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    EDUARDO WHITE SOBRE OS 30 ANOS DA AEMO: "não conheço a AEMO"

    Eduardo Quive





    Eduardo White é aquele que foi negociar os 20 mil meticais em 1984 na Embaixada de Portugal que deram vida ao projecto da revista literária Charrua na qual fez parte como membro do conselho editorial desde a sua morte “natural”. Apesar de já ter 50 anos, Pedro Chissano ainda o chama de “menino White”, aquele que subia a mangueira da AEMO para espontaneamente e como só ele sabia, dizer poesia num imbatível dueto que compunha ao lado da Anabela Adrianoupolis. Quase que aborrecido por falar do assunto “Associação dos Escritores Moçambicanos”, mostrou-se conhecedor da actual realidade da Literatura Moçambicana, principalmente ao que se refere aos novos autores. “Basta lançarem um livro já saem a gritar eu sou escritor!” – diz Eduardo White.



    Literatas: Que lembranças tem do menino White da Charrua?
    Eduardo White: Da autenticidade, da solidariedade, menos materialistas, não havia essa fome de poder que há agora. Agora toda a gente quer ser outro tipo de gente. Quer usar gravata, quer andar de outro tipo de carro, um AVC, toda a gente quer ser chefe, e por toda a gente querer ser gente este país anda mal chefiado. Eu acho que naquele tempo todo mundo queria ser gente, a minha juventude foi mais feliz e mais autêntica por que era uma idade de procura.
    Todos nós estávamos a procura. Toda gente lia muito, trocávamos livros, andávamos em grupo, é pa, bebíamos os nossos copos, fumávamos os nossos cigarros, ninguém saia sem outro. Éramos uma família, o que agora já não acontece. Bom isso é também devido ao tempo, mas acho que conservamos muito pouco aquelas coisas. Hoje vejo o meu filho que tem 30 anos, ele ainda tem amigos que são amigos dele desde os 18 anos de idade. Acho que isso é importante conservar. Uma família literária ou um projecto literário é por toda a vida. E quando a literatura começa a ser uma pista de atletismo, ela perde-se. Essa coisa que eu sou melhor que outro, é muito má para uma literatura que está a começar. E é um facto.
    Relativamente à expressão angolana, se vocês forem a ver, eles publicam tudo e o tempo vai encarregar-se de deplorar, de filtrar e é isso que nós precisamos. Nós precisamos mais jornais com páginas literárias. Naquele tempo todos os jornais tinham um caderno com duas ou três páginas dedicadas a literatura. Hoje não. Tens o “ Notícias” que tem o suplemente cultural, mas o resto já não há. É por isso que há falta de qualidade porque publicar no jornal é bom, para qualquer um. Mesmo para um autor consagrado, publicar no jornal é bom, porque mede o seu nível de escrita e as pessoas que o lê vão tendo noção de que quem ele é.

    L: Incrivelmente os escritores em destaque hoje na literatura moçambicana são da Charrua! Mas o que aconteceu para que as coisas mudassem?
    EW: É o capitalismo selvagem. Num governo de capitalismo selvagem, interessa sempre ao poder, controlar o que se escreve e o que se lê. E quem escreve e quem lê. Não é por acaso que as editoras que sobrevivem até hoje e que publicam, são as dos livros escolares. O dia em que essas editoras deixarem de publicar o livro escolar, não há livro em Moçambique. Não há um investimento. Ninguém investe num novo escritor. As vezes vejo jovens, eu próprio quando é para viajar, para obter uma passagem de 20.000 meticais, quase que te arrasta-se, quase que te humilhas, quase que ladras.
    As vezes digo que se fosse um cantor, talvez safava-me melhor, mas não bom cantor, mau cantor, com uns vídeos com umas mulheres com boas mamas. Neste país o que se patrocina são pernas e mamas. Não é música propriamente dita. Isso eu sempre disse.
    L: Mas há quem diga que o Eduardo White não tem sofrido para obter apoios, pelo nome e pela cor…
    EW: Há quem diga… há muita gente que diz muitas coisas de mim, mas até dizerem é porque há muita gente que não sofre pelo nome. E se eu não sofresse pelo nome imagina, não estaria a beber a crédito numa barraca. Mas quem diz são os que tomam chá no Hotel Cardoso, que andam de carros, esses é que dizem isso e que não escrevem a uma porrada de anos. E que são directores disto ou daquilo e que são ou foram ministros. Esses gajos todos é que dizem, mas se fores lá pedir a eles, sempre dizem estou a construir a minha casa, gastei uma fortuna. Mas eu não estou a construir nenhuma casa, não crio galinhas, não tenho três amantes, faço amor a crédito, tas a ver? De maneiras que estou me cagando para os gajos, redondamente.

