Eduardo Quive - Maputo
Escritor angolano David Capelenguela |
David
Capelenguesa, poeta angolano, de expressão meramente contemporânea ape-sar de
ele próprio considerar-se dos anos oitenta, é um contador/cantador de canções
populares através da poesia. A oralidade trás para este poeta a bilha e a água da sua criação poética. Os seus sujeitos poéticos não são fantasmas, estão de
forma física e são a sua gente, a história popular e outros inigmas sociais.
Queria descreve-lo com mais exactidão. Queria dizer no meu pacato e possível
modo da escrever que ele é um entre vários poetas que fazem o emblemá-tico
esquema literário angolano. Aliás, ele próprio faz questão de citar essas
vedetas que são dentre vários: Ana Paula Tavares, Lopito Feijóo, José Luís
Mendonça, João Maimona, Luís Kandjimbo, Frederico Ningi, António Panguila.
Mas eu, para além de ter comparado a sua escrita com a de
Ana Paula Tavares, de um lado, mas de outro, idênti-ca a de Aires de Almeida
Santos (autor de “Meu Amor da Rua Onze”), outro emblemático escritor contador
de oralidades. Talvez encontremos em Capelenguela o reflexo do seu eixo de
vivência e convivência, ao nascer no Huíla, naturalizar-se no Namibe atraído
pelo deserto de Kalahari e constantemente deslocando-se de provín-cia em
província, cidadela a cidadela, levando consigo as estórias dos povos, os
hábitos e costumes, dizeres e cantares. Eis o composto da sua poesia que o
torna inconfundivelmente mwangolé. Nada melhor que o poe-ta na sua viva voz
para sabermos quem ele é.
L: Antes de mais,
como é que me dirijo a si? Digo Sr. Professor, Sr. Jornalista ou Poeta?
DC:
Risos…aqui e agora estou nas vestes de poeta. Embora, transversalmente corra em
mim o sangue de jornalista que até certo ponto tem andado na minha poesia,
impulsionando, dando sugestões e até mesmo inspirando-me para o outros voos no
mundo da poesia.
L: O que significa
cada uma dessas profissões para si? Sei que já está também a entrar para
Direito.
DC: como disse, elas todas fazem parte do percurso da minha
vida. Com 17 anos de idade entrei para o Ministério da Educação concretamente na
actividade de professorado, na brigada juvenil de ensino Cdte Dangereux na
cidade do Namibe. Dei aulas de Língua portuguesa no ensino de base IIº e IIIºs
níveis, durante 12 anos. Três anos depois de estar a trabalhar como professor
entro para o jornalismo, na rádio local comecei por apresentar um programa
romântico/relaxe, durante um ano, depois um outro programa virado para a
juventude onde fiquei durante um ano também e por fim um programa cultural onde
permaneci mais de cinco anos. Colaborei ainda no jornal de Angola e Angop
(Agência Angola Press) durante quatro anos. Passei pela ainda rádio Huíla, e
actualmente estou na Rádio Cunene onde apresento um programa cultural também. Quanto
ao Direito, é a formação que estou a seguir, se tudo correr bem termino a minha
licenciatura em Direito este ano de 2012. Estou muito entusiasmado, pois é o
curso dos meus sonhos, embora antes tivesse ingressado no ISCED - Instituto
Superior de Ciências de Educação, onde fiz o primeiro ano de Linguística
português. Relativamente a poesia, esta faz o meu mundo, é a razão do meu
viver, a força e o compasso que me tem mantido firme e fiel comigo mesmo e com
os meus próximos.
L: Como foi o seu
inicio na carreira poética? Teve alguma formação específica? Foi influenciado
por algum autor para despertar a sua atenção para o fazer poesia? Por que você
escolheu ser poeta?
