Já lia os seus escritos desde há
muito tempo, mas o verdadeiro contacto com a sua poesia chegou-me nos finais do
ano passado quando tive acesso a algumas edições da revista literária Charrua.
Daí não parei mais a busca de quem era Filimone Meigos. Descobri que para além
de ser autor de “Mozambique Meu Corpus Quantum”, era autor de outras duas obras
de uma densa poesia, nomeadamente, “Poema Kalach in Love” e "Globatinol" ou o garimpeiro do Tempo" Uma conversa com Meigos
que é também sociólogo, (docente de sociologia de arte) é passear de Beira a
Chimoio, de Nampula a Maputo, lugares que o poeta se refere dos lugares e das
gentes com quem se cruzou e que formam os seus sujeitos poéticos. E não só
nesta entrevista, Filimone Meigos assume que “a inspiração é divina” sendo que
a sua poesia a que “muitos não entendem” é baseada em três conceitos Arte –
Filosofia – Ciência. Mas porquê justificar as palavras de um poeta que fala por
si, não como director geral do Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC), mas
como poeta que é e, inevitavelmente, como sociólogo.
Eduardo Quive - Moçambique
Andei num liceu em que tinha como professores, Lídia Jorge, Zeca Afonso, e
foi-me quase que inoculado o vírus da escrita. Na verdade vinha até da escola
primária, e a minha família toda tem muita inclinação para as letras. O meu pai
fez letras também, e isso influenciou-me naquelas leituras que eram coloniais
como “João de Deus”, Antero de Quintal, Camões, eu li isso. Mas o que vem a surpreender
de verdade, foi em 1973/74, foi a obra “Mangas Verdes com Sal” de Rui Knofli,
nesse livro tinha um texto que dizia “Então Rui” e eu escrevi um nessa altura
intitulado “Então Mone”, decalcado. Acho que foi meu primeiro texto e nem sei
onde está esse texto, que era reminiscências de leitura de “ Mangas Verdes com
Sal”.
Começo a publicar textos a partir de 1975/76 na Beira no jornal Diálogos,
com Heliodoro Baptista, Bassana Admugy, Júlio Bicá, Carlos Beirão, Simião
Cachamo, e tínhamos mais outros. Então essa é a minha geração. Em 1978 vou dar
aulas em Chimoio e fui feliz porque quando lá chego, a Diálogo saia no sábado e
tinha um texto bem ao lado do meu, assinado “Marcelo Panguana – Chimoio”.
Aquela cidade é muito pequena e perguntei a algumas pessoas, quem era aquele.
Foi então quando disseram-me que era um químico e trabalhava numa fábrica de
sumos e foi até lá. Encontrei Marcelo Panguana com uma bata branca armado em
químico a fazer os sumos. Aquilo foi tipo amor a primeira vista. Então
continuamos a publicar na Diálogo e em princípios de 1979 fui para a tropa em
Nampula, estive na Academia Militar e conheci a Esménia Sacramento, que tinha
um programa na rádio local chamado “O Poema Essa Arma” – decalquei – o que
originou o meu primeiro livro, “Kalach in Love”. Uma releitura do programa
radiofónico “O Poema Essa Arma” da Esménia Sacramento. Estava ela, Rafa Cambala,
Moncolo Chiniá, Ana Paula Muhoro, todos estes escreviam.
Se eu quiser dividir a minha entrada para as letras teria essas três
etapas. Que são, a fase do Liceu, do Chimoio, onde fiz a geração Diálogos, e em
Nampula, onde a Esménia Sacramento no seu programa apresentou-me o Rui Nogar e
Orlando Mendes, foi um facto inédito e tinha comigo os meus textos iniciantes
que mostrei aos dois. Eles disseram-me “há uns teus amigos em Maputo que vão
gostar daquilo que escreves e eles tem uma linha própria”. Foi então quando
conheço Ungulani Ba Ka Khosa, Eduardo White, Juvenal Bucuane. E quem me dá os
primeiros escritos destes é o Rui Nogar, ele era na altura director provincial
de qualquer coisa em Nampula. Nessa altura, aliás, estava em vista a criação da
AEMO. Portanto, quando a AEMO foi criada eu estava na tropa em Nampula e já
estavam em contacto com os dois escritores que assumiram as grandes pastas da
AEMO, sendo Rui Nogar, Secretário-geral e Orlando Mendes, Presidente da Mesa da
Assembleia Geral.
