O CAMPO DA CRÍTICA LITERÁRIA AFRICANA
E SUAS LINHAS DE FORÇA
E SUAS LINHAS DE FORÇA
A crítica
literária africana pode ser entendida como um sub-sistema dentro dos sistemas
literários nacionais. O seu campo apresenta uma estrutura em que avultam
problemáticas de natureza epistemológica. Abordar a crítica das literaturas
africanas é levantar questões acerca do sujeito e do objecto do discurso, dos
métodos, princípios operatórios e das condições da sua eficácia. Não pretendo
introduzir a ideia de crítica a partir do nada. Pelo contrário, parto do
pressuposto da precedência dos fundamentos da crítica relativamente ao
surgimento das literaturas escritas. Segundo Locha Mateso, "a crítica
literária na África tradicional é uma actividade de multiplas facetas(...)
concentra os critérios de apreciação que correspondem à finalidade conferida
à obra por um determinado grupo social" .
Pius Ngandu Nkashama, Ecritures et Discours Littéraires,Paris, L'Harmattan, 1989, p.241.
O seu objecto
é constituído por um conjunto de textos resultantes de dois sistemas de
comunicação: a comunicação oral e a comunicação escrita. Do primeiro temos a
literatura oral e do segundo temos a literatura escrita. Alguns autores põem
em causa os canones da literatura escrita, tal como têm sido apresentados. É
o caso do professor nigeriano Emmanuel Obiechina que, no estudo dedicado à
literatura panfletária de Onistsha, leva a concluir que essa categoria de
textos não pode ser negligenciada, apesar de os seus destinatários serem
aqueles segmentos sociais com baixo rendimento e gostos diferentes dos da
classe média.
Perante este
quadro heterogéneo de textos, a posição e a atitude dos sujeitos dos
discursos críticos têm-se revelado polémicas. É que o elenco de tais sujeitos
também não tem sido homogéneo. Não são apenas africanos entre eles. Contam-se
também criticos não africanos. Contudo, a variedade de textos assim como os
problemas que se colocam na sua recepção têm suscitado suspeitas quanto a
relativa ineficácia da utensilagem teórica e crítica ocidental. Donde se
compreendem as posições de certos críticos africanos a este propósito.
Eldred Jones
observa que "as literaturas africanas apresentam uma importância capital
para os africanos e deve-se, naturalmente sobre esta matéria esperar dos
críticos africanos opiniões substanciais" . Estas considerações
impõem-se com algum vigor ao serem transpostas para o plano institucional do
ensino. No dizer de P.Ngandu Nkashama" as literaturas africanas
transformaram-se em verdadeiras paradas económicas, dando direito a vantagens
e lucros em moeda sonante ". Aludindo o comportamento dos
"colegas" das universidades ocidentais, acrescenta:
"evidenciando sem escrupulos uma incompetência notória(...) os homólogos
africanos não são considerados senão nas relações de beligerância, enquanto
obstáculos a eliminar(...)com um pouco de condescendência eles reduzem-no ao
triste papel de mendigo, pedinchão de esmolas facilmente manipulável" .
Mais adiante
poder-se-à ver uma manifestação dos debates entre criticos africanos e não-
africanos e as modalidades dessa conflitualidade que não parece ser apenas
uma "deslocada hostilidade", como diz Solomon Ogbede Iyasere.
Locha Mateso, La Littérature Africaine et sa Critique, Paris, ACCT/Karthala, 1986,p.55. Eldred Jones, African Literature Today (Editorial), nº7,1982
Por outro lado,
os próprios críticos não-africanos revelam-se insatisfeitos com os
instrumentos que utilizam. Edgar Wright refere que o crítico ocidental que se
dedica ao estudo das modernas literaturas africanas enfrenta duas grandes
obstruções:"a primeira reside em saber se qualquer teoria geral pode
funcionar, quando aplicada a uma cultura que é completamente diferente nas
suas origens daquela que constitui o suporte material da teoria(...); a
segunda relaciona-se com o público leitor e a intencionalidade do autor"
.