DC: Eu entro para a poesia de forma implícita. Como disse a
instante, o primeiro programa que começo a apresentar na rádio Namibe foi
romântico. Tinha eu um chefe de programas muito exigente, no bom sentido, foi
uma pessoa muito organizada e gostava de ver as coisas nos seus devidos
lugares, estou a falar de uma grande figura do jornalismo Angolano, o Sr. Alves António que é actualmente o
director Provincial da Rádio Huíla. E como é obvio em qualquer programa de
rádio, antes do programa ir ao ar, deve-se fazer a realização do mesmo,
coordenar os temas e as músicas. Foi então que paulatinamente comecei a sentir
o pulsar no meu lado poético-romântico. Na verdade não tive uma formação
específica como tal, mas através de uma entrevista que eu fiz, já enquanto
realizador e apresentador do programa cultural, a um grande poeta, cineasta e
antropólogo angolano, estou a falar de Ruy Duarte de Carvalho, daí partiu uma
amizade com este grande homem de cultura e, muito cedo comecei a tomar contacto
com as suas obras, convivemos muitos anos, viajamos e fez-me conhecer o Namibe
a dentro, os seus povos e culturas, formas de estar e ser, danças, adágios,
provérbios, máximas, adivinhas, cantos, ritos de puberdade, formas de choro, sinais
do rugir do leão e gestos até do ruminar do boi comum e do boi grado e mais.
Foi então que fui-me forjando, vou sendo forjado para esta coisa de fazer
poesia e devo mesmo dizer que é o grande ganho dos meus últimos 23 anos, pois faço
da poesia a legítima confidência para o meu quer ser, para as coisas animadas e
inanimadas, o belo, o ruim, as sensibilidades, os sinais visíveis e
inexplicáveis, mas procurando dar um rosto próprio e característico a poesia
que tenho tentado ilustrar no quotidiano. Tenho tido ainda um grande apoio de
aconselhamento poético, conversa e ensinamento de técnicas e outras formas de
se caminhar na poesia por parte de outros grandes nomes da poesia angolana.
Falo por exemplo do poeta e crítico literário Lopito Feijóo, uma pessoa que
está sempre por perto e fazendo com que a minha poesia antes de sair ao público
seja lida por ele e outras pessoas. Tem sido muito gratificante. Embora poucas
vezes mas vou conversando ainda sempre que possível e nos encontramos em Angola
ou em Lisboa com o crítico literário Luís Kandjimbo, que me recomenda,
aconselha e desperta-me para muita leitura e consulta bibliográfica não só da
poesia mas da literatura no geral, como deves saber, Luís Kandjimbo não é crítico
e poeta vulgar, é artista de manga comprida, é académico, homem que ama
profundamente a cultura, exigente, e pautado de um rigor e disciplina. E orgulho-me
profundamente por isso, embora consciente de muito caminho por fazer e, lá vou
indo.
L: O ser poeta, mas
cantando as canções do povo, nas suas línguas, hábitos e costumes, como é que
surge em si?
DC: Este estilo da elaboração poética, começa concretamente
quando passo a apresentar o programa cultural na rádio Namibe e, como vês mais
uma vez o nome da rádio e o Namibe, …risos…aí comecei a sentir a verdadeira
responsabilidade do trabalho jornalístico, com o agravante de ser um jornalismo
quase investigativo, pois estava perante um programa que se chamava “ Frente
Cultural”. Começo a sair para reportagens dentro e fora da circunscrição do
Namibe, não só enquanto cidade mas também enquanto Província, pois a
abrangência cultural da região se impunha. Foi desta forma que seguindo as
normas tradicionais da nossa gente, muitas vezes tive de sentar-me no otyoto,
ou para ser recebido enquanto jornalista visitante ou para a partir mesmo
destes lugares, entrevistar, assistir cerimónias, conversar, julgamentos tradicionais,
ou mesmo uma simples sentada ao anoitecer a volta da lareira enquanto a noite
se faz adulta. Ouvi canções ao anoitecer, recados e assobios de aviso no
percurso da vida em busca da vida. A tradição oral exige não só plena adesão
interior, mas a perfeita exteriorização. A “memória muscular” é exercida nas
festas, pois mobiliza e prescreve regras restritas de comportamento. São os
ritos e as regras que regem a nossa gente…, estar e ser humilde deve ser sempre
sagrado e bem visível aos olhos dos mais velhos, pois com a realização
escrupulosa dos ritos os homens atingem o mundo do ser. A forma de se sentar
para mulheres e homens, a maneira de fazer parte da conversa e tomar a palavra,
saudar, o coro do canto e o gesto da dança quando chamado a fazer parte, o
penteado feminino e masculino, o traje tudo, tudo é feito com rigor e
pormenorizadamente. Foi então que a questões da oralidade, começa a ganhar
corpo na minha poesia, assim mesmo podes ver o poema “rito de puberdade”, da
página 40 do meu segundo livro de poesia “ O enigma da Welwitschia” editado
pela brigada jovem de literatura de Angola do Namibe em Abril de 1997.