L: Então participa na criação da AEMO?
F.M: Não. Porque estava na Academia Militar, mas vi a
constituição e acompanhei tudo. Aliás fui posto a par desses processos todos
pelo Rui Nogar e Orlando Mendes mais não fiz parte do corpo directivo. Só fiz
parte dos corpos directivos nos tempos do Albino Magaia, que fui vogal.
L: Mais depois vai a AEMO para se integrar na Charrua?
F.M: Quando volto da tropa, eu vinha a Maputo para tratar da
minha desmobilização, entro no processo da dinamização da AEMO. Participo dos
jantares literários e das tertúlias.
L: Vem recorrer a desmobilização porque já tinha como
missão entrar activamente na vida literária?
F.M: Não. Pauto pela desmobilização porque sempre achei que
Guerra não é solução para este país. A minha geração toda sempre pensou que a
guerra não é a solução para este país. Costumo dizer isto, que as pessoas
próximas nem acreditam, o meu primeiro curso licenciatura em ciências
político-militares, para aniquilar as forças vivas e não vivas do inimigo.
Mas, a minha geração depois fez-se jus a questão, quando assinamos o Acordo
de Roma, porque se chegou à consciência de que nunca seria a solução para a
nossa situação, a guerra. Mas éramos miúdos, com 17/18/19 anos de idade e a juventude
é sempre vista como aquele que vai contra a corrente.
Volvidos que foram os tempos, a história provou-nos que estávamos correctos.
E foi nesse prisma que achei por bem sair do exército. Mas estive na guerra a
combater os BA’ s e essa expressão vais encontrar nos meus textos quando digo
“BA’ s ao quadrado é igual a merda”. Porque de facto os BA’s eram merdas, andei
atrás deles, queimavam aldeias, roubavam bois, violavam mulheres etc, e eu
vivenciei isso quando estava na guerra. Eu vi que Guerra não era solução.
Mas voltando à sua questão, vi cá e negociei a minha desmobilização e o
Sebastião Marques Mabote que era Chefe de Estado Maior General,
desmobilizou-me. Voltei a Beira como secretário de ligação do governador. Na
beira fortifiquei as relações literárias com Hiliodoro Baptista e outros
camaradas.
Mas tive que estudar e voltei para Maputo e integro-me efectivamente na
Charrua. Na verdade eu já estava envolvido, porque quando estive cá durante 3
anos quando a Charrua estava pujante, andamos todo Maputo a noite a pé, ninguém
tinha carro. Desde a casa do Khosa que era no Alto-Maé até a Julius Nyerere, e aqueles
bares todos, nós entrávamos, eu, Luís Carlos Patraquim, Calane da Silva, Gulamo
Khan etc. O Calane e Ungulani já não bebem e nem fumam, mas naquela altura
bebiam e fumavam todos. Foi uma iniciação interessante porque tínhamos uma
geração anterior a nossa e nós mudamos radicalmente a abordagem formal e dos
conteúdos – isso é que foi Charrua. A Charrua define-se pela sua capacidade de
ruptura, embora com algo de continuidade em termos de formas e conteúdos, avacalhamos
aquilo. E havia velhos que estavam connosco. o Rui Nogar, Craveirinha, o Aníbal
Aleluia, gostavam porque viram que éramos dinâmicos. E depois tínhamos
actividades de grande vulto como os Msahos, com o Tomás Vieira Mário, o Afonso
Santos que éramos muito activos nessas actividades. Os M’sahos foram revelando
conteúdos completamente novos como por exemplo, “As Saborosas Tangerinas de
Inhambane”, poema de José Craveirinha. E a primeira vez que o país soube desse
poema foi nos M’sahos, o Gulamo Khan roubou ao tio Zé, porque ele era muito
cauteloso ao publicar os seus conteúdos. O Gulamo Khan que era adido de
imprensa do presidente Samora Machel, roubou o poema e dissemos pela primeira
vez em público, com a declamação dele, minha e do Tomás Vieira Mário, no jardim
Tunduro em directo, porque tínhamos a transmissão da Rádio Moçambique.
