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    RETALHOS: Ex-virgem

    Eduardo Quive - Moçambique




    Nikotile já não era donzela nenhuma. Não era mais mulher pura que pudesse sagrar as terras que ficaram para os Nkomanes.
    Chega a casa. Nos seus olhos, um brilho irónico, sem esperança, mas com certeza, cheia de promessas que não precisaram de palavras para se fazerem sentir. Nikoti-le ainda cheirava à espinhosa.
    A verdade estava iminente para o coração duma mãe que um dia sentiu a dor e o arre-pendimento de ter acreditado nas promessas que se fazem na rua. Na astúcia da carne sob o pecado. Promessas sem massingucates nem madodas para testemunhar.
    Marculino Jonasse, que seria seu esposo, fez a mesma coisa com sigo. Foram promessas sem cumprimento, quando a sugou a inocência e foi casar-se com cidades desconheci-das, depois de ter garantido, com forças predadoras, um casamento que não acontecerá nunca. Nunca, é isso mesmo. A vila recebera anúncios da sua morte em tempos pouco passados. Como terá acontecido a sua morte? A bocalheirada zona explica:


    “Marcolino era um homem adúltero. Invergonhosamente pousara em vivências com mulheres de outros nas redondezas. A muito se comportara de tal modo.
    Antes de escalar o leito da D. Destina, ficara com Nessi, irmã mais adulta da mãe da Kotile. Tivera consigo sete filhos, fruto de dois anos de envolvimento sexual. Um sexo escabroso e imparável. Eram filhos atrás de filhos. A mulher chegara a morrer no oita-vo parto. Coitada, suportara com tamanho sofrimento as sete cesarianas. Como supor-tar mais uma? Como continuar viva para receber dores duma tesoura, a rasgar a barri-ga, por onde sairia mais um filho de sacana? Como? Não resistiu. Ficara atraída pelos deuses profundos. Rebentou
    as vivências e entregou-se a morte.
    Marcolino não dignara seu padecimento nem se quer o falecimento. Usurpara-se de outras mulheres em pleno antes do oitavo dia. Teve mais três bastardos.
    Desta vez foi com Mabiana, a do lado. Depois imigrara para D. Destina a quem já foi mbuia nos tempos da falecida. Mas na Destina só deixara uma filha, a Kotile.
    Depois alongou-se para Melita, essa já fora a última. Vivera apenas dias de filhação de mais três. Mbuiava com Ndezi. Mas Melita não deixou aos baratos e vingou-se. Matou-o a facadas. A matança sucedeu-se em pleno acto sexual.
    Marcolino Jonasse morreu em estado de ejaculação, quando não era mais ele, incumbi-do em missões masculinas.”


    Cuidar duma donzela em Nkomane, já foi tarefa de humanos, agora nem os soberanos o podem fazer. Apenas os que habitam as profundezas divinas.
    Deuses. Uma virgem é sagrada. E a sua consagração vem do horizonte. Do poente onde muitas almas redundam em noites sem luar.
    Antes, todas donzelas eram reservadas aos rituais e cultos tradicionais de invocamento de espíritos, em que tinha que se escolher as mais humildes para o casamento. Um outro
    ritual satânico, onde envolve-se sangue e outras insanidades. Impurezas que purificam o rei e, mantém vivas, as almas de defuntos mulherengos.
    E D. Destina que não vivera com homem para lhe ajudar em tais cuidados sob os manda-mentos...
    Os gastos que a Nikotile representava, vingavam-se da verdade oculta e esta aparecia de forma mais ou menos, deixando em algumas vezes, clara a impressão de ter crescido do dia para noite.
    Depois de ter, entrado em casa a passos mudos, entregou-se a um banho longo e quente, cheia de lágrimas que revelam uma satisfação intimidada, cobiçandose a si mesma.
    Enquanto a água escorre com pressa o seu corpo, Nikotile pensa.


    “A minha primeira noite seria escolhida pelos meus pais, ou então, se eu fosse a escolhida nos ritos da noite de luar, entregar-me-iam ao homem mais macho destas terras. Faria o primeiro amor com um desamor e desconhecido. Ainda me obrigaria a chamar-lhe de nkata, como se de marido se tratasse. Mas nem morta
    podia aceitar qualquer mussatanhoko para este meu corpo que só a água conhece o sabor. Este meu corpo que se mbunya só para os meus olhos. Estas pernas que cobiço de mim mesmo, decalcando cada sonho destes homens sexuados. E de mim não teriam qualquer fio de cabelo. Fosse apenas o manguço da minha escolha. Maldito seja o tal deus que me faria mulher de qualquer mufana.”


    Pensamentos grandes. Nikotile esfregava na cara dos deuses tradicionalistas do Nkoma-ne a valentia da mulher que ainda sonha em viver a emancipação.
    - Nikotile. És tu? – Pergunta tia Destina – quem está aí? Nikotile?
    De imediato, a água deixa de derramar-se e a chuva de lágrimas ganha espaço, ilustrando um ressentimento não sentido. Uma lenda se invade nos olhos da D.Destina que se espanta.
    - Nikotile!
    - mamã...
    - Algum problema? Está tudo bem?
    - Sim mamã. Não há problema.
    E continuou a banhar-se esquivando-se de si mesma. A água libertava a fumaça que bas-tava um simples cheiro para a D. Destina se queimar. Em terras Nkomanes tal coisa é de se estranhar na pequeneza.
    - Mas você está bem, Nikotile? – Volta a perguntar receosa de estar a ser vítima de men-tira. Mas Nikotile, não liberta as verdades que as desconhece.
    - Estou bem mamã. Agora me vou dormir.
    E se ia calada dominado o único chão que a conhecia. Era o ir de uma escuridão em que se vivera muitos sonhos duma só vez. Até antes, Nikotile fora mulher só dos deuses da terra. Fora virgem. Agora é mulher. Mulhereza trazida por um homem chamado Muzon-de. Muzonde vem de zondar. zondar é perseguição, traição e sinónimo de manhoso. E tal como são as tradições, um
    nome possui fortes presenças na vida de quem o recebe. Se é Muzonde, só pode ter manias de zondar. Fora assim com os seus antepassados.

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