Em 1973, a
Sociedade Africana de Cultura promoveu a realização do colóquio de Yaoundé
sob o tema: O crítico africano e o seu povo como produtor de civilização. A
presidir a sua realização estava o seguinte argumento:
"Cada
sociedade tem as suas normas de apreciação. Estas são parte integrante da sua
ética da vida.
As correntes
externas, por mais generosas que sejam, não saberia substituir o esforço
pessoal de pesquisa e de confrontação que apenas permite esclarecer os juízos
através do contexto especifico de uma civilização"(...)
"Quem
poderá melhor que os criadores africanos apreciar a necessidade de sentir a
condição do seu povo, ou indicar aos escritores a via a seguir, os obstáculos
a evitar? Trata-se de integrar o criador africano na vida da sua civilização
e de libertá-lo da dominação excessiva do Ocidente".
Estes são os
postulados básicos do colóquio que durante quatro dias reuniu cerca de 50
especialistas das literaturas africanas, entre os quais alguns europeus e
americanos. Os debates subdividiam-se em três eixos, nomeadamente: Teoria - o
povo e a actividade crítica; Doutrina a crítica em África; Pedagogia- Crítica
e comunicação.
Pius Ngandu Nkashama, Ob.Cit. Edgar Wright, "Critical Procedures and the Evaluation of African Literature", in The Critical Evaluation of African Literature, ed. Edgar Wright (London, Heinemann,1978)p.8
Apesar da
leitura das comunicações que, reputei de importância imediata cujos
resultados merecerão desenvolvimentos ulteriores, limito-me, em primeiro
lugar, a fornecer referências das conclusões a que chegaram os participantes.
No primeiro
atelier destacam-se as definições de crítica e povo. A crítica é entendida
como "uma actividade de reflexão cujo objecto é a criação artistica; uma
ciência cujo objecto é explicar o produto cultural criado e sua
difusão". Por povo entende-se "o conjunto de uma comunidade
partilhando uma mesma cultura e tendo línguas comuns que realizam as funções
de referências".
Lançou-se
alguma precisão sobre o conceito de crítica africana sendo entendida como o
reflexo da visão do mundo própria do povo e em particular da sua estética.
Relativamente às condições necessárias para a emergência e difusão da
actividade crítica são indicadas duas que subentendem a necessidade de
políticas culturais nacionais: condições políticas, no âmbito das quais se
considera a liberdade de expressão e a democratização da informação;
condições técnicas do discurso em que destacam os níveis da crítica, as
modalidades e técnicas de crítica, as tendências da crítica tradicional e
actual; e o aspecto ideológico de toda a crítica.
Estas
condições convalidam a necessidade de autonomização efectiva da crítica e a
constituição do seu objecto. De resto, o exercício do discurso integra
igualmente esse objecto.
No segundo
atelier debatia-se a indissociabilidade da crítica de outros domínios como a
educação e a comunicação, havendo entre eles uma apertada conexão com a
problemática linguística. Ficou consagrada uma recomendação às altas
instâncias dos Estados Africanos, dentre elas a OUA.
Recomendava-se
a adopção de "uma política sistemática de formação de linguistas
africanos(...)" bem como "a multiplicação e desenvolvimento de
editoras africanas que se encarreguem de publicar obras inter-universitárias
por serem indispensaveis para o renascimento cultural do continente.
No terceiro
atelier, as conclusões visavam completar algumas definições fornecidas no
primeiro. A obra literária - no contexto das literaturas africanas - foi
definida como "um discurso oral ou escrito organizado exprimindo uma
visão do mundo numa perspectiva estética". Em sentido amplo, a crítica é
analisada enquanto "reacção de um individuo ou de um público manifestada
diante de uma obra literária, sendo por isso compatível com a ideia de um
certo pluralismo. Atribuem-se determinadas funções ao crítico africano. A
tarefa que lhe é conferida como primordial reside na formação de formadores
nos vários níveis de ensino e no quadro de programas de animação cultural. E
na qualidade de criador, considera-se que o crítico" deve contribuir, de
modo permanente, para a promoção do espírito criador, entendendo-se que
qualquer acto de promover a leitura visa uma multiplicação das actividades
criadoras.