L: Entra na Charrua já com ambições como escritor? Tinha já
em plano a publicação de um livro?
F.M: Eu devo ter sido dos últimos escritores da Charrua a
publicar uma obra. O livro não era um fim em si, obviamente que iria ser, mas
não era uma meta. Se for a ver o Pedro Chissano, ou eu, mesmo o próprio Aníbal
Aleluia, nós só lançamos livros já no fim. Na verdade o que valeu naquele tempo
foi a possibilidade de partilharmos vivências, e debatermos a literatura no seu
sentido mais amplo. Nós líamos muito e trocávamos livros e ideias. É isso que
me traz muita tristeza porque não se esta geração era suposto ser a fiel
depositária – o que é normal porque as gerações sucedem-se – não sei se lêem,
se trocam livros. Nós fazíamos isso, íamos a casa de um e do outro, embora
bebêssemos uns copos, e havia uns mais adiantados que outros, já tinham livros
e até famílias, como era o caso de Khosa, Chissano e do Bucuane. Nós vivíamos
como família. Veja hoje como os filhos de Khosa, ou os do White, os meus
filhos, tratam-se como primos, somos tios e eles consideram-nos assim. E não
era farsa, provavelmente, porque não houvesse diferenciação social como hoje
há. Éramos todos iguais, ninguém tinha nada. O Rui Nogar é que tinha que lutar
para nos meter na loja para temos uma camisa, calça ou manteiga. E ele fazia
questão de dizer ao pessoal das lojas que éramos responsáveis. Ele gostava
muito de dizer “cada um com a sua idiossincrasia”.
Nós tivemos sorte porque apanhamos uma geração que depositava em nós a
esperança e me parece, modéstia parte, que correspondemos a expectativa.
L: Corresponderam as expectativas…
F.M: Tu lés um “ Ualalapi” de Ungulani Ba Khosa, “ Amar sobre
o Índico” de Eduardo White, e tu vês que está ali uma coisa sumarenta. Bem
exprimida e as análises que fazíamos um bocado empíricas, porque nenhum de nós
tinha ido a escola, mas eram feitas com alguma profundidade.
L: Mas também eram tidos como rebeldes…
F.M: Sim. Essa é a característica da juventude. Não é
rebeldia como rebeldia, mas rebeldia com alguma substância. É um bocado disso
que não sinto na geração que nos sucedeu na AEMO. E para o meu gáudio, sinto
isso com o Movimento Kuphaluxa, que é – se eu quiser dizer quem é que herdou o
espírito ou o modis faciente da
Charrua – na minha opinião não é a geração dos jovens que estão na AEMO que faz,
edita e discute ideias sobre a nossa literatura. A geração que está na AEMO não
consegue fazer isso.
L: Mas nesse processo de “passagem de testemunho” sendo que
vocês aprenderam dos outros, fizeram o vosso temo da juventude com um certo
reconhecimento e terão ensinado aos mais jovens que hoje estão, o que terá
falhado?
F.M: É um problema conjuntural. O testemunho, ficou nas
nossas mãos e não foi passado por vários motivos:
Primeiro parece-me que a geração sucessora não entendeu o recado.
Segundo parece-me que a própria conjuntura fez com que tivéssemos tido uma
abordagem diferente. Era outra coisa que não fosse literatura. Nós nunca
pensamos nisso. Fazíamos literatura por literatura. Parece-me que a conjuntura impeliu-nos
– quando digo nós, estou a incluir-me na nova geração e dou a mão à palmatória
– impeliu-nos à mc-rogização da Literatura, tal como aconteceu na música e nas
outras modalidades artístico-culturais. É a cogmelização, a preocupação com os
efeitos rápidos, e ganhos. O que nós na Charrua não tínhamos. Éramos
pobrezinhos, mas não pobres de espírito, e se leres o Khosa vais achar isso,
por exemplo. Mas hoje estamos preocupados com o exibicionismo, marcas de factos
e parece-me, infelizmente que esse paradigma vincou – a parte na minha opinião
o Movimento Kuphaluxa – mas vincou esse mc-rogização, enquanto a literatura vai
para além dos fatos.
