EM DESTAQUE

  • RUA ARAÚJO….É hora de ir a putaria. Conto de Eduardo Quive
  • FESTIVAL INTERNACIONAL SHOWESIA – levando a mensagem sobre a Paz no Mundo através da arte
  • VALE A PENA GASTAR 111 MILHÕES USD PARA ALTERAR A LÍNGUA?
  • Feira do Livro da Minerva Central na 76ª Edição em Maputo”.
  • SEGUIDORES

    LEIA AQUI A EDIÇÃO 51

    Pub

    CRONICONTO: Os vizinhos de lado

    Dany Wambire - Moçambique



    Pediram-me ou me ordenaram a escrever. Que eu pegasse mesmo na pena, pois, segundo eles, já tinham me visto, fingitivo, a traduzir vozes de certas almas, que ultimamente faziam do meu corpo, das minhas mãos, suas ilegítimas propriedades. E eu finjo e fujo, para não cumprir com as ordens destas almas que não conseguem pôr a escrito as suas inquietações e satisfações. Ainda, apresento falsos argumentos. Sim, me vou digladiando nas argumentiras.
    ― Vocês estão a me incriminar. Qualquer dia vou preso por causa das vossas declarações.
    Como era de esperar, ninguém se comove com a minha injustificação. Defendem-se, essas vozes, que há um direito que lhes assiste, o de liberdade de expressão. Que testemunharão a meu favor, caso qualquer indivíduo apresente uma queixa à justiça, se por mim entender-se ofendido.
    E se se deseja exemplo de alguém que este hábito tem, de encomendar escrita das suas inquietações, tenho Infelisberto Descansado. Este é quem ultimamente me vem bater à porta para lhe escrever a estória dos seus vizinhos de lado. Como o próprio Infelisberto diz, esses vizinhos discutem em demasia, acima do anormal. Trinta horas por dia, coisa inaceitável.  
    Digo-lhe que não posso escrever este assunto, bastante sensível. Afinal, ele bem sabia que em assuntos de casais não se deve pôr a colher. Eu só escreveria caso o assunto transmutasse ao contrário, de sensível ao insensível. Mas ele insiste, dizendo:
    ― Não é caso de vida ou morte, mas o assunto merece um documento escrito.
    Não resisto. Não é meu forte recusar a pedidos. Gosto é desafiar ordens ou mandos arrogantes, e não a pedidos humildes. Então, fui escrevendo, traduzindo em escrito a voz deste Infelisberto.
    Começou por dizer que o seu vizinho, Salomau Maugente casou-se com a enteada, logo após a morte da mãe desta última, por sinal esposa desse Salomau. Os dois viveram juntos, enfrentando más-línguas. Peniscilina, a enteada, passou a ser em concomitante irmã, madrasta, mãe dos filhos de Salomau.
    Diz-se que tudo andava às maravilhas. Chegaram mesmo a ter muitos filhos. Coube ao primeiro receber um nome que fenecesse com todas más-línguas dos demais. O nome foi adoptado e adaptado em inglês: Letspeak. Queria-se dizer que pessoas podiam falar, mas essas falas não afectariam a sua relação. Muito pelo contrário: estimulava-os a ter mais filhos.
    Aconteceu, todavia, que ultimamente os problemas faziam constantes visitações à relação dos dois. Até melhor é dizer que os problemas foram aparecendo como se fossem os sangues que visitam às mulheres em cada mês. Peniscilina foi entendendo que a sua relação era incomum: ela separava-se do Salomau em idade a trinta anos. Sendo a maior para Salomau, obviamente.
    Frustrada, começou a beber álcool até acabar a decepção. Acabou a frustração, mas nasceu nela o gosto pela bebida, passando a fazer-lhe companhia no seu dia-a-dia. Quer dizer: no tremendo exercício de alívio da frustração, nasceu-lhe um vício.
    Em casa não parava. E sempre que o marido lhe exigia satisfações, ela prontamente respondia-o.
    ― Não me incomode se não, vou-te denunciar.
    ― Denunciar, fiz o quê?
    Peniscilina dizia que iria ao gabinete de atendimento à mulher vítima de violência doméstica para apresentar a queixa de que o seu marido, quando se envolvera com ela, há dez anos atrás, ela era menor, contando apenas com catorze anos de idade. Houve nessa altura violência sexual, acreditava ela.
    Você abusou-me e violou-me sexualmente ― ameaçava, bêbeda Peniscelina quando lhe apetecia.
    Não foi violência sexual, mas sim agressão sexual ― retrucava Salomau, concluindo no seguido, ― todo sexo é violento. Mesmo o consentido.
    Não paravam as discussões. Ainda, uma vez, Salomau seguiu a esposa numa barraca para que ela viesse à casa e tomasse conta do recado doméstico. E ela respondeu, com violência verbal.
    ― Por que me persegue? Não vês que eu não te quero?!
    ― Se não me quisesses, ias procurar feiticeiro para pôr-me na garrafa?
    E seguiam outros palavreados e palavrões, indescritíveis.

    0 comentários:

    Enviar um comentário

    Pub

    AS MAIS LIDAS DA SEMANA

    Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More