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    FILIMONE MEIGOS SOBRE OS 30 ANOS DA AEMO: “Há uma mc-rogização da Literatura Moçambicana”

    Eduardo Quive



    Filimone Meigos, o jovem da Beira que acompanhou enquanto ainda militar, o processo de criação da AEMO, através de um contacto em Nampula com Rui Nogar e Orlando Mendes que apaixonaram-se a primeira como a sua escrita. Chega a Maputo e deixa-se levar pelo ambiente literário que caracteriza de democrático, vivido na Charrua. Hoje, sociólogo, dirige o Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC) é mais um legado daqueles que foram os tempos de gestação de novo sangue da Literatura moçambicana. Contudo quando chega a de fazer o rescaldo daquilo que é hoje a escrita em Moçambique, dá também a mão à palmatória.



    Literatas: Entra na Charrua já com ambições como escritor? Tinha já em plano a publicação de um livro?
    Filimone Meigos: Eu devo ter sido um dos últimos escritores da Charrua a publicar uma obra. O livro não era um fim em si, obviamente que iria ser, mas não era uma meta. Se for a ver o Pedro Chissano, ou eu, mesmo próprio Aníbal Aleluia, nós só lançamos livros já no fim. Na verdade o que valeu naquele tempo foi a possibilidade de partilharmos vivências, e debatermos a literatura no seu sentido mais amplo. Nós líamos muito e trocávamos livros e ideias. É isso que me traz muita tristeza porque não se esta geração suposta ser a fiel depositária – o que é normal porque as gerações sucedem-se – não sei se lêem, se trocam livros. Nós fazíamos isso, íamos a casa de um e do outro, embora bebêssemos uns copos, e havia uns mais adiantados outros, já tinham livros e até famílias, como era o caso de Khosa, Chissano e do Bucuane. Nós vivíamos como família. Veja hoje como os filhos de Khosa, ou os do White, os meus filhos, tratam-se como primos, somos tios e eles consideram-nos assim. E não era farsa, provavelmente porque não houvesse diferenciação social como hoje há. Éramos todos iguais, ninguém tinha nada. O Rui Nogar é que tinha que lutar para nos meter na loja para temos uma camisa, calça ou mateiga. E ele fazia questão de dizer ao pessoal das lojas que éramos responsáveis. Ele gostava muito de dizer “cada um com a sua idiossincrasia”.
    Nós tivemos sorte porque apanhamos uma geração que depositava em nós a esperança e me parece, modéstia parte, que correspondemos a expectativa.

    L: Corresponderam as expectativas…
    F.M: Tu lés um “ Ualalapi” de Ungulani Ba Khosa, “ Amar sobre o Índico” de Eduardo White, e tu vês que está ali uma coisa sumarenta. Bem exprimida e as análises que fazíamos um bocado empíricas, porque nenhum de nós tinha ido a escola, mas eram feitas com alguma profundidade.

    L: Mas também eram tidos como rebeldes…
    F.M: Sim. Essa é a característica da juventude. Não é rebeldia como rebeldia, mas rebeldia com alguma substância. É um bocado disso que não sinto na geração que nos sucedeu na AEMO. E para o meu gáudio, sinto isso com o Movimento Kuphaluxa, que é – se eu quiser dizer quem é que herdou o espírito ou o modis faciente da Charrua – na minha opinião não é a geração dos jovens que estão na AEMO que faz edita e discute ideias sobre a nossa literatura. A geração que está na AEMO não consegue fazer isso.

    L: Mas nesse processo de “passagem de testemunho” sendo que vocês aprenderam dos outros, fizeram o vosso tempo da juventude com um certo reconhecimento e terão ensinado aos mais jovens que hoje estão, o que terá falhado?
    F.M: É um problema conjuntural. O testemunho ficou nas nossas mãos e não foi passado por vários motivos:
    Primeiro parece-me que a geração sucessora não entendeu o recado.
    Segundo parece-me que a própria conjuntura fez com que tivéssemos tido uma abordagem diferente. Era outra coisa que não fosse literatura. Nós nunca pensamos nisso. Fazíamos literatura por literatura. Parece-me que a conjuntura
    impeliu-nos – quando digo “nos”, estou a incluir-me na nova geração e dou a mão à palmatória – impeliu-nos à Mc-rogização da Literatura tal como aconteceu na música e nas outras modalidades artístico-culturais. É a cogumelização, a preocupação com os efeitos rápidos, e ganhos. O que nós na Charrua não tínhamos. Éramos pobrezinhos, mas não pobres de espírito e se leres o Khosa vás achar isso, por exemplo. Mas hoje estamos preocupados com o exibicionismo, marcas de factos e parece-me, infelizmente que esse paradigma vincou – a parte na minha opinião o Movimento Kuphaluxa – mas vincou esse Mc rogização, enquanto a literatura vai para além dos fatos.

    L: Mas esses todos problemas que se registam que resultados trarão em termos do novo produto artístico.
    F.M: Toda gente apercebeu-se sem o devido contrafeito que a cultura é um poder. Mas não tem o devido contrapeso, porque não estudam, não lêem, então fica tudo vazio. Esvazia o conceito de arte como o nível mais alto de criatividade e por conseguinte o nível mais alto de intelectualização do mundo circundante.
    Então, estão todos preocupados com os livros, gingação, meninas e viagens, mas se olhares para eles com tudo isso não são nada.

    L: Já disse, portanto, que Kalach in Love é uma releitura do programa radiofónico “ O Poema essa Arma”, mas também podem ser as falas de um militar que precisava da paz?
    F.M: Há ali a antítese da guerra, ou seja, o dilema de ter que pegar numa arma para alcançar a paz.

    L: E é exactamente isso que quero saber, porque há aqui um cidadão que era militar e tinha que lutar, por outro há aquele que diz “a guerra não é a solução”…
    F.M: Tínhamos o Apartheid e tínhamos os BA’s, estávamos expostos à apúlia, por um lado, mas por outro, tínhamos como única saída a guerra. Mas como hipótese de trabalho submersa era a paz. Nós podíamos ter uma solução para o Apartheid os BA’s negociando a paz, e esta era a proposta da Charrua. A Liberdade. Na Charrua tínhamos o debate crítico e democrático que não é o que me parece haver agora na AEMO. Não sei que cor tem e o que pensa a geração que agora se encontra na AEMO.

    L: Acha que há falta de uma ideologia por parte dos actuais gestores da AEMO?
    F.M: Nós tínhamos uma ideologia que não era exactamente uma ideologia. Mas pelo menos tínhamos um manifesto. Se for a ler Charrua poderá encontrar isso, mas não me parece haver esse manifesto nos que agora estão. 

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