    L: A AEMO completa 30 anos de existência, podemos dizer que são trinta anos de uma instituição literária?
    EW: É pa, eu nem sei o que é AEMO. Se existe isso ou não eu não sei. O que é AEMO? Conheço a AEMO a uns 10 15 anos atrás, isso ruiu. AEMO é o quê? É um bar? Restaurante? Não sei, não conheço.

    L: A fase em que une-se a vários jovens na AEMO, formando a Charrua foi crucial para ti?
    EW: foi crucial sim. Foi boa mas foi má porque se tivesse me dedicado a escola não seria pobre. Teria terminado o meu curso de engenharia civil, desisti no terceiro ano. É que eu tinha muita mecânica de sol enquanto eu queria a mecânica lunar.
    Depois fui fazer o jornalismo, tive um grande amigo que recebeu-me na altura da TVE (Televisão Experimental de Moçambique, actualmente Televisão de Moçambique, TVM), o Pedro Pimenta era na altura o director geral. Pôs-me ali a fazer alguns directos. E fiquei. Depois fui para a revista tempo. Foi de seguida a Charrua, dei aulas até que tive o meu primeiro emprego.

    L: Mas quase todos os que saíram da Charrua tornaram-se dirigentes…
    EW: Mas isso é com eles. Eu não me refiro a esse dinheiro. Estou a falar daquele dinheiro do dia-a-dia, apanhar um taxe ir até ao Museu beber um vinho, mas não posso porque só tenho 100 meticais. É bonito, mas ao mesmo tempo é chato, tenho já 50 anos. Dizem que temos que poupar, mas eu nunca encontro dinheiro para poupar.
    Quando encontro dinheiro só serve para pagar algumas dívidas, a água, a luz, o sapato em fim. Comprar uns livritos de vez em quando.


    L: Há uma nova vaga de autores moçambicanos, refiro-me aos que se quer fizeram parte da Charrua. O que acha deles?
    EW: Acho que é bom. Mas há muito escritor pedante. Hoje tu lanças um livro e se acham. São todos uns vaidosos. Isso é mau. Lançam e saem a gritar “eu sou escritor”. Acho que um escritor de verdade, não é isso que diz.

    L: O que tem que dizer quem quer ser ou é escritor realmente?
    EW: Ya, poeta é puta ao mesmo tempo. Esse é um melhor conceito, sem vaidade, sem grandes coisas.
    Por exemplo vocês estão a fazer um bom trabalho com humildade, isso é bom. Vão aprender mais do que sendo arrogantes.
    Sabes porque é que a associação dos escritores hoje é o que é? Ou morreu porquê? Por causa disto, este é este, o outro não é nada. Mas não, todos nós somos. Tu tens os teus leitores e eu tenho os meus. Os teus leitores podem não gostar de mim ou podem gostar de mim por influência tua. Por exemplo o meu filho não me curte nada. Diz que prefere o computador e eu respeito isso. Tem gente que me curte, mas não curte o que eu escrevo. E nem por isso não deixamos de ser amigos e nem deixo de dar importância a o que eles dizem. E quando gostam é porque viram algo de interessante.

    L: Estava a dizer que o que está a acontecer é bom, ao mesmo tempo que reclama da arrogância dos novos. Então que momentos estaríamos nós a viver?
    EW: Olha, estamos a passar pelos engravafatados. Os que já são, estão e de vez enquanto saem do guarda-fato. Com ar e são senhores e temos aqueles que querem ir para o Guarda-fato. E devemos partir os guarda-fatos e dizermos a eles que não há guarda-fatos, devemos escrever e ter mais lugares para publicar. Mais jornais que tivessem mais espaço para jovens escritores. Porque a literatura é mais uma forma de intervir. Todos grandes escritores que conhecemos, desde o Gabriel García Marquez, Jorge Amado, utilizaram a literatura como meio de retratar a guerra, de expressar opiniões, etc, etc. Isso é que é importante.
    Por exemplo vocês tem uma revista electrónica e que a juventude e não só pode a ler baste abrir o e-mail sem gastar dinheiro. Isso é bom, porque os preços dos livros são altos. Até eu há livros que tenho dificuldades em comprar.