L: Mas esses todos problemas que se registam que resultados
trarão em termos do novo produto artístico.
F.M: Toda gente apercebeu-se sem o devido contra-efeito que a
cultura é um poder. Mas não tem o devido contra-peso, porque não estudam, não
lêem, então fica tudo vazio. Esvazia o conceito de arte como o nível mais alto
de criatividade e por conseguinte o nível mais alto de intelectualização do
mundo circundante.
Então, estão todos preocupados com os livros, gingação, meninas e viagens,
mas se olhares para eles com tudo isso não são nada.
L: Já disse, portanto, que Kalach in Love é uma releitura
do programa radiofónico “ O Poema essa Arma”, mas também podiam ser as falas de
um militar que precisava da paz?
F.M: Há ali a antítese da guerra, ou seja, o dilema de ter
que pegar numa arma para alcançar a paz.
L: E é exactamente isso que quero saber, porque há aqui um
cidadão que era militar e tinha que lutar, por outro há aquele que diz “a
guerra não é a solução”…
F.M: Tínhamos o Apartheid e tínhamos os BA’s, estávamos
expostos à apúlia, por um lado, mas por outro, tínhamos como única saída a
guerra. Mas como hipótese de trabalho submersa, era a paz. Nós podíamos ter uma
solução para o Apartheid, os BA’s negociando a paz, e esta era a proposta da
Charrua. A Liberdade. Na Charrua tínhamos o debate crítico e democrático que
não é o que me parece haver agora na AEMO. Não sei que cor tem e o que pensa a
geração que agora se encontra na AEMO.
L: Acha que há falta de uma ideologia por parte dos actuais
gestores da AEMO?
F.M: Nós tínhamos uma ideologia que não era exactamente uma
ideologia. Mas pelo menos tínhamos um manifesto, se for a ler Charrua poderá
encontrar isso, mas não me parece haver esse manifesto nos que agora estão. Não
há esse arrojo, acutilância e finura no pensamento neles, como nós tivemos.
L: Estava portanto a reflectir sobre esse “não a guerra” na
sua obra?
F.M: É interessante, porque há uma contradição, pela
consciência de que eu não posso ser livre sem essa guerra, mas dentro desta
guerra reconhecer que guerra não é nada, não é solução.
Parece-me que todos aqueles que fizeram guerra entediam isso. Eu sou
oficial na reserva e fui ensinado a matar, aniquilar as forças vivas e não
vivas do inimigo. Mas sabes o que é isso? É ter o matar como sua missão, tal
inimigo que é seu compatriota.
L: Mas então, o seu segundo livro, mais um título difícil e
a respectiva escrita.
F.M: Porque eu penso e é por isso que dizem que a minha
poesia não é poesia. E vou revelar um segredo: quando vou para a universidade
começo a aprender a epistemologia, há um estudioso dessa área que se chama
Gastom Bachilar, um francês que admiro bastante que “ a Arte, Filosofia e a
Ciência, devem andar de mãos dadas”. Arte no seu sentido de mirandum, criativo, devaneio, onírico;
Filosofia - perguntativo o rigor científico da teoria. Então, se tu reparares,
já responde a pergunta que provavelmente me colocarás sobre o meu terceiro
livro, o Mozambique meu Corpos Quantum,
é uma tentativa de fazer essa junção, concordando, portanto, com Gastom
Bachilar. Se você não estuda, não entende a filosofia, pode escrever poesia,
mas não vais te dar bem. Então tens que ser capaz de reunir a perspectiva
filosófica, científica e artística, e ele chama isto de racionalismo aplicado.
Na verdade a minha poesia é uma tentativa de fazer o racionalismo aplicado. É
por isso que sou muito combatido com os que dizem que não é poesia, mas eu
afirmo, é poesia e tenho a certeza que é porque estou a seguir uma afirmação
teórica que advêm das sociologias, com a qual concordo plenamente. Não se pode
escrever poesia copulando e juntando palavras sem conteúdo.
