Eduardo Quive - Maputo
Esta é a quadragésima oitava vez
que nos apresentamos a si, caro leitor. Ainda não cessamos a tarefa de informar
sobre as letras, debater e divulgar, propósitos imutáveis desta Literatas nossa
que nasce do sangue dos poetas, prosadores, críticos entre novos e velhos que
embarcam quinzenalmente nesta loucura missão de fazer a arte virtualmente a
partir de um país onde há uma maioria considerável que não tem acesso à
internet. Cada espreita dela que damos aos leitores, sentimos que vale a pena e
quando saímos, vemos olhos ansiosos e ouvidos famintos por uma boa literatura e
com fronteiras abertas. Assim falamos nós sem retratos imaginários, estamos na
vida real entre os naturalistas, realistas e surrealistas até aos experimentalistas.
A literatura é feita de movimentos e só se move que sem deixa morder por esse
bicho perigoso que se chama palavra.
Já diz o brasileiro Alberto Lins
Caldas, esse homem que escreve tudo a minúscula inicial incluindo o nome do
país porque reconhece que a tarefa do escritor é criar o seu mundo, as suas
gentes a que acaba se tornando servo. o
leão é uma forma de zebra, a anta é uma forma de onça, o capitalista é uma
forma de operário, um latifundiário é uma forma de camponês. É tudo uma
forma, e nós, na virtual forma, fazemos a saudade, a lembrança, o desejo e
outros prazeres que achamos que só fisicamente fazem sentido.
Saímos de Outubro onde pela
primeira vez, realizou-se a Mostra de Literatura Infanto-Juvenil em Maputo com
a convidada especial Lurdes Breda, escritora portuguesa com cerca de 20 títulos
publicados, na sua maioria infantis. Foi mais uma daquelas viagens a jangada
nas águas agressivas da barra do Limpompo que engolem vidas na travessia dos
tempos. Mas acima de tudo, foi uma viagem repleta de experiências marcantes
para a Literatura Infantil em Moçambique, género que ainda padece de
desinteresse pela maioria. Isto ainda leva-nos a questionar se as crianças
moçambicanas têm acesso a uma literatura da sua faixa etária ou não. E a
resposta é não.
Na obrigação que se tem feito publicidade
ultimamente, os adultos dizem “é de pequeno que se torce o pepino, as crianças
devem crescer com hábitos de leitura”, mas os livros para essa camada aonde
estão? Eis a hora de se despertar, não se pode exigir das crianças que leiam
obras adultas, com palavras que nunca viram e ouviram, todas páginas só com
palavras secas, tudo a sério. Assim, como diz, Lurdes, elas só se assustam. Há
que se investir numa literatura adequada para os petizes e não impor que elas
leiam os clássicos e os compreendam como os adultos. É até por falta dessa
diferenciação, que temos agora crianças a partilhar as famosas novelas
brasileiras com os adultos com cenas pornográficas e palavras obscenas a boa
moda da juventude moderna.
E mesmo a propósito das novelas,
outra vez o Hélder, meu sobrinho de 2000, uma vez disse à Lulu, sua irmã de
2005 “me dá um beijo de amor”. A irritação não me coube no peito, afinal não
são os miúdos que vão atrás das novelas, são as novelas que vão atrás deles,
pois é de manhã, é de tarde, é de noite, elas são propaladas e sem nenhuma
hipótese de evitá-las.
O maior preocupante é que na
actual Política de Livro ainda em discussão, parece que as crianças não fazem
parte das decisões do governo sobre a sua educação cultural e sobre os seus
livros. Há que se tomar decisões tendo em conta todos os níveis, se não, a
sociedade estará formada em estranhos fragmentos.
0 comentários:
Enviar um comentário