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    CONTO CONTIGO:Entre (à) vista do Madala Kelembe


    Japone Arijuane - Moçambique

    A dorava eu, ao crepúsculo da tarde, nas vezes que a sedução do álcool e do clima falassem tão alto, fazer-me presente numa barraca algures na cidade de Quelimane. Já que existem de forma retumbante barracas que bibliotecas; aliás, em Moçambique no geral. Actualmente professa-se o culto pelas e nas barracas. É
    sempre assim quando o espírito de decadência atinge um país; nada mais que as pessoas acobardarem-se no álcool. Voltemos ao que interessa. Quando lá eu fosse; encontrava-me sempre com um homem, um homem com idade a esbranquiçar-lhe a carapinha. Um desses dias, cansado de o contemplar decidi enfrenta-lo. E lembro hoje, a nostalgia deste passado; este pássaro que sobrevoa-nos nas costas, que por
    vezes faz ninhos em algumas cabeças. O madala chamava-se kelembe; um velho despreocupado, mantinha sempre o seu olhar médico nas coisas. Abordei-o, colocando as questões de LEAD de qualquer bate-papo; lá veio, dizendo coisas que naquela altura eram para mim tão estranhas. Dizia o madala, que foi em tempos um estivador do ónus da desgraça; sua vida passeava nas mentes alheias, como pertence doutrem. Viveu para dar sentido a vida, para ele viver e continuar vivendo não era um acto heróico, mas sim autêntica cobardia. Para quem não vive por nada, melhor morrer por algo. Mas o que fazer?, quando não existe o tal algo para fazer?
    Se a vida é, em si, uma tremenda ilusão; quando achamos que perdemos, lá vem um sentimento que nos diz, um dia podemos vencer, e vivemos esperando esse dia chegar; por vezes esse dia nunca chega, se chega não é como idealizamos. Dizia estas palavras como quem nada queria dizer. E prosseguia, calmo e sereno, em jeito de suspiro, com os dedos a roçarem os já esbranquiçados bigodes; — Muitos anos de vida, nenhum vivido.
    Aquelas palavras eram-me indiferentes. Só hoje me entristeço; e fico realmente muito agastado. A lembrança de um velho na tamanha idade, a não sentir-se feliz por viver tanto tempo. No rosto, mas nada, se não tédio e angústia; angústia dos dias que viu passar. Continuamos; não me lembro precisamente da questão mas, eis aqui a resposta:
    — Tenho mais medo de viver que morrer! Entrego-me a morte como quem soubesse o que é morrer, mas a vida que eu levo sempre sujeita-me a morte. Se morrer é acordar de novo, então quero nunca dormir este novo acordar. Eu vivo, sem vida para viver!
    Quando quis saber mais acerca do tempo que levou e os dias que viu nascer e morrer nas noites; e o que ele fez. A resposta dessa questão me persegue até hoje; como um cão solitário que viu uma cadela passar. O Madala falava com cio nos sentidos, com raiva na língua. Dizia com todas as letras que morrer é melhor que
    estar como esta ele na vida. As oportunidades vão sempre para os oportunos; a sorte é uma gaiola em que os pássaros quando livres não voam. Tudo na vida resume-se numa armadilha, em que o desfazer é praticamente deixar de ser.
    Falando na suas palavras ele dizia e redizia:
    — Até que teria tudo!, hoje, tenho nada! Atropelei os sonhos da minha desastrosa vida! Tentei mas não consegui! Lutei e não venci! Há quem dizia que nunca é tarde; mas para me, entardeceu demasiado, que até ficou escuro. Escuro este que ilumina meus dissabores.
    O Malada Kelembe encontrava-se deitado no asfalto do tempo, esperando um veículo qualquer de cargas de almas para esvaziar a sua; e talvez assim, fazer-lhe algo. Já que nada conseguia fazer por ele, até mesmo a morte. O Madala vivia esbanjando palavrões; sem saber nada, muito menos ser gente. Mas uma coisa ele
    sabia, até certeza tinha; a liberdade. Sabia que a liberdade era natural, que homem que é homem não a prende a ter, muito menos a ser. A paz é a simplicidade de ser; a justiça a única forma de estar; o homem é feito de verdades e de sensualidades, a qual divinizaram e chamarão de amor. E dizia ainda, que ele é o que é, por que a vida é o que não deveria ser; assim como ele é o que não deveria existir. Quando questionei sobre se ele nunca tentou empregar-se, ironicamente disse: cárcere! escravatura sofisticada, assim como era o tradicional escravo. Hoje trabalha-se em troca de pão e ínfimo lugar para passar poucas horas, pois as maioritárias devem passar-se em trabalho. Dizia ainda que o emprego era acima de tudo um banquete servido na boca dos tubarões; música linda entoada por pássaros no cárcere.
    — Eu até seria um bom gestor, banqueiro, PCA de qualquer firma. Se assim fosse, teria uma casa, esse cárcere; um cão no quintal. Hoje tenho uma casa que é a liberdade!, e um cão vadio, claro que sou eu!
    Quando já preparava meu rol de questões, o madala levantou-se e disse:
    — Só ou não independente?! Fui! Só hoje arrependo-me de não o ter exprimido totalmente, de não ter-me embriagado pelo seu teor douto, meramente independente. Eu bem que podia o procurar e prosseguir com a eloquente conversa.
    Lembro-me, mas, que naquela fatídica tarde permaneci ali, jogando meu futuro no álcool e nas gastas meretrizes, ambulantes carnudas delas mesmas, que exibiam-se arredores. E hoje… quem dar-me-á tal sapiência?, quem será tão independente? nesse país que se mostra cada vez mais na decadência intelectual e na progressão bajuladora. Quantos Kelembes existem?, se é que existem!

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