Nelson Lineu – Maputo
Sai de chinelos, calção e camisa modesta, veste-se assim nesses
ultimamentes. Vai comprar pão, a mulher foi trabalhar e os filhos foram a
escola, colimar o futuro. Horas depois ele mesmo irá ao mercado, fazer compras
para o almoço, ouvir papo de lá passou a ser o seu hobby favorito. Hoje
em vez da padaria, foi comprar nas senhoras que vendem pães em pleno passeio. É
ilegal? E a miséria que lhes é desti-nada?
A
senhora assustou-se por ver aquela figuríssima ali, estava habituado a ver-lhe
de carro, ver como quem diz, nem sempre o via porque o carro tinha vidros
fumados. O Gusmão Cossa era filho do meio, chamava-se assim por ter nascido,
dum pai do norte e mãe do sul do país. Relaciona-mento que segundo o que ele
ouvia beneficiava as mulheres porque homens do norte eram dzamwamwas ou
matrecos, por confiar cegamente deixavam os salários com as esposas, muitas
vezes elas é quem tinham a última palavra. Pensavam assim os do norte, os
meninos vão crescendo com a lição segundo a qual não deviam casar com as
mulheres do sul. Em contra partida comentava-se que as do norte eram
feiticeiras, punham na garrafa os maridos ou mesmo entre as pernas com os seus
golpes de sedu-ção, ao chegarem a idade donzela, tinham umas as aulas que
chamam por ritos de iniciação, onde ensinam como sem vergonhar. Pelos do sul. O
que nesses casos tinham de comum, dum lado era o facto de purificar e
angeli-car as mulheres locais, se calhar seja por isso que esse conflito exista
até agora, adivinhando a dificuldade de levar um anjo a cama; e do outro os
familiares acharem sempre que os homens eram as vítimas e as mulheres doutra
zona culpadas.
O
Gusmão Cossa que pelo domínio que se diz as mulheres terem pelo homem teve como
apelido o nome do avô do lado materno, o que em si também feria a sua
virilidade. O pai quis assim porque o seu sogro foi mais pai dele, que o
bio-lógico. Quem está para essas justificações? Gusmão era endinheirado, tinha
mui-tas posses, trabalhava nas alfândegas, meteu-se numa encrenca e teve que
pagar com a sua liberdade tudo o que tinha ganho na sua opaca carreira e o seu
empre-go, excepto a casa e um carro que existe só porque ainda não tinha
conseguido um cliente ideal, mas pelo afecto que ele tinha com o automóvel.
A
quando do seu despedimento raramente saia, acabaram-se as festas, os jantares
de gala, o fato italiano. Como alguém que estava fora de si não conse-guia
perceber, o porquê dele dar como gorjetas aos garções o salário mínimo. Tudo
isso observava num dia quando olhava na instante onde garrafas de whisky e
vinho da idade dos seus bisavôs desfilavam; Sentia-se na obrigação de ter
cachimbo, mesmo sabendo que depois de consumir tossiria durante a semana toda.
Do outro lado da instante viu os livros como se estivessem saindo da gráfi-ca,
só os tocou quando estava a arrumar. Com uma curiosidade infantil foi
desfo-lhando e pensando na possibilidade daqueles papeis se transformarem em
dinhei-ro. Comprou-os porque quando conversa-se com alguns estrangeiros,
queriam saber sobre livros, as vezes tinha que os convidar para casa,
mostrava-os a prova da sua elegância segundo ele, com isso ganhava aos seus
colegas na disputa de clientes, sempre soube escapar quando quisessem saber de
alguns detalhes do escritor ou do livro, apenas limitava-se a dizer onde
moravam, o que fazia além da escrita e arranjava uma desculpa para trocar de
assunto. Nesse dia pôs-se a ler, foi-se encantando pelos livros, descobrindo
mundos e horizontes, fazia -o bem o facto de se conhecer através deles.
Percebeu a razão e a origem dos seus preconceitos e qual era o fim. Sentia-se
animado por ter que ser ele a dar o destino. Desabafava com a senhora,
incompreendendo o porquê da marginalização da leitura. Pela sua experiência,
havia um total desco-nhecimento entre nós, a literatura poderia ser essa ponte,
não só para col-matar esse vazio como também a vaga que todos os dias
mediocridade e mesquinhice vão conjugando o nosso verbo viver.
- Como tudo depende de algo- respondeu a senhora- e
acrescenta: para esse cenário mudar é preciso que haja vontade, mas não é uma
vontade qualquer. Tem que ser a vontade política.
0 comentários:
Enviar um comentário