Foi ainda
proposta a criação de uma Associação de Críticos Africanos.
O colóquio de
Yaoundé constitui um dos importantes pontos de referência, na história das
reflexões africanas.
Do conjunto
das comunicações apresentadas, prenderam a minha atenção, pela lucidez e
vertente de focagem, nomeadamente os textos de M.aM.Ngal:"O artísta
africano: tradição, crítica e liberdade criadora; de Pierre Ngijol "A
crítica literária africana na literatura tradicional oral"; de Nguessan
Kotchy e H.Memel-Foté": A crítica na África tradicional"; de
Noureini Tidjani - Serpos "A crítica africana: os critérios de
recepção"; e de Mohamadou Kane "Sobre a crítica da literatura
africana moderna ". Retomarei a leitura de alguns destes textos
posteriormente.
Haverá alguma
razão para sustentar que a diferença entre a crítica dos africanos e a
crítica dos não africanos representa uma polarização irremediável?
Num artigo
publicado em 1969, na revista Présence Africaine, o nigeriano Joseph Okpaku
demarcava o alcance e os limites da intervenção das duas críticas. Observa
que "o primado da crítica das artes africanas deve ser conferido aos
africanos fazendo uso de padrões africanos". Por outro lado, "o
papel do critico ocidental é diferente",. "A única actividade
válida deste último consiste em interpretar as literaturas africanas e outras
artes para audiências ocidentais". Com efeito, as posições que fazem a
apologia dessa primazia são bem mais antigas. Remontam aos anos dos
congressos de escritores negros. Nessa época a investigadora belga Lylian
Kesteloot, escreveu:" Estou convencida de que só os críticos africanos
serão capazes de destilar toda a essência, sabor, significado e poesia, toda
a " suculência" dos frutos" de sua herança ancestral para
maior glória da literatura mundial".
O debate foi
tomando outras feições, tendo chegado a opor, mesmo entre críticos africanos,
negadores e defensores do monopólio do discurso crítico legítimo. Encontramos
algumas destas manifestações na revista African Literature Today,
especialmente no seu número dedicado à crítica (Focus on Criticism). No
editorial desse exemplar Eldred Jones, que é editor da revista, advoga já a
tese do primado da crítica endógena. No mesmo encalço alinha Thomas Melone,
quando em 1970, escrevia: "A situação hoje nos impõe uma revisão total
do processo. Trata-se de restituir ao povo o privilégio de que foi detentor
durante os tempos imemoriais(...) O problema essencial consiste em não perder
de vista o que na tradição constituia a base da crítica artistica e literária
tal como o povo a exercitava .
Joseph Okpaku, "Tradition, Culture and Criticism", Présence Aricaine, 70, 2º trimestre, 1969,pp.137-146
Solomon
Ogbede Iyasere, no texto inserido na revista mencionada, sustenta que
"não é por sermos africanos que as nossas explicações serão melhores que
as do crítico não-africano". Ele reage ao requisitorio produzido por
Ernest Emenyonu contra o crítico americano Bernth Lindfors. Este ataque
suscitou outros comentários da parte de Solomon O.Iyasere. Condena Emenyonu
por agir "como se fosse um cego perante uma qualidade relevante como é a
distinção das situações e factos, ele fecha os olhos à distinção entre a arte
e a realidade, representação artistica e reprodução fotografica" .
Entre os
negadores da primazia da crítica endógena encontram-se aqueles que sem o
declararem explicitamente atestam o chamado "mimetismo da palavra".
Quer dizer exercem a crítica em dois níveis: recuperando as variáveis de
postulados teóricos ocidentais (únicos susceptíveis de ser considerados como
tais e de funcionar como metodologia coerente); e no outro nível o discurso
da crítica literária parece, limitado não marcado por quaisquer limites
metodológicos .
