J.A.S. Lopito Feijóo K. - Angola
Foi em
Setembro que nasceu e morreu o poeta Agostinho Neto. Primeiro presidente de
Angola e o maior exemplo intelectual para as gerações literárias angolanas do póst-independência. Nascido há exactos 90
anos, numa fria manhã em Kaxicane na freguesia de S. José no Conselho de Icolo
e Bengo do então distrito de Luanda, filho de catequista de uma missão
americana que foi mais tarde pastor e professor na região e de mãe professora
primária.
Segundo D.
Mestre, consta que na altura, “a pequena burguesia (administrativa e mercantil)
africana estabelecida e com estatuto próprio na sociedade colonial, entrava na
derradeira etapa do seu aniquilamento enquanto elemento participante da vida
económica e social de Angola. Agostinho Neto viveu os primeiros anos da sua
vida nas paragens verdes de Kaxicane, que situada numa antiga via de penetração
do comércio do litoral no interior, ecoou para Luanda com os restantes portos
fluviais da região navegável do rio kwanza, uma plêiade (de jovens) que ainda
no século passado se mostrou activa e aguerrida na defesa dos seus interesses e
dos seus irmãos de raça e infortúnio, na imprensa da época”.
Neto fez-se
poeta telúrico e de referência universal por isso mesmo a estudiosa russa
Helena Riauzova dizia em tempos, que a poesia de A. Neto foi sempre de luta e
neles estão visíveis a dor e o sofrimento do povo angolano assim como a coragem
e a decisão inabalável de lutar pela liberdade e pela total independência da
pátria que o viu nascer. Na poesia de Neto sempre esteve a esperança, confiança
e até a alegria da vitória do próprio povo.
Poesia
consciente, cheia de entusiasmo, premonitória e de elevado civismo. São traços
graças aos quais ocupa um lugar importantíssimo não só na cultura e literatura
angolana, mas também na literatura lusófona, africana e universal. Neto era
fundamentalmente um homem de paz pelo que de entre outros, foi laureado com o prémio
“Lotus” da associação dos escritores
Afro-Asiáticos e com o prémio internacional “Lénine” pelo seu surpreendente engajamento no fortalecimento da
amizade, solidariedade e paz entre todos os povos.
Os escritos
de Neto são de uma completude sonhadora universal e acarretam uma profundidade
filosófica entre nós inigualável pois até a necessidade de educação e instrução
com vista a armazenar o saber que fortalece a nossa cultura geral, perpassa por
toda a sua poesia.
Um refinado
lirismo, imensos motivos de saudade não só da sua infância e mocidade mas, também,
dos amigos e entes queridos dos quais se havia separado em razão da luta. A amargura
de quem vive enclausurado, a ânsia da liberdade colectiva, e a esperança de um
melhor por vir são motivos de jamais olvidar.
Vamos crer
que qualquer poeta que se preza é um infinito e corajoso batalhador, em todos
os campos, sempre predisposto para enfrentar os desafios do seu próprio tempo.
Neto assim o era e, conta-se um episódio segundo o qual na prisão foi-lhe
proibido trabalhar e escrever mas ele escrevia os seus poemas com letras pequeníssimas
em pedaços de papel minúsculos que eram enrolados e escondidos dentro de um
cigarro.
Às vezes,
num cigarro cabia um poema inteiro. Aquando das visitas da esposa, ela saía
sempre, com um cigarro intacto e dentro dele, com um poema novo escondido.
Reputamos
tal atitude como sendo um célebre acto de luta, coragem e sobrevivência pois
escrever, para ele era um destino em razão das premonições e foi ele mesmo quem
disse um dia. “...escrevíamos poesia (nas prisões) expressávamos as nossas
ideias, mais recônditas, apelávamos o povo à luta… aliás nos foram criadas
condições ideias para a criação. Uma prisão oferece a um poeta tanta solidão em
que só pode sonhar um esteta dos mais refinados. Em todo o caso, nunca mais
tive tanto tempo para a poesia como quando estava encarcerado.”
Os desafios
passaram a ser objectivamente outros, aos quais já no período póst-Independência se juntou a Presidência
da União dos Escritores Angolanos, instituição cultural fundada aos 10 de
Dezembro de 1975, justamente um mês após
ele mesmo ter proclamado a independência de Angola, fazendo dela a república popular
que conhecemos até ao início dos anos 90 do passado milénio.
Agostinho
Neto, antes de poeta, em razão da sua formação, era sobretudo um homem de princípios.
Estes princípios de carácter ético fundamentalmente polvilharam toda a sua
poesia. Contudo, todo o digno leitor e cultor dos seus textos dificilmente
negará a sua influência. Aliás, até porque “ (...) A poesia de Neto tem as suas
raízes históricas mergulhadas na longa tradição da literatura angolana patriótica
e que data já das últimas décadas do século XIX.”
