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    LEITURAS: “Charrua” na voz do seu primeiro coordenador

    Eduardo Quive

    Juvenal Bucuane hoje aos 61 anos de idade, autor de numerosas obras entre poesia e prosa, com a sua mais recente obra lançada neste ano intitulada “Crendices e Crenças”. Foi o primeiro coordenador da Revista Literária “Charrua” este empreendimento que teve o realce da sua edificação em 1984 e mais tarde, em 2005, fica secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos, isto é, o último antes do do actual secretariado liderado por Jorge de Oliveira. “Charrua” e AEMO são dois assuntos breves que da entrevista que fizemos a este escritor, procuramos trazer neste número na primeira pessoa.

    Um dos números da revista literária Charrua


    Fui convidado para estar presente na constituição da AEMO porque a quando da proclamação da independência em 1975 eu já escrevia alguns poemas que pretendi publicar no jornal. Consegui publicar alguns no jornal Notícias e na revista Tempo que eram os órgãos mais lidos nessa altura.
    O meu nome começou a ter alguma visibilidade cá fora, mas muitas pessoas não sabiam que eu era. Mas estou certo que o grupo que estava a trabalhar para a criação da Associação dos Escritores Moçambicanos conheceu esse nome e deve ter andado a procura. E quando descobriram-me endereçaram-me um convite para estar presente em todas sessões da constituição da AEMO. Não tinha voz activa, nem direito a voto, era apenas um observador que ficava para ver o que se estava a passar. Até quando no dia 31 de Agosto exactamente a 30 anos assisti a formação oficial da AEMO.
    Nessa altura para mim era gratificante estar ao lado de pessoas que já ouvira falar, mas que nunca tinha estado ao pé delas, estou a falar de José Craveirinha, Luís Bernardo Hownana, Orlando Mendes, Albino Magaia, Calane da Silva, Gulamo Khan, Marcelino dos Santos e vários outros estiveram na constituição da AEMO e, claro o Rrui Nogar que na altura foi indicado secretário-geral da AEMO, sendo assim o primeiro. O primeiro presidente foi José Craveirinha.
    Praticamente esse foi o meu primeiro baptismo, já me sentia não escritor, mas pelo menos já considerado na família dos escritores.
    Depois da criação da associação, Rui Nogar faz um apelo a todos os jovens que escrevem para aproximarem-se da Associação dos Escritores Moçambicanos, é nessa altura onde vendo essa chance, que cheguei a AEMO e descobri lá muitos jovens que atenderam ao chamamento. Estou a falar do Ungulani Ba Ka Khosa, Pedro Chissano, Hélder Muteia, Eduardo White, Tomás Vieira Mário, Marcelo Panguana, António Pinto de Abreu e tantos outros.
    Nessa altura o Rui Nogar diz assim “formem grupos, como são muitos, formem dois grupos de leitura e troca de obras, troquem os vossos escritos entre vocês e façam debate crítico daquilo que leram dos vossos amigos.” Fizemos esse exercício até que chegou uma altura que nos apercebemos que tínhamos já muitos textos prontos. E perguntamos-nos, qual é o destino dos tais escritos?
    A associação não tinha condições para editar aqueles trabalhos em livro, e mesmo se fosse nós não tínhamos ainda, muita tarimba para isso. Na altura nós entendemos que aquilo era uma forma de nos entreter, mas que criou em nós aquele desejo de fazer qualquer coisa para amanhã sermos como aqueles escritores que nós víamos naquela casa a circularem.
