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    O passo certo no caminho errado: O eu tenho um sonho do Martins


    Nelson Lineu – Maputo


    Martins, o Escravo é assim que ficou conhecido depois de lido seu testamento. Começou a estudar com doze anos. A professora que estava no dia da leitura, dizia que ele estudava para poder sonhar, confirmavam os amigos e colegas que foi tendo durante a vida. Terminado a sua licenciatura, depois de vários obstáculos desde a falta de dinheiro que lhe obrigava a trabalhar em condições desumanas, falta de tempo para fazer os seus deveres de estudante por causa dos mesmos trabalhos, descriminação por causa da sua condição social que não fazia com que as aparências enganassem.
    Morreu num acidente, quando estava a caminho do local da sua graduação. E na dependência em que vivia, num dos compartimentos do guarda-fato, encontraram um papel que se teve como testamento:
    Eu tenho um sonho, o meu sonho é que essa palavra esteja plasmada na carta dos direitos humanos, precisamente na nossa constituição da República, inclusive nos meandros religiosos. O Eu tenho um sonho sendo respeitado como dever e direito.
    Por esses dias o Eu tenho um sonho, acaba sendo substituído por Eu tenho um interesse, onde o lutar para atingi-lo, quase sempre destrona os princípios humanos, tornando este moral.
    Para agirmos moralmente bem, temos que agir livremente, e ter em conta que esta liberdade tem que ter limites, para não cair na libertinagem, dai a necessidade do estabelecer de normas numa sociedade.
    Os países africanos, incluindo o nosso, alcançaram a independência, guiados consciente ou inconscientes pela frase Eu tenho um sonho, alcançada a independência, a luta dos governantes era fazer do Eu tenho um sonho comum os dele, ele sendo a pessoa certa para concretizar, inibindo os outros que tenham os mesmos sonhos ou outros Eu tenho um sonho. A luta acabava sendo dos sonhos aparentes, porque transforma-mos em interesses. Apadrinhado pelo princípio diplomata, entre os países não existe amizade, mas sim interesses.
    Eu tenho um sonho, em que assim como a liberdade, todos sonhemos, e não passando por cima dos sonhos dos outros. A pobreza que nos acompanha, chegando muitas vezes a identificar-nos, em mim aparece intrinsecamente ligada a qualidade e quantidade dos nossos Eu tenho um sonho. Encontro nisso o fundamento dos nossos dias, ou fundamentada a questão. Vivemos do Eu tenho um sonho, nesse caso os países que chama-mos por doadores e do que vemos na televisão, participando no mundo sonho como pacíficos, mão-de-obra, o mesmo que aconteceu naquilo que a história chamou por colonização.
    A escritora moçambicana Paulina Chiziane no livro As Andorinhas, disse que para sermos reis na vida era preciso primeiro sermos nos sonhos, é precisamente do Eu tenho um sonho, que precisamos, antes de slogans que não servem para encher a nossa pança muito menos a cabeça de imaginação. O filósofo americano Richard Rorty, citado pelo moçambicano Elísio Macamo no livro planícies sem fim, diz-se que o mundo não estava errado, o que estava errado era maneira com que olhávamos o mundo. Assim também acontece com o nosso Eu tenho um sonho.
    Como Kant no iluminismo, eu digo ouse sonhar.

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