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    Albas


    De: Jorge de Oliveira – O País


    (Maputo) - Sebastião Alba, poeta moçambicano, dá, neste livro, uma autêntica lição de vida, intelectualidade, grande erudição e atenção à sabedoria que acompanha os humanos. O que é este “Albas”? É um diário de vida, notas que o SA foi escrevendo, dia-a-dia, acompanhando e criticando a vida como uma forma de evitar a morte, depois da experiência amarga por que passou numa instituição para dementes.

    1.  Um Homem completo, sem a parte material, já que, apesar da grande riqueza e domínio da consciência de vida, SA furtou-se à parte administrativa, seguiu, e isso vê-se neste diário, um regime de exclusão (da riqueza que não seja a meramente intelectual) social, vivendo só para si, sem relações humanas com o exterior.
    2. “A poesia não é só o domínio da língua, até porque ela é indomável. Mas a ternura pelos fracos: as crianças, as mulheres (tão vulneráveis), os velhos já senis. E os pobres animais bravios. Às vezes acordo, às quatro da manhã, a pensar em pardais nos ramos, com o bico sob a asa, fustigados pela chuva, à espera de que o sol raie.”
    3. Custa acreditar que existam pessoas assim (ainda existem? Talvez não), que vejam o mundo ao contrário, que vivam a contra senso, onde todos vão para a direita e eles acabam por ir no sentido oposto – uma espécie de negação da vida.
    4. Terá sido por opção própria ou por imposição das circunstâncias em seu redor? Estar-se-á perante um caso de culto da não vida? Do vício do à rasca? Hoje, faz-se tudo por dinheiro, perdeu-se a solidariedade, afundou-se o Muito Obrigado, elevou-se o Quanto é, a sobrevivência de um implica matar a do outro, os direitos de um não terminam onde começam o do outro (como se diz), começam em cima do outro.
    5. “Nos últimos 30 anos, já 30 tipos disseram que eu não sou um mau escriba; outros 30 que sou um bom sacana; 30 crianças agradeceram-me, com um beijo, as guloseimas; 30 outras esqueceram-se disso; pelo menos 30 pessoas murmuraram à minha passagem; 30 abraçaram-me com afecto; 30 pegaram-me furiosamente pela gola da camisa; e 30 deram-me um jeito com os dedos para que eu não fizesse má figura, ali onde estavam”.
    6. A música clássica reclama um lugar interessante neste “Albas”, fazendo companhia a um cidadão solitário, cheio de dignidade, muito culto, vazio de afecto. O diário, falado na primeira pessoa, doutro modo não seria de esperar, situa-se entre Moçambique, terra que o acolheu, e Portugal, onde passou os seus últimos dias.
    7. “Meu pai morreu; o Virgílio Ferreira também. Nenhum deles estará no mesmo substrato da memória dos homens. Mas queria falar de outra coisa, desta juventude. Quanto mais convivo com ela, em viagem, nos lugares por onde passo (e são muitos), menos acredito naquilo por que, alguns de nós, lutaram: ajudá-la a pensar.”
    8. Tem-se de (quase) tudo, nestas notas, a morte de Samora Machel, num desabafo à viúva, as esmolas que pediu, os polícias que o importunavam ou os guardas que não o deixavam dormir em locais que ele achava poderem servir de aconchego nocturno.
    9. E é também uma obra de amor, que o autor sente pelas filhas, por Che Guevara, seu ídolo, e ódio, sempre que vê uma asneira, uma situação em que a deselegância empurra os Bons Modos para o lado.
    10. “Nunca nos apercebemos dos acontecimentos mais solenes. Qual de nós se lembra de ter nascido? Qual de nós se recorda do momento exacto em que adormece? (e morre, às vezes, durante o sono)? Ou se apercebe, quando faz amor, de ter gerado um filho? A sombra do Universo recobre-nos, e ainda bem. A morte, não tenho qualquer dúvida, virá assim: com um leve suspiro exalado.”
    11. Existe um ponto da sabedoria que nos faz muito mal; quando se sabe muito, critica-se tudo e todos, não se consegue lugar nem pessoas com quem viver, a impaciência triunfa e rebolamos para um abismo onde a vida em comunidade se torna impossível. Saber muito torna-se uma espécie de veneno ou de feitiço que se vira contra o detentor, torna-o praticamente irracional, acabando por levá-lo à morte.

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