Eduardo Quive - Maputo
Escritor moçambicano Alex Dau, uma revelação da escrita nacional |
Nascido a
23 de Maio no ano da idenpedência de Moçambique, em Quelimane, província da
Zambézia extremo centro do país, Paulo Alexandre Dauto da Conceição ou
simplesmente Alex Dau é autor de dois livros de conto, nomeadamente, “Reclusos
do Tempo” e “Heróis de Palmo e Meio”. É um dos poucos falados como acontece com
muitos escritores moçambicanos, mas olhando-se profundamente a sua obra,
nota-se que estamos perante um escritor destacável na literatura contemporânia
nacional.
A sua
intromissão pelas letras é de raiz, isto é, começa das histórias dos nossos
avós e de outros mais velhos nas famosas noites de histórias assustadoras antes
de dormir que as nossas aldeias proporcionavam. Foram tempos. Tempos em que o
tempo era dado seu devido valor, mas agora, “tempo é dinheiro” eis o que
dizemos todos, pelo que o próprio Alex Dau se recente “acho que agora tenho
mais dificulade para escrever”.
E porque
quando o tempo está a venda corre-se muitos riscos, nesta entrevista que me
custou colocar o fim, preferi servir-me da expresseu do escritor “estamos a
perder os nossos valores” para conseçar outras ideias que Alex Dau tira nesta
entrevista. Ideias lúcidas e merecedoras de atenção ampla para se entender os
mistérios da Literatura Moçambicana, da sua origem, forma e valor. É verdade
que este autor nasceu depois da independência e começou a publicar em 2004
(muito recente), mas como diz Lucílio Manjate, é complicado se justificar o
termo “Jovem escritor”, se perguntar se é jovem a pessoa que escreve? Ou a sua
escrita é que é jovem e não merecedora dos devidos créditos? Para já, cabe-me
apenas dizer que nem a escrita, nem a pessoa, em Alex Dau são jovem, é tudo
simplesmente de idade activa, velho ou novo, as ideias suas ideias são umas
verdadeiros pontos de reflexão.
Os meus primeiros
passos para a literatura dão-se na Escola Primária de Sinacura em Quelimane, quando
começo a fazer trabalhos da disciplina de português, a famosas redacções. Era
nesse espaço da disciplina onde conseguia expor os meus pensamentos e os
professores elogiavam. Sempre nas redacções conseguia ter maior nota.
Mas outro incentivo
foi do meio onde vivia entre jovens e adolescentes, nós gostávamos de ler, na
altura não havia muito de televisão nem DVD, então nós trocávamos revistas da colecção
Mar e Vela, tipo Capitão, Homem Aranha, Balas, Vampiro. Eram raros os livros
naquela altura. Tinha que pegar num ler depois contar o outro o que trouxe a
necessidade de trocarmos os livros. Acho que foi daí que começou a surgir essa
inclinação para a literatura.
Estamos a falar dos tempos onde tinha-se sérias
dificuldades de adquirir os livros, como é que vocês conseguiam contornar essa
situação?
Naquela altura as
bibliotecas eram raras, até hoje continuam poucas e as que existem são difíceis
de entregar o livro para ler em casa. Nós recorríamos a livros de pessoas mais
velhas que faziam colecções, procurávamos ter esses livros, contactávamos as
pessoas íamos buscar e líamos, muitas vezes quando gostássemos do livro
fazíamos de tudo para nos apoderarmos do mesmo. Fazíamos uma usurpação para
fins académicos, de facto tínhamos interesse de ler.
O que funcionava
principalmente para que todos tenhássemos acesso era que eu lesse e depois
emprestasse a outro. Mas esse emprestar era condicionado pelo facto de o outro
ter também um livro para me emprestar.
Fugindo um pouco
da sua questão, uma das coisas que contribuiu muito para que me entrasse esta
veia de gostar de escrever foi o ambiente em que cresci, estava no meio da
província, isto é, distante da capital e era moda daquele tempo, que se
contasse histórias pelos mais velhos. Antes de dormir os meus primos e primas
mais velhas contavam-nos histórias sobre curandeiros, feiticeiros e etc. era
uma época em que a guerra civil estava no auge, nos anos 80 e ouvíamos também histórias
da guerra, e por conta disso verá que nos meus livros não fujo muito dessa
temática.