L: Mas o que isto exige de ti? Quer concordar que não
existe a inspiração?
F.M: A inspiração é divina. É para aqueles que acreditam em
Deus. Eu acho que para se escrever tem que se ter outras componentes como a
leitura e nessa leitura tem que haver a capacidade de apreender o mundo. E
quando escreve é já uma tentativa de extravasar esta apreensão com o máximo
possível de abordagens e aí, entra o Gastom Bachilar, Filosofia, Ciência e
Arte, o Racionalismo Aplicado.
L: Você acha que nestes seus moldes de fazer a poesia, é compreendido?
F.M: Não estou preocupado com isso. Escrevo poesia para os
meus, e provavelmente para posterioridades. Fernando Pessoa, não foi entendido
na sua época, José Craveirinha idem.
L: E quem são esses “teus” que se refere?
F.M: São os que gostam de mim, os que estudaram comigo,
alguns dos que estudaram comigo, porque mesmo os que cresceram comigo, alguns
dizem que o que escrevo não é poesia.
L: interessante esta sua abordagem da poesia como uma
junção Filosófica, científica e Artística, afinal, estamos perante um
sociólogo. Fale-nos dessa relação artista – sociedade a que se remete.
F.M: primeiro é uma relação difícil. É entender que tenho uns
quadros desponíveis em que posso entender a condição social do artista, os
conteúdos que o artista trata sob ponto de vista simbólicas, trocas de bens e
serviços e trocas de poder/autoridades e etc. eu conheço isto teoricamente. Não
sei se isso dificulta ou facilita a minha tarefa, de qualquer maneira há um
pressuposto que é que eu sei que isto é transversal a aquilo que eu faço.
L: Está aqui a defender que é difícil fazer a arte ou
ser-se artista sem olhar para o que está a nossa volta e nos relacionarmos?
F.M: eu continuo a pensar que – isto é um bocado de resultado
da minha convivência – o artista sempre tem que ser engajé. Um artista
engajado. Você não faz arte para arte, é mentira, faz alguma arte relacionada
com qualquer coisa, eu acredito nisso.
L: mas olhemos por exemplo para a poesia, nos dias de hoje
aplica-se muito o concretismo, do experimentalismo ao visual…
F.M: Pode até ser, mas atrás desse experimentalismo, por trás
desse concretismo há uma epistemologia, há uma busca de saber, há um processo
dessa busca, esse é que é o ponto.
L: o ser sociólogo e o poeta em si convergem?
F.M: Infelizmente, na verdade é até felizmente porque se
recuo para o racionalismo aplicado o meu apego a de marche artística, o mirandum, devaneio, e a de marche
filosófica, perguntativa, e a de marche científica, o rigor metodológico… é pa,
eu acho que nice.
L: Ainda nesse âmbito sociólogo, lembro-me já que apesar de
amigos, estou ao lado de um magnífico reitor do Instituto Superior de Artes e
Cultura…
F.M: (risos) … A magnificência é inerente do cargo, na
verdade de magnífico não tenho nada, como podes imaginar e veja como estou (de
calções, chinelos artesanais, camisete acompanhado do seu Kalach, o cachimbo e
o vinho), eu fui sempre assim.
Mas esta magnificência também é luta porque entre os meus pares, há uma
atitude de resiliência, há crítica de fatos e gravatas e de formalismos que remontam
as origens da universidade com as togas e todas aquelas formalidades que não me
parecem ser a solução para este país.
L: está a falar da classificação das pessoas pela aparência
e não pelo conteúdo?
F.M: É um bocado da mc-rogização, quer dizer, tu avaliares o invólucro
e não o conteúdo, ou seja, se tu estás de factos e gravatas, you are the one, mas se quer falaram
contigo, se quer sabem quais são as suas ideias, suas opiniões, estão te
avaliar pelas tuas sandálias e que tal chegares destrinçares essas sandálias
teoricamente e dizeres que usas as sandálias porque está um dia quente e
qualquer coisa, pelo que faz mais sentido que usar fatos e gravatas num país
que faz 40 graus de temperatura.