Os argumentos
aduzidos pelos defensores da primazia da crítica endógena são de peso para
serem apontados como tendencialmente prevalecentes. A lista de testemunhos é
de certo modo abundante. Mas o que importa é identificar os recortes do
paradigma novo.
Thomas Melone, Op.Cit. Solomon Ogbede Iyasere," African Critics on African Literature: A study in misplaced hostility", in African Literature Today (Focus on Crticism) de. Eldred Jones(London,Heinemann,1982), nº7.pp.20-27 Pius Ngandu Nkashama, Op.Cit.
Apesar dessa
oposição assente na consideração do primado dos critérios de apreciação,
várias têm sido as tentativas para a elaboração de respostas. Grande parte
destes esforços são empreendidos no contexto do e pesquisa das universidades.
Actualmente ensaiam-se, um pouco por todo o continente, novas vias para os
estudos das literaturas africanas.
Segundo Elo
Dacy, no quadro da universidade congolesa o discurso crítico apresenta-se em
quatro correntes, nomeadamente a linguística, a anti-representação, a
antropologica e a ecológica . As duas primeiras caracterizam-se por serem
negadoras. Negam, respectivamente, o reconhecimento de uma identidade
congolesa da literatura escrita em francês; a segunda, a existência do
romance africano em geral e do romance congolês em particular. A corrente
antropológica representada pela professora francesa, Arlette Chemain, é uma
crítica formalista que arranca de pressupostos ocidentais. Transfere os
métodos da crítica ocidental para os textos africanos. Finalmente, a corrente
ecológica representada por nomes de pesquisadores congoleses, "propõe-se
a reintroduzir a obra no contexto da sua produção e contextualizar os
instrumentos de análise" .
Nas
universidades dos países anglófonos, as posições estendem-se desde as
correntes sociologicas às neo-marxistas e neo-científicas. Tal é o caso da
Nigéria onde, segundo Grace A.Adebayo, a crítica neo-marxista, representada
por Femi Osofian, Biodun Jeyifo, Odia Ofeinum, é praticada de modo
determinista e normativo como prova de que "a crítica literária africana
seguiu tenazmente na peugada da crítica europeia, em nós que tanta
desconfiança nos suscita" .
O princípio
da década de 70 marca a emergência de uma corrente pragmática na África
Oriental, liderada pelo escritor e professor universitário queniano, Ngugi wa
Thiong'o. Desenvolvendo a tese da endogeneidade da crítica com Henry
Owuor-Anyumba e Taban Lo Liyong (ugandês), lança o projecto de abolição do
Departamento de Inglês na Universidade. Defendem a constituição do
Departamento de Literatura e Línguas Africanas. Os fundamentos de tal tese
assentam na necessidade urgente de afastar o aspectro de uma África que fosse
vista como simples extensão do Ocidente, procurando instituir, portanto, uma
visão afrocêntrica dos estudos literários .
Elo Dacy, "La Critique à l'Université", Notre Librairie (Littérature Congolaise), nº92-93 Mars-Mai 1988,pp.198-202 Grace Aduke Adebayo," A crítica do romance da África Ocidental de língua francesa e inglesa:- evolução e estado actual" África - Literatura, Arte e Cultura, Vol.III, nº11, Lisboa, Jan-Jun.,1981,pp.10-18 Ora, este grupo parte de pressupostos de inspiração marxista na análise do fenómeno literário. Donde animados por um certo desejo de síntese, três críticos nigerianos, considerados também de inspiração marxista (Chinweizu, O.Jemie,IMadubuike) aprofundam essa focagem no livro Toward the Decolonination of African Literature, Abiola Irele, um dos eminentes críticos nigerianos, classifica as teses iconoclastas destes três como sendo resultado de um "naive romanticism". O que os aproxima aos marxistas, diz A.Irele, é o facto de partirem da ideia prescritiva e ortodoxa da crítica.
Depois de
muitas hesitações e resistências, a Universidade de Ifé, na Nigéria,
procederia a uma reorganização do Departamento de Inglês. Em 1977, dava lugar
a três novos Departamentos . Tudo isto ocorria perante a rejeição da mudança
que se verificava na Universidade de Ibadan, a primeira a ser criada e onde
se formam a primeira geração de professores de literatura, escritores e
criticos nigerianos.