L: Como é reconciliar essa maneira de fazer a poesia com as
barreiras linguísticas que separam os povos e às próprias exigências da poesia?
DC: Tudo
quanto tenho tentado fazer é na verdade uma demonstração e valorização
cultural, que infelizmente o etnocentrismo europeu negou, descuidou e deturpou,
fazendo-se de esquecido que esta é a verdadeira realidade cultural
negro-africana. E fruto disso mesmo, assistimos hoje, um processo de secularização
da cultura tradicional, sobretudo nos meios urbanos, contradizendo-se com
evidências de que a cultura tradicional oral informa e motiva princípios,
valores, reflexões e estruturas que não se devem ignorar isto, pois constituem
a especificidade da nossa identidade. Nunca perdi de vista que todo o exercício
cultural e não só, obedece normas e regras, mas mesmo assim ainda, julgo que as
exigências que a poesia impõe fazem parte de um todo percurso e etapas que
tenho trilhado ao longo destes anos. A quando da apresentação da minha mais
recente obra poética no passado mês de Maio em Lisboa, a Dra. Ana Mafalda
Leite, Professora de Literaturas Africanas de expressão Portuguesa disse-me uma
coisa que parece simples mais muito profunda, onde par ela, eram felizes
aqueles poetas que tiveram o privilégio de passar de um século para o outro, no
caso do 20 ao 21. Esta afirmação levou-me a fazer uma reflexão a respeito da
velha discussão sobre o conceito de geração. Para mim, e perante uma realidade
diferente, onde Angola caminha a passos largos para diferentes tendências,
queira cultural social ou político, uma geração, literária neste caso, pressupõe
ser uma integridade social de homens selectos, irmanados dos mesmos ideais e
estratégias, pensamentos, possuidora de uma linguagem característica, com alinhamento
e desagregação da geração anterior. Embora não seja tanto esse o meu caso,
aliais porque eu identifico-me até certo ponto um pouco com a geração de 80,
caso haja a posterior a esta, a minha forma de encarar as barreiras linguísticas
que separam os povos é a de valorizar as línguas maternas ou nacionais como
temos chamado cá em Angola, para a partir delas procurarmos formar um juízo
valorativo da sua cultura, personalidade, valores e identidades evidenciando-as
de diversas formas até a este nível poético como tenho tentado fazer. É nesta
senda que, ao contrário da dicção mais discursiva, retórica, de conteúdo político directo,
que esteve em evidência nos anos 60 e 70, a minha poesia procura mover-se em
outro sentido, buscando uma reinvenção da sintaxe e a força mântrica das
palavras. A linguagem poética, tenta ser uma leitura crítica ou expoente
descritiva da realidade cultural angolana ou africana e não só, onde a
transmissão oral ganha um espaço e transmite energia procurando coexistir com outras
formas de realização poética.
L: Sente que a sua
poesia, nos moldes que a faz (juntando estórias populares, línguas locais) é
entendida? Isso o tem preocupado?