Muitos hiscritores do vosso tempo (embora começar a
publicar nos anos 2000, não deixa de ser fruto dos anos 80) levaram consigo a
oralidade. No entanto hoje isso é pouco frequente. As histórias contadas na
infância foram importantes para moldarem o escritor que há em ti?
Foram e ainda são
importantes como moçambicanos e africanos porque quando escrevemos fugindo
dessa temática tradicional escrevendo histórias de amores por ai, aquele que a
ler pode ter dificuldades de perceber a sua origem, mas se pegamos os traços
que fazem parte da nossa cultura com o povo, verá-se de imediato que se trata
de um africano. Isso já é um bom princípio porque estaremos a valorizar o que
somos, vamos dar a conhecer as nossas histórias.
Realmente esse
eriquecimento da parte tradicional ou a parte mágica é muito importante porque
enquianto alguém nos conta, vamos imaginando e desenvolvemos o nosso enredo.
Isso fortifica o escritor que há em ti, eu penso assim.
Ainda a pouco
tempo ouvi uma história da minha província como disse, sou de Quelimane, de um
régulo que se transformou num Hipopótamo, esse sobrenatural que ouvimos dá-nos
vontade de criar e contar mais uma história. Eu particularmente giro em volta
disso, me seria se calhar, difícil de me despender em outras temáticas. Então
quando encontro alguém a contar essas histórias, por mais que não seja próxima
de mim, fico interessado, da mesma forma que um europeu ou americano, se
interessa pelo que gira em sua volta. Os moçambicanos devem se interessar mais
por isso. Há muita coisa que nós achamos impossível, principalmente com a
evolução da ciência, as pessoas vão chegando-se mais ao meio urbano, a tradição
oral vai caindo no desinteresse. Estamos a perder os nossos valores.
Falou da guerra, tenho lido muito dos escritores da era
colonial e do pós independência e também dos contemporâneos, como seu caso, mas
entendo que há sempre uma gota de sangue na vossa escrita, há uma marca da
guerra, parece que tanto os antigos e os novos não saem dessa temática…
A guerra
marcou-nos, nós ouvimos histórias sobre nossos amigos, familiares, eu próprio
perdi familiares durante a guerra, e ouve muitas especulações e histórias sobrenaturais.
Nós ao escrevermos abordando as guerras em sempre para homenagear essas
vitimas. Por isso que a guerra ainda estará presente na nossa escrita por assim
também está nas nossas almas.
Falou do seu encontro com a leitura e sobre a escrita…
quando é que percebe que deve escrever?
Quando venho para
Maputo, vi que tinha a possibilidade de publicar. Havia espaço no jornal Domingo para a publicação de poemas e
explorei essas possibilidades, por essa razão o que primeiro publiquei foi
poesia nesse jornal e depois tive contacto com o Jorge de Oliveira quando
trabalhava na Televisão de Moçambique (TVM) ele era coordenador da Gazeta de
Artes e Letras da Revista Tempo e conversando com ele passei a ter espaço na
Tempo para publicar os meus poemas e depois desafiaram-me a escrever conto, que
é uma coisa que fazia um pouco antes, como disse através do impulso das redacções
da escola. Portanto começo a me dedicar porque já tinha um espaço onde podia
mostrar o meu trabalho e que teria a possibilidade de que os outros vissem e pudessem
fazer a crítica.
Enquanto faço
essas publicações ganhei contactos com indivíduos mais idóneos e que pudessem
dar sugestões e análise dos meus textos, dar ideias, umas más e outras boas,
mas sempre conseguia distingui-los. Portanto o meu maior incentivo foi o espaço
que encontrei para publicar os meus trabalhos na revista Tempo. Daí foi uma
caminhada que graças a Deus não parou.
A revista Tempo
parou de ser editada e encontrei espaço noutros jornais como Savana, Zambeze, e depois daí começaram a aparecer os livros.
Mas em que ano especificamente isso se regista?
No jornal Domingo comecei a publicar nos anos 90,
na revista Tempo também.
Reclusos de Tempo
Primeiro livro de Alex Dau, publicado em 2004 |
A sua obra de estreia, fale-nos na primeira pessoa sobre
a temática desse livro.
