademais, a mulher era portadora de imensas carnes debaixo do ventre, produto de duas práticas, uma longínqua e outra recente. Barriga se avolumara, primeiro, à conta de cerveja, formando uma notável saliência, que os bêbados homens chamam curva de felicidade, segundo, por causa de um recente aborto que ela engendrara duma gravidez de quase cinco meses.
    A mulher irrompeu a acachorrar-se entre os bêbedos, mendigando copo de cerveja. As estratégias aplicadas até ao momento redundaram num fracasso. Foi, então, a partir desse momento, que a mulher mudou de estratégia, atentando-se ao Fiodélio e fitando-lhe nos olhos lamentou, absorta:
    ― Fiodélio, você não pode pagar um copo de cerveja a mulher que tirou tua barriga de cinco meses!
    Atónitos, todos desataram a rir incluindo o próprio Fiodélio. Mas ele é que devia agir, silenciar outros segredos que podiam ser revelados, eventualmente, por aquela mulher. E acabou mesmo afiançando a paga do solicitado copo.
    -serife � o a hi� ؁� age: PT'>― Explicou o paciente. ― Estavam munidos de armas, sei lá se eram brancas, pretas ou azuis! ― Concluiu.
    No seguido, os enfermeiros aconselharam-no a participar a ocorrência ao polícia ali próximo, em serviço naquele hospital regional. Para seu azar, todos os polícias já estavam informados da presumível vinda de um paciente sangrando no rosto. Bastava, de resto, o local do sangramento e o local da ocorrência, para permitir o seguimento das investigações policiais.
    Destacaram um polícia para assistir ao tratamento do queixoso. E o jovem, ingénuo, pensou estar a ser protegido como vitima de assalto, é claro. Terminado o tratamento, um carro policial estava à sua espera, para o apresentar no posto policial da zona, onde ele supostamente fora salteado. E era neste posto policial que estava aguardando o meu comandante, o verdadeiro ofendido.
    O oficial da polícia em serviço ouviu, no seguido, a explicação do recém-chegado queixoso. O jovem se explicou, como já fizera no hospital regional, enquanto o oficial o acompanhava, circunspecto. Depois sucedeu o inesperado por parte do jovem recém-adentrado pela esquadra policial. O oficial mandou chamar o comandante Maventura Campestre, até ao momento ocultado, e perguntou seguidamente ao jovem:
    ― Este é o senhor que te assaltou? 

    Croniconto: O assalto ao comandante

    Dany Wambire - Beira/Moçambique



    Era o tempo de matrículas, gente se alvoraçando em tudo o que é escola desta nostálgica cidade muitos têm saudade dela, mas poucos a querem habitar. O camarada Maventura saiu, bastante cedo, às 2 horas da madrugada, para ser uma das primeiras pessoas da fila, e vencer automaticamente uma vaga das escassas existentes.
    Aqui, na verdade, as infraestruturas escolares são tão poucas, que cabem apenas as moscas, por causa de sua pequenez e da capacidade de partilha espacial de que dispõem. E não se sabe de quem é o problema. Talvez seja das autoridades governamentais, como apregoa o meu avô. Contentaram-se com as exíguas escolas herdadas do colonialismo, e agora edificando uma a uma, como se não se exigisse pressa. Talvez seja do próprio povo, que se multiplicou de forma exagerada, longe do controle das autoridades governamentais.
    Nessa manhã, segundo dia do mês de Janeiro, o vizinho Maventura madrugou, pois, a cumprir a bicha. Mas antes de percorrer por completo o perímetro do seu quarteirão, foi surpreendido por três jovens, desconhecidos até ao momento. Os jovens, mal viram o senhor Maventura Campestre, se chegaram a ele, falando-lhe:
    ― Pai, não vai mais adiante, lá em frente estão uns gatunos.
    ― Aonde mesmo? ― Quis melhor saber Maventura Campestre, já assarapantado.
    Respostas nenhumas lhe vieram. Apenas um pau já lhe tinha visitado a região da nuca, principiando-lhe a agressão. No seguido, uma rasteira mal aplicada quase lhe deixava lamber a terra. E ele se conservou em silêncio, incrédulo. Estaria ele perante salteadores nocturnos? Tratar-se-ia de acidente de percurso daqueles jovens, outrora conselheiros? Valeu que os jovens lhe tenham dado uma bofetada a lhe confirmar o assalto. E o comandante desatou a gritar, exigindo auxílio dos que o podiam ouvir.
    ― Socorrooooo!
    Estava assim a suplicar por socorro, quando, de inopinado, avistou uma gigante pedra tremeluzindo entre os capins. Se debruçou a apanhá-la, e atirou-a de encontro ao rosto de um dos salteadores. A acção da pedra foi tão forte, que o efeito se fez sentir até nos não atingidos, que fugiram todos em debandada.
    E, em diminutos minutos, cumpriu o céu o seu dever de cor, clareando o dia. As escassas pessoas que haviam saído para socorrer Maventura, admoestaram-no a ir participar a ocorrência à polícia. Que fosse informar à polícia que um dos gatunos, ainda a monte, cedo ou tarde procuraria por serviços hospitalares, pois levou com pedra na cara, convocando terrível sangramento. Era urgente ir no encalço deste gatuno!
    Naquele mesmo dia, decerto, o gatuno se apresentou num hospital. Não foi ao do bairro. Lá seria descoberto, pensou ele. Foi ao regional. Chegado lá, os enfermeiros se atentaram nas explicações do doente, sobre a forma como ele contraíra o terrífico sangramento:
    ― Eram cinco gatunos que me atacaram a caminho do serviço. ― Explicou o paciente. ― Estavam munidos de armas, sei lá se eram brancas, pretas ou azuis! ― Concluiu.
    No seguido, os enfermeiros aconselharam-no a participar a ocorrência ao polícia ali próximo, em serviço naquele hospital regional. Para seu azar, todos os polícias já estavam informados da presumível vinda de um paciente sangrando no rosto. Bastava, de resto, o local do sangramento e o local da ocorrência, para permitir o seguimento das investigações policiais.
    Destacaram um polícia para assistir ao tratamento do queixoso. E o jovem, ingénuo, pensou estar a ser protegido como vitima de assalto, é claro. Terminado o tratamento, um carro policial estava à sua espera, para o apresentar no posto policial da zona, onde ele supostamente fora salteado. E era neste posto policial que estava aguardando o meu comandante, o verdadeiro ofendido.
    O oficial da polícia em serviço ouviu, no seguido, a explicação do recém-chegado queixoso. O jovem se explicou, como já fizera no hospital regional, enquanto o oficial o acompanhava, circunspecto. Depois sucedeu o inesperado por parte do jovem recém-adentrado pela esquadra policial. O oficial mandou chamar o comandante Maventura Campestre, até ao momento ocultado, e perguntou seguidamente ao jovem:
    ― Este é o senhor que te assaltou? 