    L: Os preços dos livros te preocupam?
    EW: Preocupam-me porque não ganho nada.

    L: Mas sendo um escritor e com uma das obras mais caras entre os escritores moçambicanos…
    EW: Esses livros que são caros são meus aparentemente. Há um maior investimento por parte do artista, mas ele recebe 10% do preço de capa. Se um livro custar 100 meticais ele recebe 10. E numa tiragem de 3.000 a vender por 100 que serão 300.000 meticais, ele só recebe 30.000. e levaste por ai cinco anos a escrever o livro. O autor está a ser mal pago e isso acontece porque aqui temos poucos leitores, os editores não arriscam a grandes tiragens porque as grandes tiragens diminuem os preços dos livros, tanto nos custos como no produto de oferta e dão a possibilidade de o autor ter mais dinheiro.
    E depois mesmo os livros escolares que são a maior produção que o país faz, os escritores não recebem direitos do autor, deviam receber. Tudo isso são coisas
    importantes.
    Há estúdios que são feitos e que todos os dias me chegam, sobre mestrados, licenciaturas sobre as minhas obras, mas nunca recebi tais livros. Nunca recebi dinheiro, nunca recebi pedido de autorização, nem livros, nem o convite para ver esses tais lançamentos. Isso desagrada-me um pouco.
    Há uma coisa que até já escrevi, “ ser poeta pobre e um pobre do poeta”. É pouco dignificante ser poeta. Mas não estou a dizer para vocês deixarem de ser, porque os vossos tempos vão ser melhores.

    L: acha que serão melhores…? O que te faz pensar assim?

    EW: Vão ser melhores. Porque acho que os futuros dirigentes serão vocês e se tivermos mais gente escolarizada, lida, letrada, nos destinos deste país, mais importância se vai dar à cultura, mais importância se vai dar ao desporto, mais importância se vai dar a juventude, mais importância se vai dar às livrarias, às bibliotecas – um país sem bibliotecas é … - a tua Biblioteca Nacional não tem nada! A pouco tempo o director do Arquivo Histórico chamou atenção que os arquivos não estavam a ser bem conservados porque estavam numa casa em arredores. Estamos preocupados com outras coisas e isso é mau. É preciso chamar atenção à essa gente. E há gente que escreve ou que diz que escreve, o Presidente da República é poeta e membro número 10 ou 11 ou 07 da Associação dos Escritores Moçambicanos, o Marcelino dos Santos, o Sérgio Vieira – não sei se já deixou de ser poeta ou ainda é - , mas essa gente está no poder e não faz nada. Estão preocupados com as patentes, com o poder, com os carros.
    Mas há gente no meio dessa gente que ainda – graças a Deus – está a suportar muito o que se faz hoje na Literatura, na Música, como o caso de grandes empresas.

    L: Outro facto é que há escritores um pouco por todo o país que não são conhecidos interna e internacionalmente…
    EW: Sim mais que livros tens para levar para fora? Há escritores mas eles não têm livros. Como é que vais chegar lá fora? Até nós que temos livros nos é difícil chegar lá fora! Chegam apenas alguns que tem lóbis.
    Anda a fazer-se um mau juízo de nós os escritores consagrados. Nem toda história que se conta a nosso respeito é verdadeira. Isso são ilusões que todos dias estamos lá foram. E se estamos lá fora só sabemos depois muitas vezes. São meras ilusões. Hoje tens dois ou três escritores que estão lá fora porque pronto…. É o caso de Mia Couto, Paulina Chiziane – esta merecidamente porque está a fazer um belíssimo trabalho – tens ainda o João Paulo Borges Coelho que só agora começa a sair e ninguém. Aliás o que tens depois sou eu e o Khosa que publicamos livros fora, mas voltamos a publicar outra vez cá dentro, porque publicávamos lá e cá não se lia, é preferível que se leia cá do que lá fora.
    É ai onde devia entrar a associação dos escritores – lá vem, eu não queria falar dessa porcaria, desse casebre – se a associação dos escritores congregasse escritores poderia se debater e ver-se que saídas se podiam arranjar para esses problemas. Nós estamos mal de saúde em termos de divulgação literária. Muito mal mesmo. O Brasil está a entrar muito bem. Aliás o meu amigo Calane da Silva, gosto muito dele e ele sabe disso, tenho esse precedente com ele, desse brasileirismo que ele tem, que eu acho que faz um belíssimo trabalho, mas falta mandar de cá para lá para que se leia, porque Brasil é potencialmente um grande mercado para a literatura.

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