Reclusos do Tempo
é título de um conto que faz parte do livro do mesmo nome. Nessa história falo
de sobrenaturais que acontecem numa determinada região onde os habitantes dessa
região não respeitam a sua tradição, porque não fazem aquelas ofertas aos seus
antepassados e por isso são penalizados. Instala-se uma tempestade que devasta
todas as casas dessa zona e outras infra-estruturas,
daí o régulo tenta fazer as pazes com os espíritos no sentido de eles abandonarem
a revolta com seus familiares.
Sabe-se que as
nossas tradições mandam que quando chegam os tempos da colheita e há bons
resultados uma parte vai para os deuses e essa região desrespeitou essas leis,
pelo que os espíritos da zona zangaram-se. Sendo assim eles ficaram Reclusos do
Tempo. Portanto, o dia já se tinha transformado em noite, eles sofreram uma penalização
pelo desrespeito às tradições.
Portanto está aí iminente a tradição oral de que foi alvo
enquanto emergia. Terá sido por isso que optou começar pelo conto?
No conto sinto-me
mais a vontade. Mas a escolha foi por ter tido muitos contos publicados na
revista Tempo e quando chegou a altura de publicar o meu livro só fiz o
trabalho de selecção. Fiz também o processo de reescrever alguns desses contos
e procurei escrever outros inéditos. Mas se a minha obra for lida por quem já
acompanha os meus paços vai perceber que muitas histórias que conto no livro já
contei na revista. Por outro lado para colocar a sensação de novidade no leitor
acrescentei mais dois ou três contos inéditos.
Contudo a
temática não foge dos mitos e tradições, o sobrenaturalismo, e por ai fora.
Você não tem medo dessas histórias?
É assim, quando
criança realmente essas histórias aterrorizavam-me, mas não deixava de ouvi-las.
Bastava ouvir essas histórias, mal dormia, morria de medo e andavam muitas
imaginações na cabeça e só pensava “isso só pode ser verdade”.
Mas a pesar de
todo o medo, todos os dias que houvesse uma chance, ia ouvir essas histórias e
hoje devo dar graças a Deus por as ter ouvido porque desenvolveram o meu mundo
imaginário. Foi graças essas histórias que caminho pela literatura, porque para
escrever é preciso ouvir. Tem que se saber ouvir e imaginar.
O que te leva a escrever?
Na escrita eu me
encontro. Eu estou em permanente busca de mim mesmo, então, à medida que vou
escrevendo, vou encontrando partes de mim, então se não escrever estarei muito
longe de me encontrar.
A dias eu lia uma
crónica de António Lobo Antunes e ele cita um escritor chamado Scott Fitzgerald
que diz o seguinte “não se pode contar a vida de um escritor porque eles são
muitos”. Eu identifico-me muito com essa frase, porque eu escrevo para me
encontrar. Por isso é que não posso deixar de escrever, se não me vou
encontrar.
Quando falavas de António Lobo Antunes e do próprio Scot
Fid Gerard já estava para perguntar-te sobre os escritores que lês…
É importante dizer uma coisa, na altura em que
começo a ler, havia poucos escritores moçambicanos com obras publicadas e talvez
se existiam só circulavam por aaqui em Maputo, mas lá em Quelimane só tinha
acesso a estrangeiros.
Por causa disso
tive que recorrer a escritores como John
Steinbeck, Gabriel Garcia Marquéz, Horacio McCoy, foram escritores que
marcaram-me muito, principalmente o John
Steinbeck “As vinhas da ira”. A sua maneira de escrever agrada-me e
moldou um pouco aquela que é a minha maneira de escrever se calhar.
Em que ano sai de Quelimane para Maputo?
Saio em 1987.
Tinha algum objectivo específico?
Eu vim aqui para
viver com a minha mãe.
E quando chega onde morou?
Morrei no bairro
da Malhangalene, arredores de Maputo, e pela minha sorte logo que cheguei aqui
encontrei um grupo de amigos que lia. Por isso continuei com aquele hábito que
tinha de ler e trocar livros com amigos. Outra sorte foi que cheguei numa casa
onde havia muitos livros e foi lendo-os.
Pelo que sei, chegou a morar também na Munhuana perto de
José Craveirinha…
Depois de viver
na Malhangalene, a minha mãe separou-se do meu padrasto, então fui viver
exactamente numa dependência na rua onde morava José Craveirinha. É assim eu
sou um pouco tímido, via José Craveirinha nas manhãs, durante as habituais
caminhadas que fazia na zona, mas só o contemplava de longe sem coragem de me
aproximar e falar com ele.