No plano de
estudos da Universidade de Ifé identificam-se os seguintes Departamentos:
Departamento de Língua Inglesa; Departamento de Literaturas em Língua
Inglesa; Departamento das Línguas Europeias Modernas. As literaturas
africanas são leccionadas no âmbito dos dois últimos.
O processo de
autonomização das literaturas africanas foi provocando, embora com alguma
lentidão, o abandono das denominações generalistas elaboradas na base de
critérios raciais. A historiografia regista influências profundas que o
movimento panafricanista e posteriormente a Negritude exerceram sobre a
ideologia dos escritores africanos. Estas literaturas foram durante muito
tempo designadas como sendo negro-africanas.
O tipo de
argumentos utilizados para justificar tais desingnações é-nos dada por Lylian
Kesteloot, na sua Anthologie Négro-Africaine:" Consideramos a literatura
negro-africana como manifestação e parte integrante da civilização africana.
E mesmo quando é produzida num meio culturalmente diferente, anglo-saxónico
nos Estados Unidos, Ibérico em Cuba e no Brasil(...) O espaço da literatura
negro-africana cobre não apenas a África ao sul do Sahara, mas todos os
cantos do mundo onde se estabeleceram comunidades Negras, sob os auspícios de
uma história turbulenta que arrancou ao Continente centenas de milhões de
homens como escravos(...)" .
Biodun Jeyifo, "The debate on literary pedagogy in África: the Ife experience", in AAVV, Littératures Africaines et Enseignement, Actos do Colloque International de Bordeaux, 15-17 Mars 1994, organizado por Centre d'Etudes Littéraires Maghrehines, Africaines et Antillaise e R.C.P.-C.N.R.S nº732 Littératures Africaines Imprímées, Bordeaux, Presses Universitaires de Bordeaux, pp.735-391.
A partir da
década de 70 e 80, a tendência dominante da crítica designa as literaturas
africanas no plural, confinando-as aos espaços nacionais. Passam a aser
publicados estudos e antologias que obedecem ao critério da nacionalidade
literária. Para M. a M. Ngal, este critério tem a sua validade na medida em
que o conjunto de actos criadores que a literatura representa
"estabelece com as línguas nacionais, uma relação de pertença
linguística (...) É neste sentido que às produções intelectuais abstractas
tais como as literaturas filosóficas se autorizam qualificativos como a
filosofia francesa, filosofia alemã".
Chinweizu,O.Jemie
e I.Madubuike, no livro já mencionado, produzem interrogações interessantes
sobre os critérios para uma definição do objecto do discurso crítico: as
literaturas africanas. Enquanto tal, elas "não podem ser definidas com
uma simples, concisa, anotação de dicionário, através da enumeração das
condições necessárias e suficientes". Por isso, recorrem a uma definição
extensional em que as semelhanças de família são empregues de modo pragmático
para se determinar os casos duvidosos e de fronteira que poderiam ser
incluidos no indiscutível canone das literaturas africanas.
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CONCLUSÃO
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As tendências
em que se analisam os discursos sobre as literaturas africanas representam o
aprofundamento de uma reflexão epistemológica. através da qual se eleva o
desempenho, a tomada de consciência do próprio sujeito de reflexão,
contribuindo ainda para a definição dos contornos e da especificidade das
literaturas enquanto objecto. Está aí subjacente a ideia de um novo paradigma
e de uma ruptura epistemológica, entendida como negação da subordinação à
hegemonia dos conhecimentos e das práticas ocidentais.
