Victor Eustáquio– Portugal
1) África não tem história. Sendo um continente
primitivo, as estruturas sociais permaneceram sempre "tribais". Por
outras palavras, África foi sempre considerada como um continente a-histórico,
a viver no mais primitivo dos sistemas naturais.
2) Os monumentos e outras manifestações artísticas, assim
como as estruturas arquitectónicas, que revelaram um bom nível de desenvolvimento
social e político, foram construídas por outros que não são africanos,
sobretudo por brancos ocidentais. O que leva a concluir que os africanos são
incapazes de, por si próprios, construírem a história.
3) E mesmo que se reconheça que o continente tenha
construído algo, o pouco que fez só foi possível através dos miscigenados e não
dos negros. De resto, os africanos do norte, miscigenados com árabes, de pele
branca, são os únicos que têm algum capital histórico, embora seja islamizado.
Se alguém procura uma possível definição de
etnocentrismo, eis três proposições de natureza racista, que aliás foram
objecto de acesa discussão no mundo eurocêntrico, que espelham bem o que podem
ser os preconceitos inerentes a este paradigma: o princípio de considerar
inferior aquilo que é diferente.
Dir-se-ia que nos dias de hoje, num planeta tão unido
como desunido pelas redes de comunicação à escala global (ou quase), onde cada
vez mais se aceita, ou diz-se aceitar, o relativismo cultural entendido como
uma tentativa de avaliação de cada cultura nos seus próprios termos (não
obstante o tema não ser pacífico) – que afirmações como as acima referidas
fazem parte do passado.
Mas decerto que a ingenuidade não enferma de tão extrema
simplicidade, o que obriga a questionar de novo: farão realmente parte do
passado? É que uma coisa é o que se defende formalmente, outra coisa é que se
faz no plano material, na prática, acções que, aliás, tendem a
institucionalizar-se, entrando na esfera formal pela força do poder normativo
dos factos. Dito de forma simples, as práticas reiteradas, ou convicções e
afectos que, à partida, são condenáveis e porventura feridos de ilegalidade,
conquistam, regra geral, um estatuto legal, pelo efeito de erosão, manifestado
no consentimento pelo hábito (ou até mesmo através da adesão por imitação).
É evidente que a problemática é complexa, porquanto
envolve muitas variáveis e dimensões, mas na substância deve merecer reflexão e
muitas cautelas, tanto mais que os termos da dicotomia entre opressores e
oprimidos têm sido objecto de uma inversão: o eurocentrismo hegemónico acabou
por criar espaço para o afrocentrismo fundamentalista, que se apropriou da
mesma retórica para constituir discursos racistas em tudo semelhantes aos
primeiros, do que resultam novas interrogações:
Afinal, que espaço ocupa África na história, não na
africanista, naquela que foi contada pelo mundo dos brancos ocidentais no seu
longo monólogo sobre o continente negro, mas na que os próprios africanos
querem contar?
E que espaço ocupa África, na visão dos próprios
africanos, no mundo moderno ligado em rede, supostamente vencida parte
considerável da batalha contra os preconceitos etnocêntricos?
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