Mas um dia foi lá
ter com ele e com ousadia, levei os meus escritos e deixei nas suas mãos. Ele
recebeu-os, mas não tive a oportunidade de conversar consigo. Prometeu-me que
lia, mas depois não tive o seu parecer e como disse, por ser tímido, não
existia para que ele me dissesse alguma coisa. Fiquei no meu canto.
Já agora se tivesse tido a oportunidade de lhe dirigir
uma palavra o que dirias?
Tudo que gente
nova gosta de fazer quando está com um ídolo, nesta nossa área literária,
pedimos para que avalie o nosso trabalho. Teria o pedido para que visse o meu
trabalho e que dissesse se valia ou não. Mas sei lá não tive essa sorte apesar
dele ser meu vizinho. Eu vivi três anos nessa condição.
Outros que aqui
em Maputo contribuíram para que me tornasse este escritor é o professor doutor
Nataniel Ngomane. Tive a oportunidade de entregar-lhe os meus trabalhos e ele
fez uma avaliação, dando críticas e sugestões. Foi um momento crucial, porque
se calhar teria descambar, se não tivesse encontrado. Nessa altura ele era
professor da minha irmã, entreguei os meus textos à ela para que o entregasse,
ele pediu um encontro comigo, conversamos, deu-me algumas luzes fundamentais.
Num ensaio sobre a sua obra, Ricardo Riso tece o seguinte
comentário “ a literatura moçambicana
inicia o século XXI sob o signo da desconfiança, sofrendo acusações de sua
morte por parte de uma nova geração de escritores que reivindica visibilidade
para seus textos e oportunidades de publicação. Configura-se, então, um
conflito de gerações, principalmente com os partícipes da revista Charrua e com
a histórica AEMO – Associação dos Escritores Moçambicanos, esta acusada de
favorecer os escritores oriundos daquela revista.
Em que posição você se encontrava perante esse conflito?
Nunca me envolvi directamente, mas sempre
procurei apoiar aqueles que como eu, precisavam de um espaço para mostrar os
seus trabalhos e naquela altura realmente, não exitia esse espaço para, por
exemplo, editar um livro. Em contrapartida, existia espaço para publicar
pequenos trabalhos como contos e poesia. Mas a parte do livro, era mais complexo,
aliás as editoras eram poucas e pelo que me lembro a editora que todos
recorríamos na altura era a da AEMO. Mas para ter acesso a esse espaço na AEMO
tinha que ser um indivíduo super dotado se não ficava de fora. Eram muito
poucos os que conseguiam publicar no principio e nos finais de 1990.
Então acho que
esse grupo de escritores emergentes estava de facto a procura de encontrar um espaço para mostrar seu
talento e trabalho. Há situações em que podemos ler nosso trabalho e comparar
com o dos outros e notarmos que afinal o nosso é melhor e aí vem essa questão “
porque é que não posso publicar?”.
É por isso que também
os escritores já conhecidos sentiam-se ameaçados porque um mais novo comparava
os seus trabalhos e via que era possível publicar também. Por isso que os mais
novos faziam essas tentativas a pesar das barreiras.
Você faz parte dos escritores que viveu um pouco o
passado da literatura moçambicana como observador (antes dos anos 2000) e agora
activamente. Qual é o estágio da nossa literatura?
Fazendo uma
análise superficial veremos que a literatura moçambicana cresceu em todos
aspectos. Antes tinha-se poucas editoras, hoje a situação está melhorada e
essas editoras abrem as portas para todos, havendo ainda a possibilidade de as
empresas apoiarem as publicações. Em fim está-se perante algumas melhorias.
Entretanto ainda
não há a qualidade desejada, mas está haver trabalhos que estão a marcar a
literatura moçambicana. Acho que houve um desenvolvimento isso é positivo, talvez
daqui a um tempo vamos moldá-la a um crescimento com perfeição. Mas estamos em
bons tempos sem dúvidas.
Que importância tem a publicação dos textos enquanto se
forja o escritor num indivíduo?
