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    RETALHOS: De madrugada morreu Mpudzuini


    Eduardo Quive - Moçambique


    Plazz…!!! Mais uma daquelas suas tossicas matinais, estendido aos primeiros raios solares. Hoje é até justo. É manhã de Julho, faz frio em Mapulanguene, mas nem por isso, madala Sope sempre fora assim.
    Aos 87 anos de idade, vive os seus quase quarenta anos de solidão sem arredar o pé daquele banquinho de madeira, com o cobertor sobre os ombros, única herança de outra velhice.
    Passam anos Sope sentado por cima do tempo, as rugas já não são de reclamar, rematiz à mistura do cansaço da vida que não passa para outras esferas já o sossegam como mero sobrevivente.
    Desde tenra idade o velho Sope partilha os dias com o silêncio de gente, barulho das aves, saudades e escarros que são o seu único romper da voz que se cala desde tempos do seu avô. Faz 37 anos que Mpundzuini, seu filho, morreu. O infortúnio deu-se numa escura manhã de Março quando um grupo de homens e mulheres invadiram o dormitório de Mpundzuini acusando-o de roubo de seis patos lá para outro lado do povoado.
    Tão sedo para sua idade, Mpundzuini viu a morte a visitar-lhe na madrugada de um dia que se quer estava ao alcance dos seus ancestrais como destinado o seu fim. Os populares que vinham na fúria da desgraça implantada pelo jovem filho de Sope, sem delongas puseram-se a destruir a cabana onde dormia Mpundzuini, repescando-o de seguida para fora. Daí, seguiram-se vassouradas, pedradas e socarias. Esbofeteavam e insultavam o jovem tido como ladrão.
    O velho Sope apercebeu-se da confusão que se instalara no seu lar sempre sossegado, ainda saiu a gritar que os vândalos parassem, mas era já sem força na sua voz que sempre foi roca. Tossiu e rebentou gritarias, mas não deu em nada. A povoação vizinha estava toda ela intolerante. Como podia lhes roubar patos naqueles tempos de fome à mistura do deixa andar que lhes permitia fazer justiça com as próprias mãos!
    Mpundzuini ainda olhou para seu velho pai atordoado pelo cenário que vivenciava. Sope viu o seu filho sentenciado a morrer de espancamento, ainda que lhe dessem a justa oportunidade de dizer ao menos se cometera ou não o tal delito. Mas não, que tem a falar um ladrão? E ai de quem ousar a defendê-lo.
    Encravado entre a sova dos homens descamisados em pleno cinco da manhã e das mulheres de capulanas até ao cimo da barriga e bem amarradas, tão jovem que era, Mpundzuini amanheceu espatifado e gritando por dentro que não entende o que se passa.
    Lá para o centro do povoado, mesmo defronte à casa do régulo, foi feita uma cova onde seria depositado o corpo do hoje julgado ladrão de patos e sem direito à recurso, condenado à morte. De vistas com a cova o velho Sope que seguia a população agressiva para com seu primogénito, sentiu um parto no coração, manchas de sangue sobravam-lhe no rosto que através dos olhos já tinham a certeza do fim que o filho teria. Aquela cova não era para ser sepultado o Mpundzuini, era sim, para enterra-lo vivo.
    Foi tudo em fracções de segundos. Enquanto a escaramuça persistia, um grupo de homens já tinha preparado a cova que estava na forma horizontal. O outro grupo que vinha doutro lado com o jovem a ser espancado por todos, arrastando-o para aquele sítio, já sabia do que se seguia. Meteram-no na cova que cobria todo seu corpo de pé e de seguida, desataram a enterrar o buraco. Era o fim do castigo que um ladrão que põe fome no povoado merecia.
    O velho Sope ainda lembra-se desse trágico episódio da sua vida e por isso, tosse sem mais algum interesse. Se lhe vem mais um ou dois copos de Uputsu pouco lhe preocupa, que verdade os homens têm para lhe oferecer que lhe possam doar tanto que ver o único filho a morrer de pé, clamando justiça, olhando para seu velho pai tão inútil para salva-lo para morte ainda em vida? Pensa e relembra o velho sem verter nenhuma lágrima. Que dor maior havia por chorar naquele momento em que já 37 anos passavam?

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