É mais racional eu ter racionais do que fazer jus a um embrulho, que é um
bocado consequência perversa da modernidade, as pessoas dão mais valor ao
invólucro… e se você for um bandido, cheio de gravatas e tudo, mas em baixo
tens uma AKM?
L: como formador de artistas o que observa do Moçambique
artístico?
F.M: Eu estou a falar aqui como um sociólogo poeta o poeta
sociólogo poeta, como quiseres. Sinto que há duas perspectivas: uma que são os
artistas que entenderam que é preciso ter imputes teóricos para, por exemplo,
conseguirem falar sobre aquilo que fazem, essa é uma perspectiva com a qual
concordo.
A outra perspectiva é de gente que vai estudar para ter um diploma, para
serem N1, sabes o que é N1? Para ganhar salário que é outra perspectiva com
qual não me identifico, mas que existe e contra factos não há argumentos, esse
é um adágio antigo.
Mas se eu quiser fazer uma análise mais fria, eu diria que há gente que
está a estudar para aumentar conteúdo, o CHA – Conhecimentos, Habilidades e
Atitudes, e há outros que estão pura e simplesmente para depois poderem factos
e gravatas e serem chamados doutores todos embrulhados em termos de marketing
com esse veludo, quando efectivamente não corresponderão aos conteúdos. Esta
segunda alternativa põe-me um bocado triste, mas é o que existe, a sociologia
também ensinou-me que as sociedades são feitas de actores sociais, há bons e
mãos, há pretos e brancos, há marginais e não marginais, as sociedades
transportam em si, doenças, as sociedades tem anomias. Há sempre questões
anómicas que tem a ver com a própria sociedade, mas que elas não se podem
sobrepor para saberem estar, saberem fazer e saberem ser.
L: Olhando para essas duas vertentes, que aqui mostra, que
valor acha que tem a formação para o artista e para a cultura no geral?
F.M: A formação, eu volto ao Bashilar, para os artistas a
formação dá-los este tripé de Filosofia, questionamento, cristicidade, Arte –
podes ter nascido com ela, com os teus avôs, mas o mirandum, capacidade de
sonhar onírica, ao mesmo tempo, já o terceiro pé, a metodologia a
cientificidade que te dá a Ciência… Não há feitiço que substitua a ciência, a
leitura, não há sonho que substitua a leitura, não há livro onírico que
substitua o livro científico. Quer dizer que tens que ler ciência ao mesmo
tempo que tens que ler literatura. Outra pergunta…
L: Estamos numa altura em que se reclama falta de qualidade
em que quase todas as áreas artísticas no país. Estou a falar, por exemplo, da
música, da literatura, só me é difícil de falar das artes plásticas… que
explicação pode se dar a tanta reclamação?
F.M: Estamos numa crise de crescimento. Nos escritores esse
marasmo, nos músicos a pandzização e mc-rogização da música, nas artes
plásticas, temos a famosa discussão entre arte contemporânea e a não
contemporânea, e sempre repito que é uma discussão redundante, porque quando
Picaso, Gandisque, Marlu, estavam a fazer as coisas que fizeram não diziam “eu
agora estou a fazer arte contemporânea”. Arte é arte, a arte é do seu tempo e
aqui cabe-me falar de um famoso que eu gosto muito que é Nobel de arte, o
primeiro preto e africano, Wole Sonyika, o tigre não precisa falar sobre a sua
tigritude, ataca. Se você é e pode, faz. Parece-me que é esse o nosso problema
que no meu atender, é uma crise de crescimento. Mais dia ou menos dia, há de
haver uma quantidade que vai nos revelar a qualidade.
L: Precisamos de acreditar ou precisamos de fazer alguma
coisa?
F.M: Eu acho que estamos a fazer. Por exemplo esta entrevista
já é essa perspectiva de que temos que dar um passo seguinte. Dois, o Movimento
Kuphaluxa na minha opinião, uma resposta a esse marasmo que caracteriza a
literatura moçambicana.
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