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    ALEX DAU: "Estamos a perder os nossos valores"


    Eduardo Quive - Maputo
    Escritor moçambicano Alex Dau, uma revelação da escrita nacional

    Nascido a 23 de Maio no ano da idenpedência de Moçambique, em Quelimane, província da Zambézia extremo centro do país, Paulo Alexandre Dauto da Conceição ou simplesmente Alex Dau é autor de dois livros de conto, nomeadamente, “Reclusos do Tempo” e “Heróis de Palmo e Meio”. É um dos poucos falados como acontece com muitos escritores moçambicanos, mas olhando-se profundamente a sua obra, nota-se que estamos perante um escritor destacável na literatura contemporânia nacional.
    A sua intromissão pelas letras é de raiz, isto é, começa das histórias dos nossos avós e de outros mais velhos nas famosas noites de histórias assustadoras antes de dormir que as nossas aldeias proporcionavam. Foram tempos. Tempos em que o tempo era dado seu devido valor, mas agora, “tempo é dinheiro” eis o que dizemos todos, pelo que o próprio Alex Dau se recente “acho que agora tenho mais dificulade para escrever”.
    E porque quando o tempo está a venda corre-se muitos riscos, nesta entrevista que me custou colocar o fim, preferi servir-me da expresseu do escritor “estamos a perder os nossos valores” para conseçar outras ideias que Alex Dau tira nesta entrevista. Ideias lúcidas e merecedoras de atenção ampla para se entender os mistérios da Literatura Moçambicana, da sua origem, forma e valor. É verdade que este autor nasceu depois da independência e começou a publicar em 2004 (muito recente), mas como diz Lucílio Manjate, é complicado se justificar o termo “Jovem escritor”, se perguntar se é jovem a pessoa que escreve? Ou a sua escrita é que é jovem e não merecedora dos devidos créditos? Para já, cabe-me apenas dizer que nem a escrita, nem a pessoa, em Alex Dau são jovem, é tudo simplesmente de idade activa, velho ou novo, as ideias suas ideias são umas verdadeiros pontos de reflexão.


    Os meus primeiros passos para a literatura dão-se na Escola Primária de Sinacura em Quelimane, quando começo a fazer trabalhos da disciplina de português, a famosas redacções. Era nesse espaço da disciplina onde conseguia expor os meus pensamentos e os professores elogiavam. Sempre nas redacções conseguia ter maior nota.
    Mas outro incentivo foi do meio onde vivia entre jovens e adolescentes, nós gostávamos de ler, na altura não havia muito de televisão nem DVD, então nós trocávamos revistas da colecção Mar e Vela, tipo Capitão, Homem Aranha, Balas, Vampiro. Eram raros os livros naquela altura. Tinha que pegar num ler depois contar o outro o que trouxe a necessidade de trocarmos os livros. Acho que foi daí que começou a surgir essa inclinação para a literatura.

    Estamos a falar dos tempos onde tinha-se sérias dificuldades de adquirir os livros, como é que vocês conseguiam contornar essa situação?
    Naquela altura as bibliotecas eram raras, até hoje continuam poucas e as que existem são difíceis de entregar o livro para ler em casa. Nós recorríamos a livros de pessoas mais velhas que faziam colecções, procurávamos ter esses livros, contactávamos as pessoas íamos buscar e líamos, muitas vezes quando gostássemos do livro fazíamos de tudo para nos apoderarmos do mesmo. Fazíamos uma usurpação para fins académicos, de facto tínhamos interesse de ler.
    O que funcionava principalmente para que todos tenhássemos acesso era que eu lesse e depois emprestasse a outro. Mas esse emprestar era condicionado pelo facto de o outro ter também um livro para me emprestar.
    Fugindo um pouco da sua questão, uma das coisas que contribuiu muito para que me entrasse esta veia de gostar de escrever foi o ambiente em que cresci, estava no meio da província, isto é, distante da capital e era moda daquele tempo, que se contasse histórias pelos mais velhos. Antes de dormir os meus primos e primas mais velhas contavam-nos histórias sobre curandeiros, feiticeiros e etc. era uma época em que a guerra civil estava no auge, nos anos 80 e ouvíamos também histórias da guerra, e por conta disso verá que nos meus livros não fujo muito dessa temática.