A medida que vai
publicando se tem a chance de os confrades lerem e fazer a crítica da sua
escrita. Essas críticas, sejam elas boas ou más, dependendo do indivíduo,
encaminharão para uma porta que pode levar a escrever ainda mais e melhorar.
Acho que o espaço
que encontramos naquele tempo que agora já é difícil, na altura era melhor.
Imagina que saiamos de repente com um livro a publicar e nem temos uma
referência de o que já fizemos antes, as pessoas pelo menos tem já um horizonte
daquilo que é esse escritor.
Isso facilita na
busca de apoios, para além de ter-se a chance de os especialistas na matéria
como professores de literatura irem lendo a sua obra, analisando e fazendo a
devida crítica.
Mas os jornais de hoje se quer têm espaço para a
publicação de textos literários dos mais novos…
Praticamente não
há jornais que publicam textos literários, tirando a vossa revista Literatas e o suplemento Cultural do
jornal Notícias, os outros órgãos não
se importam. Isso é mau. Não sei o que se pode fazer para se ultrapassar esse
problema, sei que os jornais e revistas tem as suas dificuldades e por conta
disso preferem colocar um anúncio porque vão ganhar dinheiro. Mas por outro
lado, vai se perdendo um grande escritor. Então é preciso se conjugar todos
esses factores e abrir-se um espaço para podermos publicar os trabalhos que
andam nas gavetas dos escritores emergentes. Se eles publicam vão vencendo a
sua timidez de se mostrar ao mundo, porque editar um livro ainda é complicado.
Heróis de Palmo e Meio
Segundo Livro de Alex Dau, publicado em 2012 |
Versando já sobre o Heróis de Palmo e Meio, o que te
levou a escrever esse livro?
Heróis de Palmo e Meio é a minha segunda
obra, portanto que veio depois de Reclusos
do Tempo. Primeiro queria provar à mim próprio que é possível publicar
outro livro e firmar-me como um indivíduo que pode escrever outra coisa.
Outra coisa que
me levou a publicar é que já tinha o material suficiente. Portanto Heróis de Palmo e Meio não foge muito do
projecto inicial, também foram contos publicados na imprensa, uns na revista
Tempo outros no suplemento Cultural do jornal Notícias e dois ou três inéditos.
No entanto, a
grande diferença entre os dois livros é que Heróis
de Palmo e Meio fui em busca de meios para publicar o livro enquanto o
primeiro fui custeado pela AEMO. Este último tive que ir buscar os recursos
pessoalmente, procurei o patrocinador, a editora e negociei com ambos, preparei
a capa para o livro entre outras coisas.
O que te custou ter publicado esse livro?
Realmente deu-me
muito trabalho, não porque tinha que escrever porque os contos já existiam, a
parte da revisão, capa, estar atento ao trabalho da editora, negociar com o
patrocinador porque este impunha algumas condições que tinha que aderir, em
fim. Deu mais trabalho, mas valeu a pena porque o empenho da editora foi bom e
isso reflectiu-se na qualidade do livro.
Foi o segundo
livro e quem sabe as portas se abrirão para o terceiro. Talvez aparecerá quem
se interesse pelo meu trabalho, críticas e vou percebendo, assim em que posição
me encontro no panorama literário moçambicano.
Os políticos tem dito por muitas vezes que Moçambique ‘e
“Pátria de Heróis”. Que heróis nos traz como exemplo para a sociedade?
Para mim, todo moçambicano
é herói, porque estamos a viver num país com muitas riquezas mas enfrentamos
pobreza estrema. Temos muitos recursos e nem se quer usufruímos dessa riqueza,
estamos a sobreviver num país que é rico.
Para o livro em
particular, os heróis de palmo e Meio são os meninos de rua, esses que
abandonam suas casas por maus tratos e outros por serem explorados, circulam na
cidade a pedir dinheiro de pão a mando dos seus familiares. Na altura Samora
Machel (primeiro presidente de Moçambique independente) dizia “crianças são
flores que nunca murcham” mas hoje vemos crianças sem ter quem as apoie e as dé
assistência, ficando ao Deus dará, a chutar latas, a dormir ao relento e sem
ter o que comer.
Estará a invocar o papel do escritor para com o que
acontece a sua volta. Estamos perante um Alex Dau que não é alheio a o que
acontece no mundo que o rodeia?
É impossível
ficar alheio. Há alguns contos em que interfiro sob aqueles males que acontecem
na sociedade. Conto essas histórias e dou o meu parecer sobre o assunto.