    Croniconto: O curandeiro contratado pelo meu edil


    Dany Wambire - Beira/Moçambique



    Os resultados das eleições já há muito eram conhecidos. E não estavam longe das previsões, confirmando as sondagens. E o presidente tomou posse ante os apoiantes eufóricos, muitos deles desejando de imediato recompensas do apoio de que eles prestaram ao recém-eleito presidente da autarquia. Acotovelam-se no partido de que presidente fazia parte, uns dizendo que eram mais membros que outros. Até uns chegavam a interpelar o presidente apenas para maldizer dos outros:
    ― Aqueles estão a aderir ao partido só para tirar partidos.
    E diziam mais. Acusavam alguns que viram fulanos metidos em conversa com sicranos do partido da posição ou oposição. Tristonho! Parece-me que custa ser dirigente numa autarquia como a nossa, a de Fim-de-Mundo. Pois, para além de satisfazer os interesses dos munícipes, deves recompensar com coisas imediatas aos seus partidários. E caso não o faças conspiram-te, até de te demitirem? Sei lá, respondam os que conhecem disciplina e indisciplina partidária.
    Sei, sim, que quando o genro de meu avô, Genrónimo Comichão, entrou para a autarquia, a mesma tinha muitos problemas. Havia desordenadas construções de casas, construções sem as respectivas licenças. Até em valas de drenagens havia gigantes obras, edificadas ante o olhar e ouvir impávidos das predecessoras autoridades autárquicas.
    No resto, os vereadores do anterior governo, os que demoniacamente engendraram e permitiram a evolução dos supracitados problemas estavam no rente governo autárquico, não de pedra e cal, incumprindo as respectivas funções. Só o novo edil não os exonerou para uma boa imagem política. Pois, nos tempos que corriam soava bem para os doadores ouvir que um governo tem na sua
    estrutura membros de partidos da Oposição ou da Posição.
    Entrementes, de imediato, o presidente quis atacar os problemas que encontrou, ordenar a destruição das infraestruturas desordenadas e as edificadas nas antigas valas de drenagem e que em tempos de cheias os proprietários exigiam assistência humanitária, curiosamente. De imediato, também, a ideia de presidente venceu adversão dos vereadores, encasquetando-lhe:
    ― Não faça isso, sua excelência, se não perderás muitos votos nas próximas eleições.
    O edil não desandou, a decisão manteve-se. E, logo que a decisão foi posta em voga pela mídia, as pessoas e outras visadas desataram a maldizer em surdina: queremos ver, vão morrer, isto é Fim-de-Mundo, que se coloquem a pau, vão avariar esses guindastes.
    No seguido, os guindastes, essas máquinas de levantamento de pesos, estavam no terreno a exercer o trabalho. Mas a dado momento, enquanto o trabalho se exercia, desatou a jorrar sangue através do chão da máquina. Vinha de onde? O combustível da máquina se convertera em sangue? Não. Soube-se instantes depois quando o proprietário do sangue, já enxuto, menos pesado que papagaio, não mais respirava. Estava morto, pés involuntariamente afundando os pedais.
    O presidente e os criminalistas entenderam aquilo como normal, de hemorragia externa se tratava. E foram a conduzir a máquina de destruição tantos outros maquinistas, num número de 20, tendo sido todos acometidos pelo igual azar: tremendas hemorragias. Enquanto isso, as pessoas visadas festejavam sem pompas, mas com circunstâncias.
    Foi, então, a partir deste momento que o edil decidiu criar um gabinete, que responderia prontamente aos problemas, o gabinete de assuntos tradicionais, depois passado para gabinete de Magia. Contratou os respectivos recursos humanos, quatros famigerados curandeiros, e orçamento, como ordenavam as intestinais regras autárquicas, aprovado pela respectiva Assembleia Municipal de Fim-de-Mundo (AMFM).