    Muitos hiscritores do vosso tempo (embora começar a publicar nos anos 2000, não deixa de ser fruto dos anos 80) levaram consigo a oralidade. No entanto hoje isso é pouco frequente. As histórias contadas na infância foram importantes para moldarem o escritor que há em ti?
    Foram e ainda são importantes como moçambicanos e africanos porque quando escrevemos fugindo dessa temática tradicional escrevendo histórias de amores por ai, aquele que a ler pode ter dificuldades de perceber a sua origem, mas se pegamos os traços que fazem parte da nossa cultura com o povo, verá-se de imediato que se trata de um africano. Isso já é um bom princípio porque estaremos a valorizar o que somos, vamos dar a conhecer as nossas histórias.
    Realmente esse eriquecimento da parte tradicional ou a parte mágica é muito importante porque enquianto alguém nos conta, vamos imaginando e desenvolvemos o nosso enredo. Isso fortifica o escritor que há em ti, eu penso assim.
    Ainda a pouco tempo ouvi uma história da minha província como disse, sou de Quelimane, de um régulo que se transformou num Hipopótamo, esse sobrenatural que ouvimos dá-nos vontade de criar e contar mais uma história. Eu particularmente giro em volta disso, me seria se calhar, difícil de me despender em outras temáticas. Então quando encontro alguém a contar essas histórias, por mais que não seja próxima de mim, fico interessado, da mesma forma que um europeu ou americano, se interessa pelo que gira em sua volta. Os moçambicanos devem se interessar mais por isso. Há muita coisa que nós achamos impossível, principalmente com a evolução da ciência, as pessoas vão chegando-se mais ao meio urbano, a tradição oral vai caindo no desinteresse. Estamos a perder os nossos valores.

    Falou da guerra, tenho lido muito dos escritores da era colonial e do pós independência e também dos contemporâneos, como seu caso, mas entendo que há sempre uma gota de sangue na vossa escrita, há uma marca da guerra, parece que tanto os antigos e os novos não saem dessa temática…
    A guerra marcou-nos, nós ouvimos histórias sobre nossos amigos, familiares, eu próprio perdi familiares durante a guerra, e ouve muitas especulações e histórias sobrenaturais. Nós ao escrevermos abordando as guerras em sempre para homenagear essas vitimas. Por isso que a guerra ainda estará presente na nossa escrita por assim também está nas nossas almas.

    Falou do seu encontro com a leitura e sobre a escrita… quando é que percebe que deve escrever?
    Quando venho para Maputo, vi que tinha a possibilidade de publicar. Havia espaço no jornal Domingo para a publicação de poemas e explorei essas possibilidades, por essa razão o que primeiro publiquei foi poesia nesse jornal e depois tive contacto com o Jorge de Oliveira quando trabalhava na Televisão de Moçambique (TVM) ele era coordenador da Gazeta de Artes e Letras da Revista Tempo e conversando com ele passei a ter espaço na Tempo para publicar os meus poemas e depois desafiaram-me a escrever conto, que é uma coisa que fazia um pouco antes, como disse através do impulso das redacções da escola. Portanto começo a me dedicar porque já tinha um espaço onde podia mostrar o meu trabalho e que teria a possibilidade de que os outros vissem e pudessem fazer a crítica.
    Enquanto faço essas publicações ganhei contactos com indivíduos mais idóneos e que pudessem dar sugestões e análise dos meus textos, dar ideias, umas más e outras boas, mas sempre conseguia distingui-los. Portanto o meu maior incentivo foi o espaço que encontrei para publicar os meus trabalhos na revista Tempo. Daí foi uma caminhada que graças a Deus não parou.
    A revista Tempo parou de ser editada e encontrei espaço noutros jornais como Savana, Zambeze, e depois daí começaram a aparecer os livros.

    Mas em que ano especificamente isso se regista?
    No jornal Domingo comecei a publicar nos anos 90, na revista Tempo também.