DC: Sinto que é realmente entendida, embora por um público
por vezes restrito e sobretudo àquela camada de leitores mais atentos. Por
estes anos de exercício poético baseado na cultura tradicional oral, eu tenho
chegado cada vez mais a conclusão de que tudo o que existe provém de uma
origem, mas a oralidade é mãe da sua própria existência, pois para mim, a
civilização negro-africana baseia-se na palavra; é essencialmente oral, aliais,
na tradição africana, o mundo é dominado pela palavra. A oralidade é completada
por ritos e símbolos. Mas este sem a palavra, sem a tradição torna-se ineficaz.
A palavra ocupa o primeiro lugar nas manifestações artísticas, no culto
religioso, na magia e na vida social para além do seu grande valor dinâmico e
vital, é praticamente o único meio de conservar e transmitir o património
cultural. Embora esta palavra deva ser interpretada de diversas formas, julgo
ser um elemento que nos identifica. A minha preocupação não é de estar a ser ou
não entendido, porque estou seguro que tenho sido entendido, pelo contrário a
minha preocupação é servir e transmitir a realidade ao nível destes povos. De
chamar atenção a sociedade de que na condição africana, não há centros urbanos
sólidos sem uma origem cultural ou tradicional assente verdadeiramente nas suas
raízes. Mas também é importante lembra aqui que, John Nacy, citado por Jorge
Macedo in “ ... Texto Literário” diz que” a literatura tende a criar para si
uma gíria a que insufla um ideal estético”. Isto para dizer que, a “gíria
literária” de hoje traduz fielmente os esforços de toda uma geração de
escritores que primam por exprimir-se com a arte, sobretudo na sua dimensão
estético-subjectiva. A palavra, para estes poetas inovadores, é um mero símbolo
que, no entanto, encerra uma pluralidade inesgotável de sentidos ao ponto de o
seu significado contextual afigurar-se ambíguo. Logo,
para apreender a palavra poética e, por extensão à própria poesia produzida nos
nossos dias, é preciso vencer a tentação da aderência imediata e, ultrapassar o
sentido literal da palavra para, lá dela recriar a criação do poeta. Esta
recomendação e gestos verbais apontam para a necessidade de se corrigir
o mito de que a poesia é uma leitura fácil, pois instado ao consumo da produção
poético diga-se de passagem, requer, como toda a arte
que se preza como tal, um esforço de interpretação, no desejo de andar próximo
da convivência poética. Aliais “ao poeta pergunta-se como canta, não se
lhe pergunta o que canta”.
L: A propósito,
qual é a razão para a sua cumplicidade com as tradições?
DC: Porque acho é de lá onde viemos, onde estão as nossas
raízes, onde teremos que regressar um dia…risos…
L: Será também,
essa, uma marca que quer deixar sendo um poeta fora da cidade capital?
DC: O mestre Ruy Duarte de Carvalho é assim como sempre o
chamei e o continuarei a chamar, viveu em Luanda capital de Angola, conviveu
intensamente com o interior do País e não só, mas manteve-se fiel a sua forma
de pensar e encarar a realidade poética. Como em toda história da poesia, eu
também inspiro-me do canto, mas canto puro, suave e de transmissão cultural,
não canto em forma de gritaria como repúdio a um assaltante de telemóvel ou
carteiras das senhoras em pleno dia e em plena capital do país, embora esta
forma de canto me possa propor e inspirar algo para escrever, só não sei se
seria poesia ou não! Mas, como digo, estar na capital ou não, não faz-me muita
diferença, aliais, eu vivo no Lubango, Província da Huíla, trabalho em Ondjiva,
Província do Cunene todas cidades e Províncias do interior e sou estudante Universitário
em Luanda capital do País, onde passo muito tempo também. Mas a convivência com
este meio extra interior, ou melhor, “o choque de culturas” não deve deixar-me
desenraizado dos meus princípios, valores, reflexões, formas de pensar e pontos
de vistas, interpretar e entender a estruturação e estratificação dos meios
urbanos e rurais, pois as raízes de um povo constituem a herança e o património
sagrado que cada indivíduo e cada comunidade recebem dos antepassados,
contextualizando este mesmo testemunho para ser o seu alimento e razão profunda
da sua existência.