    Croniconto: A vendedeira das frutas do Cemitério


    Dany Wambire - Beira/Moçambique

    Eu nem conhecia perfeitamente a Generosa Sentimento, esta que conseguia vida nos corredores de um histórico cemitério da minha cidade. Dizia-se que a sua idade era igual a do cemitério, que ela mesmo contribuíra para sua utilização. E como? Diz-se que a mãe de Generosa Sentimento, a dona Derrota Mávida era de reconhecível mérito pela sua respectiva profissão, a prostituição. Reza a história: a mais antiga profissão da humanidade.
    Sabe-se que nenhum homem aguentava com os encantos da Dona, ou melhor da meretriz Derrota Mávida. Na verdade, ela era esguia mais que o eucalipto, era cheirosa mais que a roseira, ancas a se arredondarem amiúde e nádegas bem calcadas pelas cabeceiras das calças, justas, de que ela dispunha. Enfim, era bonita e partilhável como a melancia grande. Afinal, era o meu avô quem isto dizia: mulher bonita é como melancia grande, ninguém a come sozinho.
    Outrossim, sabe-se que Derrota Mávida exerceu com esmero a sua não diplomada profissão de prostiputa faz quase duas décadas, antes do trágico acidente. Falo do acidente que deixou o seu rebento até então sem própria identificação livre dos devidos cuidados maternos. É verdade que Derrota Mávida, tinha se decidido a nunca se engravidar, a não ser acometida por um de percurso acidente. A querença, porém, não frutificou: ela chegou mesmo a anichar um feto pelo ventre adentro. E, desafiada pelo destino, a prostiputa Mávida esperou por nove meses para que encovasse a sua própria sepultura.
    Foi, no resto, numa tarde dominical em que a prostiputa era acometida por dores fortes de cortar à faca. De instantâneo, ela entendeu que se tratava de dores perinatais, o bebé digladiando, quem sabe, com os guardas ventrais para sair dessa reclusão que o amadureceu por nove meses. Bebé ingrato, nem?!
    Nesse momento, a Derrota Mávida se arremessou para um dos recantos da casa, agora cemitério, e com os dedos foi encovando a sua sepultura antes do parto. Nunca continuava a tirar terra quando durante a labuta de coveira avistava raiz de árvore qualquer, pois avisada ela estava: toda raiz é sombra de um morto de perto ou longínqua distância temporal.
    Terminada a lida de coveira, ela se colocou na imediação da sepultura, esperando pela vinda da petiza, sem ajuda de qualquer parteira, cortando pessoalmente o umbilical cordão. No seguido, se lançou à já feita sepultura, sendo tapada pelos movimentos involuntários dos membros da recém-chegada petiza.
    Nas seguintes horas, pessoas muitas saíram a socorrer a bebé. Em vão. Pois a bebé já tinha alongando os membros inferiores e superiores, já tinha apurado a fala, autorizando, para o espanto de todos, aquele espaço a ser utilizado como cemitério. E não houve tardança para que o cemitério ficasse quase empanturrado. As frutíferas árvores se multiplicaram, sombreando o chão todo, e nascia assim o negócio, o ganha-pão da Generosa Sentimento. Não raras vezes saía a vender as frutas no maior supermercado da zona. E, também, não raras vezes vinham pessoas a comprar as polposas frutas, mas mal viam a vendedeira, a filha do cemitério, de imediato fingiam apenas apreciar as apetitosas frutas das árvores do cemitério, bem estrumadas pelos abundantes mortos.
    Mas era a própria Generosa Sentimento que encontrava astúcias para o avanço do negócio, inventando discursos que deixavam os dissimulados compradores sem jeito.
    ― Vocês não podem deixar de comprar essas lindas frutas!
    ― Não, apenas estávamos apreciando! ― Retrucavam os fregueses, dissimulando vontades.
    ― Vocês não têm defuntos aqui no cemitério da zona?
    ― Temos, sim! Porquê?
    ― Então vocês devem comprar as frutas! São eles que me pediram para vender essas frutas, eles é que estão necessitando de dinheiro.

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