    Fomos produzindo mais textos até que um dia chegou a ideia de fundar uma revista de jovens. Isso foi muito pol’emico, não foi fácil, porque tínhamos pessoas a favor da ideia e outras contra que diziam-nos “miúdos destes o que ‘e que sabem da literatura para fazerem uma revista literária?” havia esse pensamento enquanto outros abraçavam a ideia e uma dessas pessoas era o próprio Rui Nogar, ele existia que nós estávamos a fazer um trabalho e estava consciente que um dia íamos conseguir. naturalmente que não havendo condições da AEMO levar isso avante ele dávamos o apoio moralmente. Ele incentivava-nos. Mas a tal revista que queríamos criar, sentamos e consolidamos as coisas pelo que demos o nome a revista ficando “Charrua” no sentido de que Charrua desbrava a terra, desbrava a terra, abre o chão para lançarmos a semente. Todos concordaram com o nome.
    Mas acontece que nós só sabíamos recolher os textos necessários e não sabíamos mais o que fazer a seguir, foi então quando nos lembramos do irmão do Ungulani Ba Ka Khosa, Elias Cossa ele era jornalista e estando dentro desses meandros fizemos a maquetização da revista, em casa dele. Eu penso que fizemos a primeira, a segunda e mais algumas em casa dele. Ele foi o grande maquetizador da revista “Charrua”. Aí a revista ganhou forma. Mas era preciso ilustrar a revista porque não tínhamos ainda a possibilidade de fazermos fotografias é quando nos lembramos que tínhamos um amigo que aliás, era também um dos jovens que aderiu ao movimento jovem da AEMO, o Ídasse Tembe, artista plástico, ele disponibilizou-se para ilustrar a revista e depois dele outros artistas plásticos que apaixonaram-se à ideia aproximaram-se a nós. Foi quando saiu a revista e foi um sucesso, mas mesmo assim contra a vontade de algumas pessoas da AEMO. A emoção foi maior ao ver a “Charrua” sair, lembro-me que íamos todos dias à Imprensa Nacional para vermos como é que estava a andar o trabalho.
    Tínhamos um pequeno grupo de coordenação da revista, mas atrás de nós tínhamos um grupo muito grande de jovens, cerca de 30 a 35 jovens que aderiram a ideia e colaboravam. Mandavam-nos poemas, contos e outras coisas literárias, inclusive desenhos. Assim a nossa revista andou até ao oitavo número.
    Este foi mais ou menos o meu percurso até a minha consagração como escritor. E a minha consagração como escritor deu-se quando militei na revista “Charrua”, na AEMO. Foi aí que amadureci e muitos escritores que hoje são conhecidos e que tomam dianteira da literatura moçambicana, foram forjados na mesma forja que eu. Estou a falar de Ungulani Ba Ka Khosa, Pedro Chissano, Hélder Muteia, Eduardo White, Tomás Vieira Mário e de outros escritores que posso me esquecer, naturalmente, dos nomes. Mas a grande parte dos escritores que hoje se impõem na Literatura Moçambicana após a independência vem da Charrua.
    Há naturalmente escritores da mesma época, mas que não foram da revista “Charrua” como por exemplo, Paulina Chiziane, Mia Couto e vários outros escritores que não são da lavra da revista “Charrua” mas que surgiram nesse tempo. Mas há muitos outros que não saem da “Charrua” mas beberam das suas ideias que foram para eles, uma espécie de adubo para que pudessem surgir como escritores porque alguma coisa lis chamou atenção.