    Reclusos de Tempo
    Primeiro livro de Alex Dau, publicado em 2004

    A sua obra de estreia, fale-nos na primeira pessoa sobre a temática desse livro.
    Reclusos do Tempo é título de um conto que faz parte do livro do mesmo nome. Nessa história falo de sobrenaturais que acontecem numa determinada região onde os habitantes dessa região não respeitam a sua tradição, porque não fazem aquelas ofertas aos seus antepassados e por isso são penalizados. Instala-se uma tempestade que devasta todas as casas dessa zona  e outras infra-estruturas, daí o régulo tenta fazer as pazes com os espíritos no sentido de eles abandonarem a revolta com seus familiares.
    Sabe-se que as nossas tradições mandam que quando chegam os tempos da colheita e há bons resultados uma parte vai para os deuses e essa região desrespeitou essas leis, pelo que os espíritos da zona zangaram-se. Sendo assim eles ficaram Reclusos do Tempo. Portanto, o dia já se tinha transformado em noite, eles sofreram uma penalização pelo desrespeito às tradições.

    Portanto está aí iminente a tradição oral de que foi alvo enquanto emergia. Terá sido por isso que optou começar pelo conto?
    No conto sinto-me mais a vontade. Mas a escolha foi por ter tido muitos contos publicados na revista Tempo e quando chegou a altura de publicar o meu livro só fiz o trabalho de selecção. Fiz também o processo de reescrever alguns desses contos e procurei escrever outros inéditos. Mas se a minha obra for lida por quem já acompanha os meus paços vai perceber que muitas histórias que conto no livro já contei na revista. Por outro lado para colocar a sensação de novidade no leitor acrescentei mais dois ou três contos inéditos.
    Contudo a temática não foge dos mitos e tradições, o sobrenaturalismo, e por ai fora.

    Você não tem medo dessas histórias?
    É assim, quando criança realmente essas histórias aterrorizavam-me, mas não deixava de ouvi-las. Bastava ouvir essas histórias, mal dormia, morria de medo e andavam muitas imaginações na cabeça e só pensava “isso só pode ser verdade”.
    Mas a pesar de todo o medo, todos os dias que houvesse uma chance, ia ouvir essas histórias e hoje devo dar graças a Deus por as ter ouvido porque desenvolveram o meu mundo imaginário. Foi graças essas histórias que caminho pela literatura, porque para escrever é preciso ouvir. Tem que se saber ouvir e imaginar.

    O que te leva a escrever?
    Na escrita eu me encontro. Eu estou em permanente busca de mim mesmo, então, à medida que vou escrevendo, vou encontrando partes de mim, então se não escrever estarei muito longe de me encontrar.
    A dias eu lia uma crónica de António Lobo Antunes e ele cita um escritor chamado Scott Fitzgerald que diz o seguinte “não se pode contar a vida de um escritor porque eles são muitos”. Eu identifico-me muito com essa frase, porque eu escrevo para me encontrar. Por isso é que não posso deixar de escrever, se não me vou encontrar.

    Quando falavas de António Lobo Antunes e do próprio Scot Fid Gerard já estava para perguntar-te sobre os escritores que lês…
     É importante dizer uma coisa, na altura em que começo a ler, havia poucos escritores moçambicanos com obras publicadas e talvez se existiam só circulavam por aaqui em Maputo, mas lá em Quelimane só tinha acesso a estrangeiros.
    Por causa disso tive que recorrer a escritores como John Steinbeck, Gabriel Garcia Marquéz, Horacio McCoy, foram escritores que marcaram-me muito, principalmente o John Steinbeck “As vinhas da ira”. A sua maneira de escrever agrada-me e moldou um pouco aquela que é a minha maneira de escrever se calhar.

    Em que ano sai de Quelimane para Maputo?
    Saio em 1987.

    Tinha algum objectivo específico?
    Eu vim aqui para viver com a minha mãe.

    E quando chega onde morou?
    Morrei no bairro da Malhangalene, arredores de Maputo, e pela minha sorte logo que cheguei aqui encontrei um grupo de amigos que lia. Por isso continuei com aquele hábito que tinha de ler e trocar livros com amigos. Outra sorte foi que cheguei numa casa onde havia muitos livros e foi lendo-os.