L: Isso (o ser
escritor de fora da capital) tem influenciado na sua carreira literária? E dos
outros poetas do Namibe?
DC: Não, eu encaro o país no seu todo, transmito valores,
desperto consciências, critico, e deixo-me criticar, sou forjado por outros e
muitos forjam-se da minha poesia. Penso que o ser social pressupõe-nos
deveres/obrigações e direitos. Relativamente a poesia de outros poetas do
Namibe, julgo que não foge muito da realidade geral, embora a forma de pensar e
trabalhar a poesia varia de poeta para poeta.
L: O que Namibe
significa para si?
DC: Risos…o Namibe é o meu ponto de partida, onde um dia encontrei
o sentido das almas na teimosia das paragens impacientes, sem que a virgindade do
vasto deserto do Kalahari e a impressão do gesto firme na fineza dos actos
tivesse-me negado o alcance do que pretendia. O Namibe enquanto interior é
excessivamente denso na sua vastidão de arte, ternura, adágios, contos e
saberes. E fica-se com a sensação de que a corrente fria de Benguela ainda nada
levou e por desbravar é do que há de mais, pois a mobilidade do
espaço-tempo-ser aguarda-nos na continuidade de outros partos. Sempre que vou
ao Namibe, ao regressar volto com visões reelaboradas, comprometido com o
seguimento do querer que nos consome na azáfama da seiva do verbo. O Namibe
aguarda-me sempre guardando as mais belas notas para serem cantadas em forma de
poesia. Como disse, no princípio da minha entrevista, foi ali onde comecei com
as minhas profissões e conheci o Mestre Ruy Duarte de Carvalho, que me apelou a
riqueza do solo, falou-me da expressão do sapatear na dança Kuvale, afinou-me a
sensibilidade para as diversas formas e mensagens vindas do som do batuque,
mostrou-me a legenda das ondas do mar e descreveu-me o interior até a fronteira
com a vizinha República da Namíbia.
L: Qual tem sido o
movimento da literatura nessa região?
DC: O
movimento literário nesta região tem sido mais baseado da gente que vem de
fora, digo de autores que socorrendo-se da frescura, da beleza da pequena
cidade, vão até lá com finalidade de apresentação pública das suas obras.
Existe um pequeno núcleo da brigada jovem de literatura, onde com alguma
periodicidade, realizam-se encontros, palestras e debates a volta de um dado
tema literário, e assim vai indo a vida literária por aquelas paragens.
L: Poetas como
Aires Almeida dos Santos e Ana Paula Tavares o que lhe dizem? Aliás, acho a sua
poesia um pouco semelhante á de Aires Almeida Santos, onde o povo é objecto da
vossa criação. Comenta.
DC: São
poetas de grande dimensão, sobretudo a poesia da Paula Tavares, aquém eu mais
leio, já que tenho lido muito pouco a poesia de Aires de Almeida Santos. Leio
muito também a poesia do Lopito Feijóo, José Luís Mendonça, João Maimona, Luís
Kandjimbo, Frederico Ningi, António Panguila e outros mais, todos poetas de
grande valor e julgo que conquistam o seu espaço, cada um tem a sua forma de
encarar e elaboração poética. Todavia, o povo está sempre presente na poesia, não
só na minha, mas como na de todos autores, pois quando escrevemos não só
estamos a exercitar a nossa capacidade intelectual, mas também nos comunicando
com outros através do texto. Isto pressupõe a existência de dois pólos de
comunicação, onde o emissor transmite a mensagem para o receptor ou até
vice-versa, como muitas vezes acontece na minha poesia, em que recebo, concebo,
reelaboro e volto a transmitir.
