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    Lars von Trier: a cultura do medo

    Victor Eustaquio - Lisboa

    1. Na literatura
     
    «Lolita», de Vladimir Nabokov, tanto é considerado como um dos melhores romances do século XX como um devaneio literário de um “pedófilo”.
    Com «Partículas Elementares», Michel Houellebecq tanto foi acusado de defender a integração dos muçulmanos “assimilados” na sociedade francesa, escreveram alguns críticos mais moderados (provocando reacções violentas entre os sectores conservadores), como por preconizar uma total desagregação da sociedade humana pela via de uma segregação radical de natureza darwinista. Mas Houellebecq não ficou por aqui. Com «Plataforma», choveram novas críticas por supostamente o autor francês promover e exaltar o turismo sexual em países asiáticos como a Tailândia.
    Em ambos os casos, apenas para citar dois, ninguém saiu a público para agitar a bandeira de «persona non grata», não obstante problemáticas como a pedofilia ou a segregação racial serem profundamente sensíveis e susceptíveis de grandes ódios.
    Para aqueles que se sentiram visados ou não, para aqueles que se sentiram ofendidos ou não, a tolerância perante vozes dissonantes foi mais forte. Até porque Nabokov e Houellebecq pagaram ou pagam o posicionamento que quiseram afirmar.
    O mesmo já não se pode dizer de Salman Rushdie. Khomeini decidiu “condená-lo” à morte porque não gostou do que leu nos «Versículos Satânicos». A história é célebre e não vale a pena repeti-la. O mundo islâmico foi convidado à intolerância.

    2. No cinema

    No cinema, Stanley Kubrick foi criticado por promover a violência e traçar um quadro pessimista sobre a dimensão animalesca dos seres humanos, enquanto uma condenação e uma componente “incurável” da condição humana em «Laranja Mecânica».
    Sylvester Stallone, com a saga «Rambo», optou por mostrar mercenários sanguinários que lutam heróica e estoicamente para salvar cristãos às mãos dos infiéis (que por aí andam nestes países subdesenvolvidos e “fanáticos” fora do Mundo Ocidental, claro está).
    Muitos mais poderiam ser os exemplos, mas citemos apenas estes dois. Em ambos os casos, ninguém saiu a público para agitar a bandeira de «persona non grata», não obstante problemáticas como a violência gratuita e a selvajaria contra seres humanos em nome de valores nem por todos partilhados serem profundamente sensíveis e susceptíveis de grandes ódios. Há quem goste, há quem não goste. Kubrick e Stallone pagaram e pagam a factura.
    O mesmo já não se pode dizer de «O Código Da Vinci», de Ron Howard, que antes de chegar a Cannes provocou tumultos e boicotes em vários locais onde foi exibido, tal como havia sucedido dois anos antes, em 2004, com «A Paixão de Cristo», de Mel Gibson. O que provocou tanta polémica? Os ataques ao cristianismo? Ou a intolerância a falar mais alto perante alguém que ousa desafinar?
    É curioso. O cineasta soviético Andrey Tarkovsky terá sentido o mesmo ao ser cilindrado pela crítica em 1962 no Festival de Cinema de Veneza após a projecção de «A Infância de Ivan». De que tratava o filme? Dos traumas nas crianças causados pela II Grande Guerra. O problema é que o enredo centra-se numa família soviética… Sartre teve de sair a terreiro para defender Tarkovsky. O que também não foi uma grande ajuda, porque o célebre filósofo francês era um homem de esquerda. E uma boa parte dos italianos, decerto filhos de Mussolini, não perdoou. Mostrando o quão intolerante poderá ser a paixão por causas.

    3. O anti-semitismo de Lars von Trier

    Lars von Trier foi considerado agora uma «persona non grata». Fala-se em boicotes, censura, proibição da exibição do seu novo filme. Por que razão? Porque o realizador confessou que até compreende o ponto de vista dos alemães que viveram a exaltação da grande Nação impulsionada por Hitler, após a humilhação imposta pela I Grande Guerra. E deixou escapar uma certa admiração pelo nazismo.
    As afirmações são condenáveis pelo que do nacional-socialismo resultou. Inaceitáveis para quem tem, como artista, responsabilidades acrescidas em razão da maior capacidade em influenciar a opinião pública. Mas há uma lógica no argumento de Lars von Trier, não obstante tratar-se de uma problemática profundamente sensível.
    Contudo, a intolerância volta a falar mais alto perante alguém que ousa desafinar. Não deveria Lars von Trier pagar a factura tal como Nabokov, Houellebecq, Kubrick ou Stallone? Negar a liberdade de expressão é negar um dos valores fundamentais da sociedade livre que o Mundo Ocidental acredita defender. Se age com as contradições do fundamentalismo que tanto condena, quando o tema é tabu, em que difere daqueles que tanto critica?
    De resto, o que é que Lars von Trier trouxe de novo? O mesmo realizador dinamarquês já havia causado controvérsia em Cannes, há dois anos, ao apresentar «Anticristo», filme que acabaria por valer a Charlotte Gainsbourg a distinção como Melhor Actriz, apesar da crítica contra a película ter sido violenta.
    Ainda assim, Cannes sempre mostrou ter uma profunda admiração por este cineasta. Em 1984, Lars von Trier ganhou o seu primeiro prémio no festival com «Forbrydelsens Element». O mesmo aconteceu em 1991 com «Europa»; em 1996 com «Ondas de Paixão»; em 1998 com «Os Idiotas»; em 2000 com «Dancer in the Dark»; em 2003 com «Dogville»; em 2005 com «Manderlay»; em 2009 com «Anticristo»; e agora, em 2011, com «Melancholia». Todos os filmes, sem excepção, foram candidatos à Palma de Ouro. Uma foi conquistada em 2000 com o musical «Dancer in the Dark».
    O que mudou desde então? O discurso de Lars von Trier ou o nível de tolerância num mundo assustado por poderes erráticos, que vê ameaças ao dobrar de cada esquina? Não será isto que David Moody nos avisa no seu romance «Ódio»? Que vivemos no dilema do medo, da necessidade de matar antes que nos matem?

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