    Pelo que sei, chegou a morar também na Munhuana perto de José Craveirinha…
    Depois de viver na Malhangalene, a minha mãe separou-se do meu padrasto, então fui viver exactamente numa dependência na rua onde morava José Craveirinha. É assim eu sou um pouco tímido, via José Craveirinha nas manhãs, durante as habituais caminhadas que fazia na zona, mas só o contemplava de longe sem coragem de me aproximar e falar com ele.
    Mas um dia foi lá ter com ele e com ousadia, levei os meus escritos e deixei nas suas mãos. Ele recebeu-os, mas não tive a oportunidade de conversar consigo. Prometeu-me que lia, mas depois não tive o seu parecer e como disse, por ser tímido, não existia para que ele me dissesse alguma coisa. Fiquei no meu canto.

    Já agora se tivesse tido a oportunidade de lhe dirigir uma palavra o que dirias?
    Tudo que gente nova gosta de fazer quando está com um ídolo, nesta nossa área literária, pedimos para que avalie o nosso trabalho. Teria o pedido para que visse o meu trabalho e que dissesse se valia ou não. Mas sei lá não tive essa sorte apesar dele ser meu vizinho. Eu vivi três anos nessa condição.
    Outros que aqui em Maputo contribuíram para que me tornasse este escritor é o professor doutor Nataniel Ngomane. Tive a oportunidade de entregar-lhe os meus trabalhos e ele fez uma avaliação, dando críticas e sugestões. Foi um momento crucial, porque se calhar teria descambar, se não tivesse encontrado. Nessa altura ele era professor da minha irmã, entreguei os meus textos à ela para que o entregasse, ele pediu um encontro comigo, conversamos, deu-me algumas luzes fundamentais.

    Num ensaio sobre a sua obra, Ricardo Riso tece o seguinte comentário “ a literatura moçambicana inicia o século XXI sob o signo da desconfiança, sofrendo acusações de sua morte por parte de uma nova geração de escritores que reivindica visibilidade para seus textos e oportunidades de publicação. Configura-se, então, um conflito de gerações, principalmente com os partícipes da revista Charrua e com a histórica AEMO – Associação dos Escritores Moçambicanos, esta acusada de favorecer os escritores oriundos daquela revista.
    Em que posição você se encontrava perante esse conflito?
    Nunca me envolvi directamente, mas sempre procurei apoiar aqueles que como eu, precisavam de um espaço para mostrar os seus trabalhos e naquela altura realmente, não exitia esse espaço para, por exemplo, editar um livro. Em contrapartida, existia espaço para publicar pequenos trabalhos como contos e poesia. Mas a parte do livro, era mais complexo, aliás as editoras eram poucas e pelo que me lembro a editora que todos recorríamos na altura era a da AEMO. Mas para ter acesso a esse espaço na AEMO tinha que ser um indivíduo super dotado se não ficava de fora. Eram muito poucos os que conseguiam publicar no principio e nos finais de 1990.
    Então acho que esse grupo de escritores emergentes estava de facto a procura  de encontrar um espaço para mostrar seu talento e trabalho. Há situações em que podemos ler nosso trabalho e comparar com o dos outros e notarmos que afinal o nosso é melhor e aí vem essa questão “ porque é que não posso publicar?”.
    É por isso que também os escritores já conhecidos sentiam-se ameaçados porque um mais novo comparava os seus trabalhos e via que era possível publicar também. Por isso que os mais novos faziam essas tentativas a pesar das barreiras.

    Você faz parte dos escritores que viveu um pouco o passado da literatura moçambicana como observador (antes dos anos 2000) e agora activamente. Qual é o estágio da nossa literatura?
    Fazendo uma análise superficial veremos que a literatura moçambicana cresceu em todos aspectos. Antes tinha-se poucas editoras, hoje a situação está melhorada e essas editoras abrem as portas para todos, havendo ainda a possibilidade de as empresas apoiarem as publicações. Em fim está-se perante algumas melhorias.
    Entretanto ainda não há a qualidade desejada, mas está haver trabalhos que estão a marcar a literatura moçambicana. Acho que houve um desenvolvimento isso é positivo, talvez daqui a um tempo vamos moldá-la a um crescimento com perfeição. Mas estamos em bons tempos sem dúvidas.