L: As suas duas
últimas obram: “GRAVURAS D’OUTRO SENTIDO” e “TIPO-GRAFIA LAVRADA” são no meu
entender, um símbolo da qualidade da sua poesia, mas no entanto, nelas há
sinais de transformação da sua escrita poética, quando comparado com a obra “VOZES
AMBÍGUAS”. Comente esta interpretação, tecendo igualmente, comentários sobre o
que norteia a escrita dessas obras?
DC: Eu estruturo
a minha poesia da seguinte maneira: 1 – compasso da reelaboração da alma, onde
incluo as obras “Planta da sede, O enigma da Welwitschia, Rugir do crivo”, 2 – compasso
da travessia, onde incluo as obras “Vozes ambíguas e Acordanua”, 3 – compasso do silêncio e tacto, onde incluo
as três últimas obras, neste caso, “Gravuras d`outro sentido, Tipo-grafia
lavrada e Véu do Vento”, esta última que vamos apresentar ao público no dia 08
de Junho de 2012. Como dizeres e confirmo, depois de um período de reflexão,
análise e maturação dos meus feitos poéticos, neste último compasso tenho
procurado manifestar-me na poesia de uma forma mais profunda e interventiva,
olhando as questões que desde sempre me preocuparam, procurando aqui e de viva
voz, sempre que posso e assim o entender deixar bem patente o dizer da minha
gente. Eu me sinto bem representá-los como tenho feito, sobretudo porque eles
aceitam-me e cada vez mais inspiram e fornecem-me subsídios para estes feitos.
A obra “Gravuras D’outro sentido, procura” descrever vários estilos e formas de
representação poética direccionados ao Namibe, sobretudo, não fugindo a regra
de sempre. Já a obra “Tipo- Grafia lavrada, é um pouco mais solta, mais geral,
na sua forma de estruturação e apresentação, embora, sejam todas obras de uma mesma
linha de orientação e do mesmo autor, com as mesmas pretensões, visões e formas
de pensamento.
L: Esta pergunta já
lhe tinha feito noutras conversas, mas ela ainda me incomoda a dentro. Qual
poderá ser o destino da sua poesia, tendo em conta a distancia que a sociedade
vai tendo com as suas raízes identitárias? Teme alguma falta de espaço?
DC: Pelo contrário, o espaço é conquistado pelo homem e, a
poesia tem e terá sempre espaço em qualquer parte do mundo. Um dia o escritor
Angolano Abreu Paxe ao ser perguntado sobre a sua forma de fazer poesia,
respondeu belamente dizendo, “penso que a poesia,
como ato de criação, para mim não deve de forma objectiva nomear as coisas tal
qual como elas acontecem no cosmos, tal como se movem, tal como o cosmos as
regula, vistas, à vista desarmada ou macroscopicamente. A poesia deve
constituir-se no mundo alternativo, este funcionando como mundo não codificado
ou convencionado numa visão globalizante, senão como codificação singular do
criador e do leitor. Ao serviço da arte, a poesia deve-se construir com certa
erudição, ou seja, a partir do que já existe, do que já foi proposto nos
matizes artísticos. A poesia deve convidar-nos a mergulhar no escuro, como
dizia Gastão Cruz, não para o iluminar, mas para aprender a conhecê-lo,
evocando todos os sentidos.” Eu estou perfeitamente de acordo com este poeta, e
é nesta forma de encarar os desafios da caminhada poética que o mestre Lopito
Feijóo sempre diz, poesia é um mundo onde quando mais se caminha mais caminho
há para se fazer, aliais, o poeta, não tem fronteiras e nem se circunscreve só na
sua pátria, e assim, mais uma vez voltando ao poeta Lopito Feijóo, dizia: “é
sem fronteira a pátria do poeta/ minha pátria é a nossa casa/ É a minha campa
(é dizer), m´bila iami! /chamar-se-ia Lucrécia, Mundo/ou poesia, não fosse eu
um apátrida!”.
0 comentários:
Enviar um comentário