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    Um leproso no meio do caminho se sentindo

    Eduardo Quive - Maputo

    A vingança é um prato frio, em que qualquer um pode se lambuzar, de acordo com os seus feitos.
    São as minhas pálpebras atordoadas de surpresas, que num acto de sensibilidade e sobretudo de medo, questionaram a presença de um leproso em plena via pública, como de um perigo para a sociedade se tratasse.
    Também subestimei a minha forma de pensar, a minha maneira de agir, em suma, a minha atitude quase desumana, de olhar para um compatriota, que simplesmente sente as torturas da natureza selvagem na sua pele.
    Vi o homem ali sentado, descascado, com a pele se despelando, de certeza procurando sentir do coração as dores e olhar detalhadamente para os seus dedos caindo aos bocados. Muitos passavam daquele lugar, mas ninguém sentiu o que senti.
    O meu peito ficou trémulo, a cabeça batia como se fosse um tambor que suporta a fúria dos artistas e os meus pés davam passos assustados, os olhos esses já não eram meus, o homem já tinha os arrancado de mim.
    Com as mãos na cabeça o homem parecia cada vez mais se contorcendo de tanta dor, uma dor que vem do interior, levando com sigo o ódio e a raiva de estar vivo, o homem nem se quer gritava, muito menos chorava. Estava calado e bem calado. Não parecia nada.
    Quem o visse à primeira vista, só de raspão até pensaria que tivesse bebido qualquer coisa, como aguardente, mas juro que não era. Nem isso, nem outra coisa. Era uma dor ardorenta, amarga, apertada e sufocada que lhe saía do interior da forma mais tranquila.
    O homem buscava a dor da forma mais aternurada. Tranquilamente, que o possível. Mas em gestos era tudo sinal de dor. Muita dor. Mordia os dentes e os lábios, ainda os molhava. Coçava as pálpebras com muita raiva, como se alguém estivesse por de trás daquela dor e o cutucasse, acredito que com as suas mãos, precisasse coçar-se. Mas não podia. Os dedos estavam a arder de tanta dor interior, estavam a desdilharem – se da forma muito lenta e dolorosa.
    Ele já não era nada mais, do que um leproso no meio do caminho se sentindo, com cheiro a fedor que deixava as moscas na fúria e cobiça. E tinham poder sobre ele. Sem poder fazer absolutamente nada. Nada mesmo. Era só pousada e picada. Dor e fervor. Irritação e raiva. Os homens que por aí passavam é que não o cobiçavam.
    Eu estava ali. Embora de passagem. Mas estava ali. Com ele. Sentindo a dor, de certeza mais do que ele.

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