    Que importância tem a publicação dos textos enquanto se forja o escritor num indivíduo?
    A medida que vai publicando se tem a chance de os confrades lerem e fazer a crítica da sua escrita. Essas críticas, sejam elas boas ou más, dependendo do indivíduo, encaminharão para uma porta que pode levar a escrever ainda mais e melhorar.
    Acho que o espaço que encontramos naquele tempo que agora já é difícil, na altura era melhor. Imagina que saiamos de repente com um livro a publicar e nem temos uma referência de o que já fizemos antes, as pessoas pelo menos tem já um horizonte daquilo que é esse escritor.
    Isso facilita na busca de apoios, para além de ter-se a chance de os especialistas na matéria como professores de literatura irem lendo a sua obra, analisando e fazendo a devida crítica.

    Mas os jornais de hoje se quer têm espaço para a publicação de textos literários dos mais novos…
    Praticamente não há jornais que publicam textos literários, tirando a vossa revista Literatas e o suplemento Cultural do jornal Notícias, os outros órgãos não se importam. Isso é mau. Não sei o que se pode fazer para se ultrapassar esse problema, sei que os jornais e revistas tem as suas dificuldades e por conta disso preferem colocar um anúncio porque vão ganhar dinheiro. Mas por outro lado, vai se perdendo um grande escritor. Então é preciso se conjugar todos esses factores e abrir-se um espaço para podermos publicar os trabalhos que andam nas gavetas dos escritores emergentes. Se eles publicam vão vencendo a sua timidez de se mostrar ao mundo, porque editar um livro ainda é complicado.

    Heróis de Palmo e Meio
    Segundo Livro de Alex Dau, publicado em 2012

    Versando já sobre o Heróis de Palmo e Meio, o que te levou a escrever esse livro?
    Heróis de Palmo e Meio é a minha segunda obra, portanto que veio depois de Reclusos do Tempo. Primeiro queria provar à mim próprio que é possível publicar outro livro e firmar-me como um indivíduo que pode escrever outra coisa.
    Outra coisa que me levou a publicar é que já tinha o material suficiente. Portanto Heróis de Palmo e Meio não foge muito do projecto inicial, também foram contos publicados na imprensa, uns na revista Tempo outros no suplemento Cultural do jornal Notícias e dois ou três inéditos.
    No entanto, a grande diferença entre os dois livros é que Heróis de Palmo e Meio fui em busca de meios para publicar o livro enquanto o primeiro fui custeado pela AEMO. Este último tive que ir buscar os recursos pessoalmente, procurei o patrocinador, a editora e negociei com ambos, preparei a capa para o livro entre outras coisas.

    O que te custou ter publicado esse livro?
    Realmente deu-me muito trabalho, não porque tinha que escrever porque os contos já existiam, a parte da revisão, capa, estar atento ao trabalho da editora, negociar com o patrocinador porque este impunha algumas condições que tinha que aderir, em fim. Deu mais trabalho, mas valeu a pena porque o empenho da editora foi bom e isso reflectiu-se na qualidade do livro.
    Foi o segundo livro e quem sabe as portas se abrirão para o terceiro. Talvez aparecerá quem se interesse pelo meu trabalho, críticas e vou percebendo, assim em que posição me encontro no panorama literário moçambicano.

    Os políticos tem dito por muitas vezes que Moçambique ‘e “Pátria de Heróis”. Que heróis nos traz como exemplo para a sociedade?
    Para mim, todo moçambicano é herói, porque estamos a viver num país com muitas riquezas mas enfrentamos pobreza estrema. Temos muitos recursos e nem se quer usufruímos dessa riqueza, estamos a sobreviver num país que é rico.
    Para o livro em particular, os heróis de palmo e Meio são os meninos de rua, esses que abandonam suas casas por maus tratos e outros por serem explorados, circulam na cidade a pedir dinheiro de pão a mando dos seus familiares. Na altura Samora Machel (primeiro presidente de Moçambique independente) dizia “crianças são flores que nunca murcham” mas hoje vemos crianças sem ter quem as apoie e as dé assistência, ficando ao Deus dará, a chutar latas, a dormir ao relento e sem ter o que comer.

    Estará a invocar o papel do escritor para com o que acontece a sua volta. Estamos perante um Alex Dau que não é alheio a o que acontece no mundo que o rodeia?
    É impossível ficar alheio. Há alguns contos em que interfiro sob aqueles males que acontecem na sociedade. Conto essas histórias e dou o meu parecer sobre o assunto.

