Victor Eustáquio - Portugal
A cultura não é um património estático, o que leva a
concluir que determinados mitos e tabus que foram necessários para regular a
vida das comunidades em muitas áreas da África subsariana deixaram de ter lugar
na sociedade moderna. Por outras palavras, os modelos de poder simbólico que
orientavam a regulação da vida social estão a ser objecto de um movimento de
erosão, tanto endógeno como exógeno, a que não é alheio o processo em constante
evolução da troca de informações posto em marcha com as novas tecnologias.
Mas as elites africanas estão divididas. E têm razão para
isso. Sobretudo porque ninguém sabe ao certo o que é uma sociedade moderna. Nem
em África, nem fora dela. Basta lembrar que modernidade e desenvolvimento não são
necessariamente conceitos convergentes. E o problema torna-se ainda mais
complicado quando a “aldeia global” não sabe o que fazer perante a acção das
forças transnacionais que têm um único objectivo: a reprodução do
capital.
Ora, é nesta vocação para a expansão capitalista – um
paradigma que não conhece nem reconhece cor ideológica, ao contrário do que
muitos defendem, mesmo quando localizam os seus discursos formais na esfera dos
desenvolvimentismos de alinhamento marxista – que parece residir o essencial da
questão. Até para os países industrializados, supostamente beneficiários de
etapas de desenvolvimento mais avançadas e com dinâmicas sociais
multidimensionais completamente diferentes daquelas que se manifestam nas
sociedades africanas.
Voltemos ao princípio: a cultura não é um património
estático. Contudo, se as novas tecnologias aceleraram a mutação e puseram em
evidência o poder do capital transnacional, a reconfiguração da mudança passou
a ser tão local quanto global, tanto mundializada como fragmentada, pelo que
não basta dizer, independentemente de com críticas ou aplausos, que certos
aspectos culturais de alguns grupos étnicos da África subsariana deixaram de
fazer sentido devido ao desenvolvimento e à marcha para a modernidade.
Numa palavra, o continente africano não pode olhar apenas
para dentro quando equaciona as vantagens e desvantagens de declarar guerra às
culturas mais tradicionalistas ou situar as suas problemáticas numa lógica de
conflitualidade com tudo o que é exterior ao mesmo. O risco é demasiado
elevado: é que este já não é o mundo imperialista da Conferência de Berlim, mas
o mundo do oligopólio digital, tão virtual como real nos efeitos que produz à
escala global, sem fronteiras, entre todos os fragmentos do planeta.
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