Ao abrir seus livros já publicados o que tem vem na alma?
Primeiro vem-me
que consegui alcançar um objectivo. Mas há sempre a sensação de que não poço parar
por ai, a luta continua, tenho que seguir em frente.
Mas é assim é me
mais difícil escrever agora do que antes. Porque temos tantas coisas que
atrapalham, confesso que se vivesse no campo podia escrever melhor. No meio
urbano é mais complicado, de dia uma correria e quando chego a casa tem que
arranjar aquele tempinho para escrever porque se não, não vou me encontrar.
Já não sei o que perguntar, acho que fiz muitas
perguntas, mas ao mesmo tempo fico com a sensação de que não perguntei nada.
Gosto de conversar consigo, acho-te uma pessoa misteriosa…
Se você me acha
misterioso talvez seja por aquela frase que já lhe disse do Scot Gerar “ Não se
pode contar a vida de um escritor porque ele é muita gente”. Tens razão em me
achar misterioso, se calhar aquele que falas com ele hoje, não será o mesmo com
quem falarás amanhã.
Para si que importância tem a leitura?
A leitura é
importante porque dá-nos a possibilidade de imaginarmos e criarmos as nossas
personagens através daquilo que lemos.
Gosto de fazer a
seguinte comparação entre ler e ver um filme. Num filme há um guionista, o que
escreveu o roteiro, o realizador é quem fez o filme, portanto ao assistir vemos
aquilo que os outros quiseram que visse.
Mas quando lemos
um livro nós somos o realizador do filme, colocamos de como queremos,
escolhemos as personagens e as melhores imagens. Essa é a mais-valia da
leitura, a leitura é a peça chave para tudo que fazemos.
Infelizmente poucos
lêem, mesmo os estudantes universitários, eles acabam ficando direccionados para
aquilo a que são formados, mas o resto não entendem e são vedados de capacidade
de imaginar.
Agora pode dizer o que acha importante dizer e que não
lhe perguntei.
Penso que deve
haver mais abertura para os escritores conviverem. Noto que não há um contacto
entre os escritores, são poucas as chances que há para conversas seja em jeito
de palestras como vocês fazem, sejam conversas informais entre escritores,
penso que isso é importante.
Outra coisa que
me entristece também é o seguinte: no dia do lançamento do meu livro estiveram
lá alguns escritores que não tinham condições de comprar o livro e mesmo eu, há
vezes em que vou para um lançamento e não tenho dinheiro para comprar o livro
porque o dinheirinho que tenho no bolso só dá para o pão, por isso acho que
tinha que haver um mecanismo para que os escritores tenham acesso aos livros
quando vão a um lançamento. Que se arranje uma forma de o escritor ter o livro
seja para pagar a preços simbólicos, porque penso que é um acto inédito ver o
seu confrade a lançar o livro e ter dele um autógrafo. Agora o escritor sai do
lançamento do seu confrade sem se quer ter o livro nas mãos e os outros que nem
são da área estão com o livro na mão. Para mim isso é triste.
Há vezes em que
um escritor não vai ao lançamento porque ao perguntar do preço logo lhe é dito
que são 500,00 meticais, logo não vai. Não porque não gostaria de estar
presente, mas pelo preço e porque não é capaz de comprar.
Então muitas vezes reclama-se que o livro é caro e
afinal, nem se quer o escritor que é autor tem dinheiro para adquiri-lo?
Verdade seja
dita, aqui em Moçambique não se pode viver da escrita. Não pode só porque
publicou um livro pensar que terá dinheiro para viver. Os ganhos que advêm por
ter publicado um livro, em termos financeiros são quase inexistentes. Portanto,
o ganho maior é saber que lançou um livro e isso lhe pode levar a outras
oportunidades de vida e se calhar a oportunidade de aparecer uma editora
estrangeira interessar-se por ele se calhar pagar melhor.
Para nós não sofrermos por querer olhar a
literatura como nossa fonte de sobrevivência temos que olhar para outras
actividades. Para podermos existir como ser humano e até como escritor. Tinha
que haver uma maneira de se ajudar o escritor.
1 comentários:
Belo!
La vao os que pugnam pela cultura escrita (a mais genuina) de Mocambique.
abraco
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