Mais um dia lectivo perdeu existência. Todos estudantes
se divergiam para as suas respectivas casas. E eu, na companhia de uma colega,
fazia o mesmo, se evadia do recinto escolar. Ou melhor do recinto universitário
ou da faculdade, pois assim, dizem alguns, que me ponho no meu digno lugar. São
uns amigos de curta data que assim me admoestam, esses que inventaram um verbo
que lhes distinguisse dos outros, quaisquer estudantes, que não estavam nas
faculdades: facular. Estuda quem está numa qualquer escola e facula quem
está na faculdade, julgam eles. Engraçado, nem?! Isso é vírus de faculdade, de
diploma universitário?! E do conhecimento? Ah, do conhecimento, do saber fazer,
poucos se importam. É uma pena desses ignorantes ignoráveis!
No fim desse dia lectivo, eu e minha amiga caminhávamos falando mal de um
docente nosso. A bem dizer, falávamos verdade. Lamentávamos, ainda, o facto de
existir docentes universitários que nem para o Ensino Primário prestavam. Mal
dominavam os conteúdos programáticos. Não planificavam suas aulas. Apenas
vinham passear a sua classe. Ou melhor, a sua burrice.
Mas, falar desses professores não é meu propósito, não é ordenado por esse croniconto.
O que quero cronicontar vem nos sequentes parágrafos.
Quando já estávamos próximo da terminal de chapas, uma buzina de certo
carro nos pediu atenção. Com efeito, eu e a minha amiga, Marieva Espinha,
olhamos a fonte do som da buzina. E, de imediato, constatamos trejeitos de
dedos, envidraçados, a solicitar presença nossa junto ao carro. Nossa, como
quem diz. O proprietário daqueles trejeitos era com minha companheira que
queria falar. O moço fora atraído pelas carnes que enchiam as calças da moça?
Pela beleza externa da moça? Afinal, uma coisa é certa: as calças lhe
desenhavam bem os contornos do corpo. Vaidade feminina! Essa que atrai moscas
para si. É sugada esta vaidade e as proprietárias, depois, jogadas à lixeira.
Convenci, no resto, a minha companheira, com ajuda de algumas pessoas ali
presentes, a ir falar com o fulano. Mas, depois, fiquei arrependido, pesado de culpa.
Se tratasse de sequestros, desses que estão vitimando mormente cidadãos
asiáticos? Dose de culpa, eu teria. Então fiquei a expiar os contornos da
conversa, em benefício da minha colega.
Foi, então, a partir desse momento que sucedeu o inesperado, uma pergunta
feita pelo colocutor da minha companheira mal disposto me deixou.
― Aquele é teu empregado?
Incrível! A Marieva com pena de mim ficou. Mas, de instantâneo, lhe
explicou que eu era colega e amigo dela, sem competência para ser empregado
doméstico. Depois, lhe recusou com o número de contacto móvel.
E eu, de lado onde me estacionava a contemplar a conversa dos dois,
desonrado me senti. Me olhei, de cima para baixo, nada de anormal eu constatei.
Os meus sapatos? Eles não eram novos e custosos, mas não eram ultrapassados,
capazes de confundir a modernidade. As minhas calças? Eram simples, sem adornos
dessas pré-lavadas, mas venciam escassos elogios dos viciados em roupa. A minha
camisa? Essa, não. Era a camisa mais confiada. Era barata, mas bastante bonita.
Então, o homem só queria alcançar, de qualquer modo, os seus fins. Afinal, os
fins justificam os meios! Mas dessa vez justificaram os fracassos.
Depois, ao longe, procurei caracterizar o homem que se resguardava no
carro, que aposto ser de Estado, produto dos nossos impostos. O senhor era
rechonchudo, com roupas caras adornando a sua ignorância, a pobreza de seu
conhecimento. O senhor era desses tipos, que andavam pela cidade caçando
mulheres alheias, prostiputas inclusive. Gastava mal o dinheiro que
ganhava, com prostiputas e bebidas, e depois saía a atirar culpas para o
governo: o salário que nos dão é pouco, que não cobre as necessidades. O
salário é pou-co, ou o juízo que é pouco?!
Pensei seguir com agressões, mas antes medi a dimensão de meus braços para
a tarefa. E lisos eram os meus braços, próprios para não intimidarem a ninguém.
E a inteligência? A inteligência, não? Inteligência não é usada para ninharias,
frivolidades, para violências com analfabrutos. Inteligência é coisa de
muito respeito.
Para mais, a pergunta daquele jovem não me surpreendeu. Habituado, eu
estava a pais, medíocres, que conquistam namoradas dos filhos, usando mais
ingénuas astúcias.
― Este meu filho, o que te dá? Sabes que a mesada que consigo partilha, sou
eu que lhe dou! E tenho mais!
Para o caso que me aconteceu, a
explicação é breve. Afastar o inimigo era forma fácil do moço ganhar a presa.
Quer dizer, fosse namorado daquela mulher e ela mal se sentiria. Teria acesas
meditações sobre o seu namorado, da sua aparente má apresentação, parecendo um
doméstico empregado. Por fim, desataria a namorar com genial observador de
namorados ou maridos mal apresentados. De início, em simultâneo, pois espertas
mulheres raramente mandam passear o primeiro namorado antes de segurado, e bem
segurado o segundo.
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