Podemos ler
o que bem escreveu Marga Holness, na introdução da Sagrada Esperança de Neto: “Em o Futuro de Angola, semanário que se publicou em Luanda
nos primeiros anos da década 1880-1890, José de Fontes Pereira verberava o domínio
do português que apenas trouxera escravidão e ignorância. Cordeiro da Mata,
outro patriota desse período escreveu romances e poesia e compilou o primeiro
dicionário de Quimbundo - Português, o que só por si constituiu um acto de rebelião
dado que os colonialistas portugueses reprimiam implacavelmente as
manifestações literárias das línguas autóctones”. Os textos de alguns autores
deste grupo de escritores, foram compilados e publicados num livro intitulado “
A VOZ DE ANGOLA CLAMANDO NO DESERTO”.
Obra de homens cultos e de grande talento cujo propósito confesso era o de «vingar
a verdade ultrajada».
Num país em
que reinava a escravidão, acusava A
VOZ DE ANGOLA; «não pode haver nem trabalho, nem civilização nem
progresso». Salienta que o trabalho do negro constituía a base de todo o
crescimento económico da colónia, este livro punha em causa o regime colonial
através de uma violenta acusação formal. «Este foi o acto de nascença da
literatura Angolana...» segundo palavras de Mário Pinto de Andrade.
Sendo a
literatura angolana um todo indubitável, quero dizer que apesar de algumas rupturas
estético-litárarias compreensíveis a geração 80 viu-se influenciada, e de que
maneira fundamentalmente por Neto, mas também por autores de outras gerações
cujo lastro vem desde os idos de 40.
Neto é, por
conseguinte, um mestre da nossa própria família de poetas, na esteira do
pensamento crítico de Harold Bloom, que em seu livro intitulado A ANGÚSTIA| DAS INFLUÊNCIAS diz-nos
citando outro autor: «o coração de qualquer jovem é um cemitério em que se
inscrevem os nomes de mil artistas mortos mas cujos únicos residentes são uns poucos
que pautamos poderosos. (…) O poeta é assombrado por uma voz com a qual as
palavras se têm de harmonizar».
Em arte, e
como tal na arte literária, todo aquele que está disposto a progredir,
assumindo-se artista como tal, dá à luz os seus próprios pais. Neto não só foi
e será o pai das futuras gerações literárias de Angola e não só. Ele é mesmo o
mais alto expoente dos integrantes da nossa família de poetas. Refiro-me a
nossa família ética e estético-literária.
Convêm
finalmente realçar, para governo das futuras gerações de escribas entre nós,
que tudo isso implica necessariamente um requintado auto-didactismo, formação,
trabalho, entrega e muita leitura pois, Neto tal como outros... assim o fizeram
no seu tempo. Fizeram intensas e imensas leituras. Sobre esse período, conta Antero
Abreu, advogado e então colega de Agostinho Neto, que liam os “ Cadernos
Verdes” das Editions Sociales, as “ Noções Elementares de Filosofia” de
Politzer, o “ Le Marxisme” de Henri Leféve, o “Cogniet” e ainda livros de
circunstâncias que deixaram marca indelével como “ Estes dias Tumultuosos” do
jornalista belga Van Passen, “ Os dez dias que Abalaram o Mundo” e também
livros de ficção e poesia como “ A Mãe” de Maximo Gorki, “O Don Tranquilo” de
Cholokov, toda a obra de Jorge Amado publicada até então, Graciliano Ramos,
José Lins do Rego, Erico Veríssimo, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de
Andrade, da “Rosa do Povo”… Da Espanha, Lorca e António Machado; de Portugal os
neo-realistas como Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, Fernando Namora, José
Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Joaquim Namorado e Fernando Pessoa.
Deu-se o aprofundamento
da descoberta dos grandes poetas da negritude, Aimé Césaire, Leon Damas,
Senghor, e dos poetas negros americanos, Langston Hugles e Count Cullen, dos
brasileiros Jorge de Lima e Solano Trindade, dos franceses Éluard, Aragon,
Jacques Prévert, do soviético Vladimir Maiakovsky, dos americanos John dos
Passos, Steinbeck, Caldwell, Ernest Hemingway, dos latinos-americanos Nicolas
Guilmen e Pablo Neruda.
Só assim
podemos entender que Neto tenha dado uma dimensão ética, humanista e universal -
consciente do seu papel -, à toda sua poesia. Uma vida e poesia para a
liberdade e para a paz, em África e no mundo. Eis o caminho!
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
Sagrada Esperança/ Renúncia Impossível/Amanhecer
em Poesia. Agostinho Neto. UEA
A Voz Igual.
- Ensaios sobre
A. Neto
Nem tudo é Poesia.
- Ensaios,
David Mestre. UEA
Apuros de Vigília.
- Ensaios,
Luís Kanjinbo. UEA
Angola 11 de Novembro.
-Documentos
sobre a independência. Minfo
A vida e obra de A. Neto –
Roberto de Almeida, palestra.
A.Neto - Conferência,
Embaixada de Angola na Rússia.
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