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    Hermenêutica (em desalinho) para a Independência Nacional



    Filinto Elísio -  Cabo Verde



    Para mim, a Independência Nacional é um achado ontológico de maior relevo e só a descrevo em palavras desalinhadas. Palavras, elas próprias, em processo de libertação. Direi, assim a abrir, que 5 de Julho de 1975 entrou em mim e daqui nunca mais saiu.
     Se nos entendemos, a Independência Nacional, no que teve de luz e sombra, em processo dialéctico, sumariza-se por libertação. E a libertação é pré-requisito da liberdade e esta a condição basilar do desenvolvimento. A libertação, sendo apanágio do despertar colectivo, nos permitiu ousar o vaticínio do Poeta Corsino Fortes do tal “Golpe d’Estode na Paraíse”.
    Assumida a Independência Nacional, entrámos logo em cena, já do primeiro acto de país improvável, para a polifonia de narrativas fossem elas as da I e da II Repúblicas, da reconstrução do País em monolítica unidade para a democratização em plural encanto, de perspectivarmos hoje transformação como agenda. Diria até, que era o navio que, ora redesenhado o mar de sua própria navegação, caminha para uma realidade já mais provável na fé de cada um de nós.
    Tenho vivido a efeméride da Independência Nacional em estado de êxtase. Lembro-me, como se hoje fosse, do rito da bandeira das quinas a descer e da euforia da bandeira das espigas de milho a subir, afora o redemoinho que à hora da grande largada fez do Estádio da Várzea nosso porto seguro para uma venturosa largada.
    Lembro-me também, adolescente e em rodagem, dos acordes de um hino em despedida e do uníssono de um hino novo, cuja letra (então vitoriosa) nos recordava dos nossos avós. Mais tarde, pois a história é teatro que não se cala, as nossas estrelas são dez e o hino deste tempo chama o irmão para o hino da liberdade. Que legítimo o tempo!
    Lembro-me ainda, com orgulho deste aparte, das palavras mansas e amigas trocadas entre um tropa do MFA 25 de Abril e um tropa das FARP, em como estavam doravante unidos pelos laços da solidariedade e de amizade, posto livres do colonialismo e do fascismo. “Com a Independência de Cabo Verde, Portugal ganhou um grande amigo”, disse alguém, também anónimo.
    Contava-me sempre dessas coisas o meu falecido amigo Luís Martins, filho do Poeta Ovídio Martins, que, por tempos dos comités, balalaicas e ladas, andava ele de dreadlocks, piercing na orelha e sabia namorar a flor de lácio com sujeito, predicado e complemento directo. Livre da silva, Luís Martins, era a Independência em seu estado frutal. Escrevendo ele sempre, com sintaxe da solidão e do desejo, o País que tanto amava.
    Um achado ontológico, dizia-vos, já que em mim abrir o sonho de uma terra utópica e necessária, de um ordenamento que não exclui alguém, de uma abertura para a humanização e para os direitos de todos, de uma postura menos positivista dos poderes - civilizada e democrática, ininterruptamente livre, livre, livre, como a letra do “Imagine”, de John Lennon.
    E, para fechar o texto, tempo de encararmos a Independência Nacional não apenas como um marco heróico do passado (na sua saudosa lembrança), mas como um desígnio de futuro, uma êxtase que nos trará mais qualidade de vida para o nosso devir existencial no “Estode de Paraíse”.
    Já numa toada, tão armilar quão hermenêutica, revejo Abílio Monteiro Duarte a declarar a Independência Nacional, sob um tórrido Julho que o calendário afirmava 5, a Declaração da Independência. Às tantas, convencia-nos ele, com elevada transcendência, da liberdade tudo se ousar.

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