    Ao abrir seus livros já publicados o que tem vem na alma?
    Primeiro vem-me que consegui alcançar um objectivo. Mas há sempre a sensação de que não poço parar por ai, a luta continua, tenho que seguir em frente.
    Mas é assim é me mais difícil escrever agora do que antes. Porque temos tantas coisas que atrapalham, confesso que se vivesse no campo podia escrever melhor. No meio urbano é mais complicado, de dia uma correria e quando chego a casa tem que arranjar aquele tempinho para escrever porque se não, não vou me encontrar.

    Já não sei o que perguntar, acho que fiz muitas perguntas, mas ao mesmo tempo fico com a sensação de que não perguntei nada. Gosto de conversar consigo, acho-te uma pessoa misteriosa…
    Se você me acha misterioso talvez seja por aquela frase que já lhe disse do Scot Gerar “ Não se pode contar a vida de um escritor porque ele é muita gente”. Tens razão em me achar misterioso, se calhar aquele que falas com ele hoje, não será o mesmo com quem falarás amanhã.

    Para si que importância tem a leitura?
    A leitura é importante porque dá-nos a possibilidade de imaginarmos e criarmos as nossas personagens através daquilo que lemos.
    Gosto de fazer a seguinte comparação entre ler e ver um filme. Num filme há um guionista, o que escreveu o roteiro, o realizador é quem fez o filme, portanto ao assistir vemos aquilo que os outros quiseram que visse.
    Mas quando lemos um livro nós somos o realizador do filme, colocamos de como queremos, escolhemos as personagens e as melhores imagens. Essa é a mais-valia da leitura, a leitura é a peça chave para tudo que fazemos.
    Infelizmente poucos lêem, mesmo os estudantes universitários, eles acabam ficando direccionados para aquilo a que são formados, mas o resto não entendem e são vedados de capacidade de imaginar.

    Agora pode dizer o que acha importante dizer e que não lhe perguntei.
    Penso que deve haver mais abertura para os escritores conviverem. Noto que não há um contacto entre os escritores, são poucas as chances que há para conversas seja em jeito de palestras como vocês fazem, sejam conversas informais entre escritores, penso que isso é importante.
    Outra coisa que me entristece também é o seguinte: no dia do lançamento do meu livro estiveram lá alguns escritores que não tinham condições de comprar o livro e mesmo eu, há vezes em que vou para um lançamento e não tenho dinheiro para comprar o livro porque o dinheirinho que tenho no bolso só dá para o pão, por isso acho que tinha que haver um mecanismo para que os escritores tenham acesso aos livros quando vão a um lançamento. Que se arranje uma forma de o escritor ter o livro seja para pagar a preços simbólicos, porque penso que é um acto inédito ver o seu confrade a lançar o livro e ter dele um autógrafo. Agora o escritor sai do lançamento do seu confrade sem se quer ter o livro nas mãos e os outros que nem são da área estão com o livro na mão. Para mim isso é triste.
    Há vezes em que um escritor não vai ao lançamento porque ao perguntar do preço logo lhe é dito que são 500,00 meticais, logo não vai. Não porque não gostaria de estar presente, mas pelo preço e porque não é capaz de comprar.

    Então muitas vezes reclama-se que o livro é caro e afinal, nem se quer o escritor que é autor tem dinheiro para adquiri-lo?
    Verdade seja dita, aqui em Moçambique não se pode viver da escrita. Não pode só porque publicou um livro pensar que terá dinheiro para viver. Os ganhos que advêm por ter publicado um livro, em termos financeiros são quase inexistentes. Portanto, o ganho maior é saber que lançou um livro e isso lhe pode levar a outras oportunidades de vida e se calhar a oportunidade de aparecer uma editora estrangeira interessar-se por ele se calhar pagar melhor.
     Para nós não sofrermos por querer olhar a literatura como nossa fonte de sobrevivência temos que olhar para outras actividades. Para podermos existir como ser humano e até como escritor. Tinha que haver uma maneira de se ajudar o escritor.

    1 comentários:

    Belo!
    La vao os que pugnam pela cultura escrita (a mais genuina) de Mocambique.
    abraco

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