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    Ruatina

    
    Autor do artigo
     De: Vicente Sitoe
    Sou mendigo, isso... todos sabem. Até eu sei e tenho certeza. O que eu não sabia é que alguém pudesse tirar proveito dessa minha mendicidade. Nos outros quadrantes do mundo o mendigo levanta a mão ao rico, mas neste meu quadrante a situação é inversa: o rico é que mendiga ao mendigo.
    O que seria do nosso país sem nós, os mendigos? Não sei se seria melhor ou pior do que é. Somos a cara feia, esfomeada, tristonha e cansada de não trabalhar. Por isso somos úteis para alguma coisa que ainda não sei o que é. Talvez para servirmos de pano de fundo para uma determinada finalidade, que desconheço.
    - Calate-te, seu mendigo!
    Não quero calar. Se acha que estou a falar demais não me escute. Ou melhor, se acha que estou a escrever demais não leia.
    Continuando. Passei toda a minha vida na rua, por isso levo a rua no meu coração ou talvez a rua é que leva o meu coração. Mas seja como for, sou da rua. Vivo e moro na rua, assim como os outros vivem e moram nas suas casas. Na rua, antes do sonho que tive ontem, eu não tinha nenhum futuro.
    Ontem sonhei com muitas luzes a saírem de mim. Nesse tal sonho fui ensinado que apesar de ser mendigo sou cidadão. Tenho direitos, esqueçam os deveres porque a sociedade acumulou muitas dívidas de deveres comigo. Nesse sonho eu ia à escola, até porque ainda me lembro de algumas das coisas que aprendi, pois as apreendi.
    Todos os dias têm sido iguais para mim, mas isso vai mudar. Todos os dias acordo com o barulho das solas dos sapatos das pessoas que galgam impavidamente o chão em que durmo e passam por mim sem sequer me ver. Aliás, me vêm mas preferem fingir que não me vêm, só para evitar que eu lhes interpele e profira aquele habitual discurso dos meus companheiros:
    - Tio, ni kombela a male ni ta chava a pau.[1]
    Só que eles se esquecem que, assim como eles, nós também somos diferentes: o que uns fazem, não fazemos todos; o que todos fazemos, não fazem uns. Estou a falar de estudantes, funcionários públicos, trabalhadores, vendedores, intelectuais e outros que sem compaixão nenhuma passam por mim dia-a-dia.
    Até o próprio dia passa por mim sem deixar a sua solidariedade com a minha situação, apenas lembranças. Lembranças do amanhecer do dia seguinte.
    Eu não tenho rotina, tenho ruatina. Tudo o que faço todos os dias se encontra tingido e matizado nas ruas. A rua é a minha casa, minha escola, meu hospital, minha igreja, meu todo-lugar.


    [1] Tio, estou a pedir dinheiro para comprar pão (Changana)


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