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    O lado da Ala-C (lado alado) no Contar Ser Gregos e na poesia epigramática de Emmy Xyx Ou a arte de Contar SeGredos

    Mbate Pedro - Moçambique



    À

    s vezes escrevemos porque não sabemos fazer mais nada. Ou às vezes não fazemos mais nada porque só sabemos escrever. O que há, no intervalo entre não fazer mais nada e escrever? A arte. A arte de Emmy Xyx. Ou, se preferirem, a da poética de Manuela Xavier, que, como diria Herberto Hélder, escreve para os silêncios. Porque a poesia, aqui, não nos surge quando estamos vazios dos outros. Mas sim quando cheios de nós próprios, estamos. Exaustos de bater as asas sem poder abrir voo. Há em Contar Ser Gregos, de Emmy Xyx, a mesma angústia, indignação e miséria humana que habita (ou habitua) a poesia epigramática de Amin Nordine, poeta pós-modernista Moçambicano, ou até nos poemetos de José Paulo Paes, poeta Brasileiro. Disso, Manuela Xavier fala-nos, no poema intitulado “Quantas noites”, na página 56: “Cada dia que passa/por trás das grades estremeço/quantas noites faltam/para o que não mereço?/”. As ressonâncias e as aproximações com a poesia Nordineana, operam na dimensão estética de grande parte desta obra, embora a autora, num brevíssimo poema de inegável beleza estética, faça a demarcação topográfica e territorial da sua poética com a do autor do livro, “Do lado da Ala-B”. Ora, vejamos: “Lado a lado?/Seria bom, mas não é assim/para ficarmos água lados/seria/também eu/estar dentro de ti…/aguar em ti/no lado alado…/não-se-ria?!/”.
    Com uma poética essencialmente vocal, com um notável cuidado sobre a linguagem e uma contenção grega quase a resvalar à austeridade, Manuela Xavier escreve para a música que há dentro das palavras e à canção que, insubmissa, cresce por detrás delas. Daí talvez, que uma larga parte de Contar Ser Gregos seja, a meu ver, musical, como aliás atesta, o poema “Viver cem gurus”, página 64: “Todos dias vivem cem gurus/todos altares dormem maduros/vastos algozes espremem impuros/porque se espumam em apuros/”. Ou até o poema, “Murmúrios de Zim”, página 47: “Correntes que chamam por mim/numa tertúlia a benigna sem fim/gritam alto murmúrios de zim/fincando pé cortes doces em pudim/”.

    Por outro lado, o recorrente experimentalismo lúdico, a que somos convidados a assistir, desde o título da obra, Contar Ser Gregos ou Contar SeGredos, assume, a meu ver, a imagem central na poesia da autora. Há neste livro, uma constelação de trocadilhos bem conseguidos e que, com alguma originalidade, sobrepõem-se uns aos outros como as costuras de um vestido de noiva. Vejamos alguns exemplos: “…Porque me obrigas/quando te queres abrigar…/porque eu sinto e tu és sentido? ”; “ mas o fogo não afaga o fogo”; “o estudo que me diz que tu és tudo”; “…do meu furto/faço futuro/...do teu fato/faço factura/”.
    Uma Emmy Xyx terrivelmente satírica e profundamente irónica, características que quase pouco se vê no nosso actual panorama poético feminino. Repare-se, por exemplo, como opera, a ironia, no poema Bala pedida (não bala perdida!), na página 16: “a bala pedida encontrou/volumes imensos a flutuar/de madrugada à noite soou/nada há a lamentar”. E num outro texto, intitulado, “Erres de heróis” (não erros dos heróis), lemos: “os erres dos heróis são apagados?/Os erres são livres de ficar?/Quantos erres tem o vento?/ Quantos ventos tem o mar?/”. 
    Se é verdade que, como Lobo Antunes um dia escreveu, a verdadeira arte é aquela que resulta do trabalho árduo e do sofrimento do artista, para que depois o leitor tenha o prazer do texto, e não o contrário, não deixa também de ser verdade dizer que Contar Ser Gregos requer um leitor sem nevoeiro dentro de si, como diria o bom do Eugénio de Andrade. Talvez seja por isso, que Manuela Xavier alerta-nos, neste fragmento do poema “Escrituras”, página 39: “…o que é preciso é saber ler,/conforme as escrituras/”.
    Jorge Luís Borges dizia, amiúde, que o essencial da boa literatura e da arte no geral, é a metáfora e a maneira como o autor se insinua nela. Contar Ser Gregos, obra que reúne 53 poemas, (a)Grega desde simples imagens subtis à outras de uma violentação e tensão metafórica, equiparáveis ao que encontramos, na poesia escatológica de um Andes Chivangue, cá entre nós ou na de um Luis Miguel Nava, escritor português. Cumprindo aquilo que é a função da literatura genuína: a de produzir uma tensão muito mais fundamental do que a própria realidade. Escute-se alguns fragmentos: “…a andorinha …/ enterrou a sua viagem/”; “ …barbas emprestam ao pano/a solidez do ser fino/”; “...diz-me porque o medo/vai atrás das primaveras/”; “…até nos mares tens cebolas…”.
    A poesia de Emmy Xyx, distancia-se, com um discurso singular, do lirismo amoroso em voga no actual momento literário em Moçambique e, praticado pela maioria das poetisas publicadas, criando uma voz própria, limpa e que através dela, o sujeito poético manifesta a sua denúncia (Contar SeGredos) e o seu desencanto com, passo a citar: “… a coscuvilhice nacional, …as verdades mintas do tamanho dum boi…, com os chulos…, com os vastos algozes que espremem impuros…, com o fim que continua ferozmente a começar pelo princípio…, e…com os que gozaram sem sanções”.
    Agora, pergunto: o que os leitores procuram nos livros, para além de uma nota perdida (não pedida!) de quinhentos meticais? Porque a literatura, como certa vez disse Ferreira Gullar, não melhora em nada a nossa condição de vida. Muito pelo contrário. A arte, tem tirado dos artistas quase tudo e a muitos de nós, a pobreza deixa-nos como herança apenas um fio da sua baba. O que os leitores procuram nos livros? Os leitores ávidos e atentos ou leitores que do leite fazem leitura, como observa Manuela Xavier. Esses, que procuram nos livros o amor e o despertar às coisas belas, fim primário e irreductível da verdadeira arte. Esses, a quem se pede a preciosa e psiquiátrica paciência de quem escuta o outro a Contar SeGredos. Porque a vida, sem o amor às coisas belas, fica uma coisa terrível e insuportável! E talvez, seja por isso, a meu ver, que o sujeito poético, em Contar Ser Gregos, alerta-nos, que mesmo com o Chão-País torto, iniciará a canção, mesmo com o Chão-País coxo, elevará o nome da nação, mesmo com o Chão-País roto, encherá os sinais, mesmo com o Chão-País porco encontrará desencontros e mesmo com o Chão-País morto, saberá dançar.
    Para terminar, que mais dizer, para além do facto de “Contar Ser Gregos”, despertar em nós, uma das grandes metáforas das nossas vidas: a de Contarmos um dia Ser Gregos. Afinal, não há em cada um de nós um pouco do Maníaco de Atenas? O personagem de Machado de Assis que por dormir ao relento, todos os dias, em frente ao porto de Pireu passou a julgar que todos os navios que atracavam lá eram de sua propriedade.
    Talvez a ignorância e a ingenuidade enganem-me, mas Contar Ser Gregos, é, a meu ver, um dos mais puros livros de poesia, feita por mulheres, que até hoje publicou-se em Moçambique.

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