Guy Ossito Midiohouan, L'ideologie dans la Littérature Négro-Africaine d'expression Française
O ensino das
literaturas africanas no nosso continente tem a idade das independências. As
filosofias pedagógicas e a estrutura dos programas nem sempre encontraram
respaldo nas políticas culturais dos Estados. É neste sentido que apontavam
as conclusões da Conferência da Associação das Universidades Africanas,
realizada em 1972 sob o tema "Criando a Universidade Africana: Os
aspectos relevantes da década de 70". Segundo o professor Babs Fafunwa,
os investigadores dos novos Estados independentes recomendavam a reformulação
do ensino superior, especialmente a adequação dos currículos às realidades
africanas e a edificação de Universidades que fossem instituições viáveis sob
o ponto de vista moral e político. A essa mesma conclusão se chegaria em
tantos outros colóquios. Por isso, os iniciadores da investigação e da
crítica consideram que os resultados são decepcionantes, passadas que são
quase três décadas.
Todavia, o
crítico norte-americano Bernth Lindfors, ao apresentar as conclusões do seu
inquérito sobre o ensino das literaturas africanas nas universidades dos
países africanos de língua inglesa, observa que "a descolonização dos
estudos literários em África está em curso" . Refere que dos 194 cursos
leccionados em 30 universidades dos 14 países, a amostra representa cerca de
60% do número total de cursos em que se inscrevem 226 autores. Estes
indicadores estatísticos fornecem um quadro que reflecte provavelmente também
a situação dos países de língua francesa. Ignora-se, no entanto, e com alguma
razão o que se passa nos países africanos de língua portuguesa.
Por
diferentes razões, as perplexidades e paradoxos resultantes do ensino das
literaturas africanas são bem maiores no contexto da academia ocidental,
pois, é lá onde parecem abundar especialistas e leitores. Numa tentativa de
confirmar a marginalidade das literaturas africanas nas universidades
americanas, o crítico Christopher L.Miller formula as seguintes
questões:"o que terão as literaturas africanas trazido para o campo dos
estudos literários?";"fornecerão elas algo mais do que um vasto
conjunto de material em bruto a que se aplicarão as metodologias
ocidentais?";"será que as literaturas africanas apresentam
desafios?" .
Bernth Lindfors, "The Teaching of African Literatures in Anglophone Universities: An Instructive Canon", in Raoul Grandqvist(ed.), Canonization and Teaching of African Literatures, MATATU: Journal for African Culture and Society, 7,1990,pp. 41-55.
Ao responder,
Christopher Miller escreve:"enquanto objecto de estudo e fonte de
interpretação cultural, a África tem sido considerada apenas quando inserida
numa rígida estrutura hierarquizada de centro e margem, em que se
desvalorizam as margens". No dizer do professor nigeriano Abiola Irele.
"a investigação africana é na melhor das hipóteses marginal e na pior
inexistente na economia global do desempenho intelectual do mundo
contemporâneo". Por isso, um outro crítico africano, Anthony Appiah,
advoga a instauração de "epistemologias alternativas da leitura" .
O que está de acordo com aquela ideia conclusiva de Abiola Irele, que é
citado por C.Miller: "é-nos patenteada uma oportunidade ... de produzir
um apreciável impacto no domínio da investigação e certamente no sistema
mundial do conhecimento".
Na verdade, a
apologia de um discurso crítico endógeno é a expressão de uma certa
alteridade. E a busca de um discurso alternativo que não se submete a essa
marginalização, refutando a exclusão epistemológica ou epistemicídio. Segundo
Boaventura de S. Santos o epistemicídio deve ser considerado "como um
dos grandes crimes contra a humanidade" . Ele é irmão gêmeo do
genocídio. É que "o epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio
porque ocorreu sempre que se pretendeu(...) ilegalizar práticas e grupos
sociais que podiam constituir uma ameaça à expansão capitalista."
Cristopher L.Miller, "Literary Studies and African Literature: the Challenge of intercultural literacy", in Robert H. Bates,V.Y.Mudimbe e Jean O'Barr(eds), Africa and The Disciplines, Chicago, University of Chicago Press, 1993. Anthony Appiah, "New Literatures, New Theory?", in Op.cit.,pp.57-89. Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice- O Social e o Político na Pós-Modernidade, Porto, Edições Afrontamento,1994,
FONTE: www.nexus.ao/kandjimbo/kalitangi/critica_web.htm
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