    Sobre o trabalho da sua direcção na AEMO
    Escritor Juvenal Bucuane, antigo secretário-geral da AEMO

    Fui eleito a secretário-geral da AEMO depois de ter pertencido a vários elencos do secretariado, vogal e duas vezes como vice-presidente até que fui convencido por um grupo de escritores que acharam que podia candidatar-me a secretário geral. Em 2005 tornei-me secretário geral da AEMO e foi numa altura em que a associação enfrentava muitos problemas de carácter financeiro e credibilidade. Na mesma altura havia um grupo de dissidentes da AEMO que estava a criar ou criou a União Nacional dos Escritores (UNE). E essa decadência era cousada por muitas coisas que nem vou nomear, mas eram muito negativas. A AEMO tinha entrado numa rota de descrédito que ninguém mais acreditava nela, sobretudo os jovens, isso porque a juventude é irreverente. É irreverente no sentido de que quer que as coisas aconteçam e ninguém deixa que elas aconteçam. E percebem que estão a perder tempo porque nessa altura a associação não tinha forças no sentido de contar os ânimos desses jovens, se calhar, criando alguma coisa que pudesse os entreter com a causa da própria associação. Portanto, havia uma espécie de anarquia dentre da AEMO em todos sentidos.
    Surgi não como salvador da associação, mas foi numa altura em que alguns membros comprometidos com a causa e que sentiram na carne aquilo que era a rota que a associação tinha caído, decidiram que nós tínhamos que salvar a Associação dos Escritores Moçambicanos, porque havia a eterna luta entre o velho e o novo, em que se dizia que os elementos da “Charrua” estavam a impedir o desenvolvimento da AEMO e que impedia, igualmente, a entrada dos jovens e que pudessem progredir, publicar, frequentar a casa e tudo que quisessem, porque a associação dos escritores é uma instituição oficial, não é uma coisa qualquer.
    A AEMO existe e é reconhecida nacional e internacionalmente, mas estava a cair no descrédito. Tínhamos que salvar a associação. Portanto, queríamos recuperar o prestígio da AEMO e grande parte das pessoas que tinham essa intenção era uma maioria oriunda da “Charrua”. Procuraram-me e propuseram-me que eu aceitasse essas funções. Dei algumas voltas porque não me agradava nada ser secretário de uma associação naquela situação. E ia ter sobre mim muitas atenções e depois o risco de ser tomado como quem
    vem salvar a associação e se as coisas não saíssem bem o culpado seria eu. Mas eu vi uma vontade séria por parte dos outros e aceitei o cargo.
    O que aconteceu nos secretariados anteriores, principalmente aos dois ou três que me antecederam, eu sentia que me hostilizavam, havia uma hostilidade daí que tinha me afastado da AEMO, apenas de vez em quando passava e cumprimentava. Mas apesar disso eram meus amigos, encontrávamos fora e conversávamos, por fora da AEMO éramos amigos. Mas eu senti-me claramente hostilizado por eles. Eu os conheço mas não interessa falar deles agora. Mas quando assumi o cargo virei a página, tudo estava ultrapassado com vista a devolvermos os melhores momentos à casa.
    Formei uma equipa e trabalhamos, começamos a ter um grupo de pessoas e instituições que pouco a pouco foram voltando a ser nossos parceiros. Assinamos memorando de entendimento com alguns grupos culturais inicialmente aqui em Maputo e depois fizemos um grande memorando com a CEPAN (Clube de Escritores e Amigos do Niassa), isto devido ao meu feitio, porque eu era muito aberto. Eu aceitava conversar com toda a gente e os jovens do Niassa perceberam que tínhamos como estabelecer essa parceria que ainda hoje perdura.
    Mas o essencial é que a AEMO para funcionar, sejamos sinceros, precisa de dinheiro, pessoas honestas e humildes na sua direcção. Tendo isso a AEMO pode avançar, com pessoas prontas a se juntar às outras que também fazem as artes. Porque sem dinheiro as coisas não avançariam. É como se diz, não se pode fazer omeletes sem ovos.
    Mas a AEMO quando saio já estava a ter alguma visibilidade, chegou a ter alguns equipamentos electrónicos, como computadores e etc. Oferecidos pelo FUNDAC (Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural) na altura da minha direcção. Começou a ter algum apoio da MOZAL para a publicação de alguns autores jovens – eu cheguei a anunciar nessa altura, só não se se avançou, a publicação de 7 títulos. Não sei se essas parcerias foram postas a valer porque a minha saída foi tanto a quanto precipitada. Saí da AEMO porque houve vozes que se precipitaram e gritaram contra como se eu de facto fosse...
    Mas sai sem renovar o mandato, a pesar de alguns terem vindo ter comigo para convencer-me a recandidatar-me, mas quando vi essa cena recuei. Ouve eleições novas e foi o que aconteceu o que todos sabem.
    Mas mesmo assim, sempre que há realizações e sou chamado não recuso. Eu sou muito aberto.

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