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    Crónica: O dia em que alguém viu Deus


    Vicente Sitoe



    A

    briu os olhos Deus, como se acordasse da morte. Ou como se tivesse perdido o sono no meio da madrugada. De repente sentiu a sua própria existência. Olhou a sua volta e não viu nada que não fosse a escuridão. Sentiu-se sozinho e assustado. Pensou que ele era o primeiro ser existente. Portanto, se esqueceu que a escuridão já existia quando ele abriu os olhos. Continuou a pensar. Pensou, pensou, pensou. O trabalho dele era conversar com os próprios pensamentos. Imaginava e fantasiava dia e noite. Assim passaram-se os primeiros dias da vida de Deus, que para nós são meros segundos. Passaram os anos, que para nós são só minutos. Até quando num determinado dia teve a ideia de tentar o seu primeiro acto de criação. Ia começar por eliminar a coisa que mais lhe dava medo no momento – a escuridão. Pegou no verbo haver, que já tinha sido criado sabe-se lá por quem, e disse:
    - Haja luz.
    No instante seguinte não houve luz. Perdurou a escuridão até quando os primeiros raios do Sol começaram a vencer a madrugada. Lentamente o Sol foi subindo pelo horizonte longínquo. Por fim ganhou postura nas alturas. Mais uma vez ficou provado que o Sol estava ofuscado pela escuridão que existia antes de Deus ter acordado. O Sol é mais velho que Deus.
    O Sol iluminou o mundo e os olhos de Deus viram o que ele não podia acreditar. Viram um verde sem fim. Tudo estava em harmonia. Os bichos do mato pulavam entre bosques e savanas. A natureza estava em paz. E Deus, mais uma vez, tinha atrasado a criação deles.
    De tanta decepção, ele fechou os olhos. Pensou que fazendo de conta que aquilo não estava ali, realmente não o estaria. Mas se enganou. A natureza é mãe de si mesma. Pensou, pensou, pensou. Até que decidiu arriscar abrir os olhos novamente. Depois caminhou até um riacho que estava por perto para lavar a vergonha da cara. Quando viu o seu reflexo no espelho da água, se achou tão bonito que pensou em se clonar. Pegou um bocado de barro das margens do rio, dissolveu-o nas mesmas águas e disse:
    - Farei o Homem a minha imagem.
    Tendo em consideração que não existe barro branco, nem água colorida, então sabemos que Deus moldou uma escultura negra. Ficou feliz com a sua, segundo ele, segunda criação. Se orgulhou de si mesmo. Mas aquela coisa não tinha nem vida, nem morte. Antes que Deus soprasse-lhe o fôlego, do outro lado da margem do rio surgiu um pastor acompanhado da sua manada de ovelhas. Se olharam Deus e o pastor. Ele ficou novamente decepcionado com o seu atraso ao acto de criação do Homem. Virou as costas e foi embora. Ao longo do caminho decidiu se cegar. Arrancou os olhos com os próprios dedos.
    O pastor estranhou o comportamento do ser do outro lado da margem. Decidiu atravessar o rio para ir conferir a estátua abandonada. Quando chegou, não tinha restado mais nada dela, senão o barro derretido. Tentou seguir as pisadas do fugitivo, mas esse há muito tempo que também desaparecera. O pastor frustrado deu meia volta, atravessou novamente o rio, recolheu as ovelhas e voltou a sua aldeia para anunciar a boa nova.
    Disse ter visto Deus, em carne e osso. Aliás, em primeiro lugar disse que existia Deus. Um só Deus. O pastor chamou Deus de seu pai. Disse ter lhe visto em pleno acto de recriação do Homem. Tentava criar uma espécie mais divina. A espécie humana que realmente seria de barro, porque aquela que existia era setenta por cento feita de água. Que os aldeões abandonassem as suas crenças politeístas. Mas, acima de tudo, que se arrependessem dos seus erros. Erros esses que o pastor deu o nome de pecados. Pois o arrependimento era a única coisa que curaria a cegueira de Deus e lhe traria ao convívio com as pessoas. Pregou tanto que as pessoas acreditaram. Ninguém se deu conta de que o pastor é que tinha inventado o Deus que tinha criado o Homem. Porque, na verdade, ele não tinha visto nada que não tenha sido projectado pela sua imaginação.

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